Hitala Mayara é Advogada da União
e Coach EBEJI PGE
EBEJI
Reta final dos estudos para os concursos da AGU, temos que, sem dúvidas, o direito internacional ainda é uma matéria que surpreende muita gente.
Aliás, analisando a última prova do concurso de Advogado da União, realizada em 2012, não se pode negar que o CESPE pegou todo mundo de surpresa, apresentando uma prova extensa, que envolvia o conhecimento a respeito de diversos tratados diferentes e da própria atuação interna da AGU sobre a matéria.
Para facilitar a “descoberta” dessa matéria ainda pouco explorada, vamos hoje tratar da figura do REENVIO, e isso a partir de três diferentes acepções.
Primeiramente, vamos lembrar do reenvio previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e que é expressamente exigido pelo edital do concurso para a carreira de Advogado da União.
De forma bastante breve, o reenvio é instituto pelo qual o Direito Internacional Privado de um Estado determina a aplicação das normas jurídicas de outro Estado, e as regras de Direito Internacional Privado deste indicam que a situação deve ser regulada pelas normas de um terceiro Estado ou pelo próprio ordenamento do primeiro Estado, remetente.
A depender do número de Estados envolvidos, então, fala-se em:
- Reenvio de primeiro grauè O ordenamento jurídico de um Estado A indica a ordem jurídica de um Estado B como aplicável a um caso, e o Direito deste Estado B determina como incidente a ordem do Estado A;
- Reenvio de segundo grau è O ordenamento jurídico de um Estado A indica a ordem jurídica de um Estado B como aplicável a um caso, e o Direito deste Estado B determina como incidente a ordem do Estado C.
E qual foi o tratamento jurídico dado à questão pelo nosso ordenamento?
Segundo prevê o art. 16 da LINDB, independentemente do tipo de reenvio, não será ele admitido, devendo qualquer remissão feita pela lei ser desconsiderada:
Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
Veja-se, inclusive, que a matéria foi exigida no último concurso para a AGU, quando o CESPE considerou como correta a seguinte assertiva: O reenvio é proibido pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
O segundo instituto também denominado como reenvio refere-se à figura do reenvio prejudicial.
Aqui, é importante observar que, apesar de extremamente específico, o tema também já foi exigido pelo CESPE. Vejamos em que consiste o instituto.
O reenvio prejudicial é um processo exercido perante o Tribunal de Justiça da União Europeia que permite a uma jurisdição nacional interroga-lo sobre a interpretação ou a validade do direito europeu em um processo em curso.
Ao contrário dos outros processos jurisdicionais, o reenvio prejudicial não é um recurso formado contra um ato europeu ou nacional, mas sim uma pergunta relativa à aplicação do direito europeu, favorecendo, assim, a cooperação ativa entre as jurisdições nacionais e o Tribunal de Justiça e a aplicação uniforme do direito europeu em toda a UE.
Constitui, assim, um reenvio de juiz para juiz, já que, embora possa ser solicitado por uma das partes no pleito, é a jurisdição nacional que toma a decisão de instar o Tribunal de Justiça da UE a se pronunciar.
Acolhido o pedido, a decisão do Tribunal de Justiça tem valor de caso julgado, sendo vinculativa não só para a jurisdição nacional que tenha estado na origem do processo de reenvio prejudicial, mas, ainda, para todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros.
No âmbito do processo de reenvio prejudicial sobre a validade de um ato europeu, se este for declarado inválido, também o serão todos os outros atos já adotados que nele se baseiem. As instituições europeias competentes deverão, então, adotar um novo ato para ultrapassar a situação.
Vale frisar, ainda, que esse reenvio é obrigatório para os tribunais nacionais de última instância, sendo facultativo em relação aos de instância inferior.
Conclui-se, portanto, que o reenvio prejudicial em nada se assemelha ao reenvio previsto na LINDB, tratando-se – grosso modo – de incidente previsto no âmbito da União Europeia – e apenas nela – com a finalidade de assegurar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a uniformização na interpretação e aplicação do direito europeu.
O tema – como dito, extremamente específico – também foi cobrado pelo CESPE no último concurso para a AGU, através da seguinte assertiva:
Em 2011, o órgão de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio estabeleceu a ação de reenvio prejudicial, de modo que a Corte Internacional de Justiça pudesse decidir sobre a competência do órgão para julgamento de questões de direitos humanos relacionadas ao comércio internacional
Como fica claro, pretendeu a Banca utilizar-se de instituto pouco conhecido para confundir o candidato, pois, a partir do seu conhecimento, ficava claro que a questão estava incorreta, por não ser o reenvio prejudicial aplicável no âmbito da OMC.
Por fim, uma terceira e menos comum acepção dada ao reenvio refere-se à utilização do termo como sinônimo de retorno ou devolução, relativamente às hipóteses de asilo ou refúgio.
Nesse caso, deve-se ter conhecimento da aplicação, tanto para o asilo quanto para o refúgio, do princípio do non refoulement, segundo o qual, ainda que o pedido de asilo ou refúgio não tenha sido ainda analisado, é vedada a devolução, o reenvio do estrangeiro solicitante para o Estado onde estava a sofrer a perseguição odiosa ou mesmo para Estado que possa vir a facilitar esse reenvio para aquele (caso em que se fala em non refoulement indireto).
Por conta do princípio da não devolução ou non refoulement, que rege os institutos do asilo e do refúgio, portanto, tem-se que o reenvio, nessas hipóteses, também é vedado pelo direito internacional.
Assim, podemos concluir que o reenvio, no direito internacional, pode ser compreendido a partir de três concepções:
Reenvio da LINDB |
Reenvio Prejudicial |
Reenvio = Retorno ou devolução |
Vedado pelo nosso ordenamento jurídico (art. 16 da LINDB), seja ele de primeiro ou segundo grau |
Instituto aplicável no âmbito exclusivo da União Europeia, com a finalidade de garantir uniformidade na interpretação e aplicação do direito europeu, sendo analisado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia |
Vedado no âmbito de aplicação do asilo ou refúgio, face ao princípio da não devolução ou non refoulement. |
Um abraço e bons estudos!
Hitala Mayara, Advogada da União
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