Neste dia 31 de março são completos 50 anos do Golpe Militar de 1964, quando as Forças Armadas derrubaram o presidente eleito João Goulart, sob argumento de se evitar a implantação de um regime comunista no Brasil e para que o país pudesse –   nos argumentos que justificaram o Golpe – retomar a ordem social.

Como se sabe, os tempos eram bem diferentes dos atuais, sob o ponto de vista social ou geopolítico.

Mas há aqueles que entendem que vivemos uma atmosfera similar a março de 1964. Há poucos dias, houve, em várias capitais do país, manifestações denominadas “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que tiveram a intenção de relembrar a Marcha com o mesmo nome, realizada em 1964, às vésperas do ato que instituiu o Regime Militar no Brasil. A “Marcha” foi um marco histórico de mobilização social para a implantação de um Regime Militar no país.

As recentes manifestações não trouxeram tanta gente às ruas como à Marcha de 1964, quando cerca de 500 mil pessoas se mobilizaram. Nem 1 mil pessoas se juntaram nas principais capitais do país. Em capitais do Norte e Nordeste o número não chegou nem mesmo a 50.

Nestas pequenas manifestações de rua e também em movimentos pelas redes sociais, há pedidos para que as Forças Armadas “retomem” o poder, que atue como nos “velhos tempos” e que possam restabelecer a ordem e diminuir a insegurança em que se vive nas cidades e combater a corrupção e todas as espécies de males que afligem o brasileiro.

Porém, o nosso ordenamento jurídico não tem qualquer previsão que permita qualquer tomada do poder por força qualquer diversa do voto. Somente o voto pode levar qualquer pessoa ou grupo a alcançar o poder político através das eleições, de forma democrática e com acesso amplo.

Qualquer problema social ou político, por mais grave que seja, não pode justificar a tomada de poder com o uso da força ou por subversão ao regime.

O emprego das Forças Armadas tem previsão constitucional e não pode ser desvirtuado para alcançar fins diversos do previsto pelo constituinte.

O art. 142 da Constituição Federal prevê que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Ou seja, por óbvio que as Forças Armadas devem ser utilizadas a favor da sociedade e sob autoridade suprema do(a) Presidente da República, justamente para proteger a Pátria e garantir os poderes constitucionais e, daí, os mandatos legitimamente outorgados aos respectivos mandatários, seja na área federal, estadual ou municipal.

As Forças Armadas são o aparato nacional a proteger a integridade do território e dos brasileiros. Em tempos de guerra, são utilizadas para defender a pátria de agressão. A guerra pode ser decretada pelo Presidente da República (Art. 84, inciso XIX), somente em face de agressão estrangeira. Ou seja, a declaração de guerra deve ser para defender a pátria, e não para realizar ataques sem uma injusta agressão. Há previsão constitucional para o Congresso Nacional “autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz” (art. 49, inciso II).

Assim, há previsão expressa sobre a atribuição dos militares das Forças Armadas. O art. 142, em seu § 1º, dispõe que “lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”.

A Lei Complementar nº 97/1999, traz que “o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais”.

Na defesa da Pátria – respondendo a agressão – ou na garantia da lei e da ordem toda a atuação das Forças Armadas fica sob ordem do Presidente da República, sendo criminoso qualquer movimento que tenha atos práticos de tentar subverter a ordem hierárquica constitucional.

O emprego das Forças Armadas compete ao Presidente da República por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

Pela própria lei complementar, o emprego das Forças Armadas ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Assim, são possíveis as operações das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, como a atuação após impossibilidade ou ineficácia das operações das forças policiais de segurança pública. Tais exemplos ocorrem quando há um grave distúrbio social ou aumento excessivo da criminalidade em determinada área do território nacional. Ou mesmo a ocorrência de greve das forças de segurança pública que deixe a população de Estado ou de Município desprotegida.

Neste caso para o uso das Forças Armadas deve haver um formal reconhecimento pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual de que os instrumentos previstos no art. 144 da Constituição Federal, ou seja, as forças de segurança pública são “indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional”.

Vale ressaltar que como forças de segurança pública temos a polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares (art. 144 da Constituição Federal).

Ainda, para o uso das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem é necessária mensagem do Presidente da República para que sejam ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações.

Ou seja, o arcabouço legislativo brasileiro traz previsão expressa e garantia à estabilidade do país e à população das formas da utilização das Forças Armadas.

Qualquer utilização das Forças Armadas de forma diversa da previsão Constitucional – regulamentada pela Lei Complementar nº 97/1999 – sem o controle supremo do Presidente da República ou para utilização diversa da indicada – configura-se ato de grave risco institucional à integridade das instituições republicanas.

A função das Forças Armadas se circunscreve às previstas na legislação, sendo vedado qualquer assunção de parte do poder político nacional para realizar intervenções e reformas na sociedade, tampouco que atuem sem qualquer hierarquia do(a) Presidente da República. A própria Constituição, aliás, é expressa na vedação de qualquer militar da ativa em se vincular a partido político (art. 142, §3º, inciso V, CF).

Tenho convicção de que as manifestações de apoio à 1964, ao período militar e que estimulam mudanças da estrutura atual do poder não são compactuadas com a maioria expressiva dos militares das Forças Armadas brasileiras, inclusive de seus Altos Comandantes, que têm a função de manter a ordem e a integridade do território brasileiro, mesmo sem as condições ideais de estrutura e soldo.

Desta forma, observa-se que não são legítimas nem alcançam qualquer base na realidade as manifestações para que militares da ativa alcancem o poder político nacional, em qualquer esfera. Para que isso ocorra, deve-se rasgar quase que integralmente a Constituição Federal, com todos seus direitos e garantias fundamentais, havendo profunda alteração em nosso regime e com uma crise institucional aberta e sem precedentes. Ademais, não há qualquer possibilidade de flexibilização constitucional para acatar tais reformas. Nem mesmo nosso sistema constitucional de crises, com o Estado de Defesa e de Sítio agasalham tais possibilidades. Sendo, assim, tais discursos nitidamente golpistas.

Assim, com toda a experiência que a sociedade brasileira já viveu, sabe-se que só com a democracia há possibilidade de reais avanços e melhorias para todos no país. O Brasil precisa de muitas mudanças e avanços, mas somente o voto e o intenso debate democrátivo podem trazer as luzes que precisamos, bem diferente de períodos sombrios vividos e com a repressão conhecidos de todos nós, com falta das mais essenciais liberdades democráticas e violência direta à sociedade.