Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor da EBEJI

EBEJI

Olá prezados leitores,

Para os que já acompanham minhas postagens semanais aqui no blog da EBEJI desde 2014, não é novidade que, a cada final de “semestre ativo dos Tribunais Superiores”, eu seleciono os principais julgados da seara criminal e tento fazer alguns comentários e resumo das posições consolidadas.

Vocês podem se perguntar qual o critério para a seleção desses “temas mais importantes”. Utilizo-me de vários critérios, sem ordem de preferência, mas envolve (i) relevância da tese deliberada, (ii) probabilidade de se tornar um “tema da moda” em provas, (iii) assuntos que tenham repercussão social e (iv) apostas minhas em questionamentos nos próximos certames.

Esse semestre foi profícuo em decisões “polêmicas” e interessantes, revelando-se tarefe árdua a indicação de apenas 5 julgados! Para evitar textos muito longos, já que os meus comentários sobre cada precedente não são superficiais, optei por modificar a divisão clássica que fazia a cada semestre.

Dessa maneira, a série de postagens dos principais entendimentos dos Tribunais Superiores na seara criminal em 2016.1 será dividida em 4 textos, conferindo relevo e destaque para o (i) direito penal no STF, (ii) direito processual penal no STF, (iii) direito penal no STJ e, finalizando a sequência, destacarei os principais entendimento de direito processual penal no STJ!

Espero que seja útil para vocês! Indubitavelmente, posso assegurar, se vocês tiverem paciência para revisar essa sequência que ora se inicia de 20 julgados, estarão melhor preparados para enfrentar questionamentos certos nos concursos vindouros!

Sem mais delongas, vamos aos 5 julgados do direito penal por mim selecionados e comentados extraídos do Supremo Tribunal Federal nesse 1º semestre de 2016! 

(1º) Presunção de inocência e execução provisória de condenação criminal – HC 126292/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 17.2.2016. (HC-126292)

Plenário – A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. Dentre outros temas, a Corte apreciou a questão sob o viés do (a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal. De acordo com o STF, o plexo de regras e princípios garantidores da liberdade previsto em nossa legislação — princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, do juiz natural, da inadmissibilidade de obtenção de provas por meios ilícitos, da não auto-incriminação, com todos os seus desdobramentos de ordem prática, como o direito de igualdade entre as partes, o direito à defesa técnica plena e efetiva, o direito de presença, o direito ao silêncio, o direito ao prévio conhecimento da acusação e das provas produzidas, a possibilidade de contraditá-las, com o consequente reconhecimento da ilegitimidade de condenação que não esteja devidamente fundamentada e assentada em provas produzidas sob o crivo do contraditório — revelaria quão distante se estaria da fórmula inversa, em que ao acusado incumbiria demonstrar sua inocência, fazendo prova negativa das faltas que lhe fossem imputadas. Na decisão (sentença) de primeiro grau, ficaria superada a presunção de inocência por um juízo de culpa — pressuposto inafastável para condenação —, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por tribunal de hierarquia imediatamente superior. Nesse juízo de apelação, de ordinário, ficaria definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se fosse o caso, da responsabilidade penal do acusado. Então, ali que se concretizaria, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tivesse ela sido apreciada ou não pelo juízo “a quo”. Ressalvada a estreita via da revisão criminal, seria, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exauriria a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária faria sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do CPP e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990. De acordo com o entendimento sufragado, especificamente no que toca à previsão constitucional da presunção de não culpabilidade, ter-se-ia de considerá-la a sinalização de um instituto jurídico, ou o desenho de garantia institucional, sendo possível o estabelecimento de determinados limites, razão pela qual a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não comprometeria o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado tivesse sido tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Citou-se como exemplo dessa possibilidade de antecipação dos efeitos ainda que inexistente o trânsito em julgado o exemplo recente da LC 135/2010 – Lei da Ficha Limpa, que, em seu art. 1º, I, expressamente consagraria como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória por crimes nela relacionados, quando proferidas por órgão colegiado. A presunção de inocência não impediria que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produzisse efeitos contra o acusado. Aduziu-se que, muitas vezes, os acusados se valiam de recursos meramente protelatórios, denotando um verdadeiro abuso de direito (recursal) que visaria, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória. Cumpriria ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao STF, garantir que o processo — único meio de efetivação do “jus puniendi” estatal — resgatasse sua inafastável função institucional. Em relação ao fato de que as instâncias ordinárias estariam passíveis de cometer equívocos, a Corte destacou que, para essas eventualidades, sempre haveria outros mecanismos aptos a inibir consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a execução provisória da pena, como seria o caso da adoção de medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou especial seriam instrumentos inteiramente adequados e eficazes para controlar situações de injustiça ou excessos em juízos condenatórios recorridos. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente), que, ao concederem a ordem, mantinham a jurisprudência firmada a partir do julgamento do HC 84.078/MG (DJe de 26.2.2010), no sentido de que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar.

(2º) Empréstimos consignados e retenção por prefeito – AP 916/AP, rel. Min. Roberto Barroso, 17.5.2016. (AP-916)

1ª Turma– A turma condenou o acusado da prática dos crimes de peculato-desvio e assunção de obrigação no último ano do mandato (CP, artigos 312 e 359-C) à pena de dois anos, oito meses e vinte dias de reclusão, em regime inicial aberto, além da pena pecuniária de doze dias multa. Uma das teses de defesa utilizadas foi a violação do PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL, sobre o qual a turma reiterou o entendimento pela INEXISTÊNCIA do citado postulado, conforme havia decidido no HC 90.277/DF (DJe de 1º.8.2008). Em relação à consumação do peculato desvio essa se configurou com a não transferência dos valores retidos na fonte dos servidores municipais ao banco detentor do crédito, referentes a empréstimos consignados em folha de pagamento, pois aqui houve alteração do destino da aplicação dos referidos valores. Apesar da existência de depoimentos constantes dos autos a apontar que o município em questão estaria passando por dificuldades em razão da crise mundial, além de ter sido prejudicado no repasse proveniente do Fundo de Participação dos Municípios, também constaria dos autos informação relativa ao aumento da folha de pagamento do município, com a contratação de pessoal, e à efetivação de repasses voluntários para instituições não governamentais. A existência desses fatos tornaria inviável o reconhecimento de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa a afastar o juízo de reprovação penal.

(3º) Pureza da droga e dosimetria da pena – HC 132909/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 15.3.2016. (HC-132909)

2ª Turma – O grau de pureza da droga é irrelevante para fins de dosimetria da pena. A defesa sustentava que deveria ser realizado laudo pericial a aferir a pureza da droga apreendida, para que fosse possível verificar a dimensão do perigo a que exposta a saúde pública, de modo que a reprimenda fosse proporcional à potencialidade lesiva da conduta, mas prevaleceu que apenas a natureza e quantidade da droga apreendida são consideradas para o cálculo da dosimetria da pena.

(4º) Regime de cumprimento de pena e execução penal – RE 641320/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.5.2016. (RE-641320)

Plenário – Dando continuidade ao que fora publicado no Informativo 810, a Corte concluiu julgamento em que se discutia a possibilidade ou não de cumprimento de pena em regime menos gravoso diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento do regime originalmente estabelecido revelando-se, no caso concreto, a fixação de regime domiciliar ao condenado a 5 anos e 4 meses de reclusão em razão da não existência de estabelecimento para o regime semiaberto que atendesse aos requisitos da LEP. A Corte determinou que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, se observasse: (a) a saída antecipada do sentenciado no regime com falta de vagas; (b) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; e (c) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo após progressão ao regime aberto. Assentou, assim, em sede de repercussão geral, o entendimento de que: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autorizaria a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderiam avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. Seriam aceitáveis estabelecimentos que não se qualificassem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, “b” e “c”); c) havendo “déficit” de vagas, deveria ser determinada: 1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; 2) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que saísse antecipadamente ou fosse posto em prisão domiciliar por falta de vagas; 3) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progredisse ao regime aberto. Constatou-se que haveria falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto, este último sendo desprezado por várias unidades da Federação. Assim, a lei prevê 3 degraus da progressão, mas o último grau simplesmente não existiria em mais da metade do País. Em relação à possibilidade de manutenção em regime mais rígido do que o cabível, devidamente afastada tal possibilidade pela Corte, fora destacado que o Estado teria o dever de proteger os direitos fundamentais contra agressões injustas de terceiros, como corolário do direito à segurança (CF, art. 5º). No entanto, a execução de penas corporais em nome da segurança pública só se justificaria com a observância de estrita legalidade. Regras claras e prévias seriam indispensáveis. Permitir que o Estado executasse a pena de forma deliberadamente excessiva seria negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados (CF, art. 1º, III). Por mais grave que fosse o crime, a condenação não retiraria a humanidade da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornariam simples objetos de direito. A prisão domiciliar seria uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia. Todavia, não deveria ser descartada sua utilização, até que fossem estruturadas outras medidas, como as anteriormente mencionadas. O fundamental seria afastar o excesso da execução e dar aos juízes das execuções penais a oportunidade de desenvolver soluções que minimizassem a insuficiência da execução, como se daria com o cumprimento da sentença em prisão domiciliar ou outra modalidade sem o rigor necessário. ESSE ENTENDIMENTO CULMINOU COM A SOLIDIFICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 56 DO STF!

(5º) Tráfico privilegiado e crime hediondo – HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 23.6.2016. (HC-118533)

Plenário – O crime de tráfico privilegiado de drogas não tem natureza hedionda. Por conseguinte, não são exigíveis requisitos mais severos para o livramento condicional (Lei 11.343/2006, art. 44, parágrafo único) e tampouco incide a vedação à progressão de regime (Lei 8.072/1990, art. 2º, § 2º) para os casos em que aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, §4°, Lei 11.343/2006. A partir desse novo entendimento, que supera a antiga jurisprudência da Corte e diverge da Súmula 512 do STJ, pode-se afirmar que apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, “caput” e § 1º, da Lei 11.343/2006 seriam equiparadas a crimes hediondos. Assentou-se  que a etiologia do crime privilegiado seria incompatível com a natureza hedionda. Além disso, os Decretos 6.706/2008 e 7.049/2009 beneficiaram com indulto os condenados pelo tráfico de entorpecentes privilegiado, a demonstrar inclinação no sentido de que esse delito não seria hediondo. Foi ainda destacado – DE MANEIRA BASTANTE PERTINENTE – que o crime de associação para o tráfico, que reclama liame subjetivo estável e habitual direcionado à consecução da traficância, não seria equiparado a hediondo. Dessa forma, afirmar que o tráfico minorado fosse considerado hediondo significaria que a lei ordinária conferiria ao traficante ocasional tratamento penal mais severo que o dispensado ao agente que se associa de forma estável para exercer a traficância de modo habitual, a escancarar que tal inferência consubstanciaria violação aos limites que regem a edição legislativa penal.

Espero que tenham gostado! Vamos em frente e até a próxima postagem dessa série!

Abraços,

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

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