A inovação na fixação dos parâmetros objetivos de hipossuficiência das pessoas jurídicas no âmbito da DPU

A Defensoria Pública da União desde o início de sua criação e atuação tem sido provocada a atuar em favor de pessoas jurídicas que não tem condições de pagar por um advogado. Por vezes pelo insucesso da atividade que culmina na falência ou insolvência e por vezes em razão do pequeno faturamento decorrente, por exemplo, de uma pequena empresa como a de um pipoqueiro, costureira, pescador, dentre outras. Há, também, a hipótese bastante comum da atuação da Defensoria Pública na curadoria especial, para aquelas empresas que são citadas fictamente, por edital, e que não constituem advogado de defesa – art. 9º, II, do Código de Processo Civil – CPC.

Pois bem, a Constituição Federal dispõe entre os direitos fundamentais do art. 5º, inciso LXXIV, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem hipossuficiência de recursos”.

A doutrina e jurisprudência pátria tem admitido a aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais às pessoas jurídicas, embora se reconheça sua origem voltada à pessoa natural. Neste sentido, tem-se o magistério de PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, em obra conjunta escrita com GILMAR FERREIRA MENDES e INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO (“Curso de Direito Constitucional”, p. 261/262, item n. 12.1, 2007, Saraiva):

“Não há, em princípio, impedimento insuperável a que pessoas jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares de direitos fundamentais, não obstantes estes, originalmente, terem por referência a pessoa física. Acha-se superada a doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas humanas. Os direitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por pessoas jurídicas podem tê-las por titular. (…)”.

Neste sentido, os Tribunais têm garantido a assistência jurídica às pessoas jurídicas, impondo-lhes, porém, ao contrário da mera afirmação da impossibilidade de arcar com honorários advocatícios e custas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família atinente às pessoas naturais, a necessidade de provar a hipossuficiência. Nestes termos, temos a Sumula 481 o Superior Tribunal de Justiça – STJ, ““Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais” , e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. 1. A pessoa jurídica necessita comprovar a insuficiência de recursos para arcar com as despesas inerentes ao exercício da jurisdição. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.
(AI 652954 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009, DJe-171 DIVULG 10-09-2009 PUBLIC 11-09-2009 EMENT VOL-02373-04 PP-00685)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. PRESSUPOSTOS DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. OFENSA REFLEXA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A discussão referente ao momento do indeferimento do pedido de assistência judiciária gratuita, bem como à alegada necessidade de o juízo recorrido ter oportunizado o recolhimento do preparo, demanda a análise de normas processuais, sendo pacífico na jurisprudência desta Corte o não cabimento de recurso extraordinário sob alegação de má interpretação, aplicação ou inobservância dessas normas. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Incabível, portanto, o recurso extraordinário. Precedentes. II – É necessária a comprovação de insuficiência de recursos para que a pessoa jurídica solicite assistência judiciária gratuita. Precedentes. III – Agravo regimental improvido.(AI 637177 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010, DJe-226 DIVULG 24-11-2010 PUBLIC 25-11-2010 EMENT VOL-02438-02 PP-00441)

Importante registrar que apesar de pacífico o direito fundamental da pessoa jurídica de ter a assistência jurídica, há parte minoritária da doutrina – doutrina inadmissionista – que advoga que a assistência jurídica, por força do parágrafo único do art. 2º da Lei 1.060/50 – sustento próprio ou da família” – seria aplicável apenas às pessoas naturais/pessoas físicas. Neste sentido é a coorporativa ADI 4.636 ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal, cujo conteúdo já tivemos a oportunidade de debater em artigo publicado no site conjur juntamente com o Defensor Público Federal Vinícius Diniz Monteiro de Barros, com título “Ação da OAB sobre Defensorias é corporativista” – https://www.conjur.com.br/2011-ago-04/acao-oab-atuacao-defensoria-interesses-corporativistas.

De outro lado, parte da doutrina – doutrina admissionista – se subdivide em admissionista restritiva e ampliativa, a primeira de que a assistência jurídica somente seria admissível às pessoas sem fins lucrativos (ex. associação, fundação, etc…) e a segunda para toda e qualquer pessoa jurídica (empresa, associação, etc…).

Pois bem, recapitulando, doutrina dominante e jurisprudência dos tribunais pátrios, especialmente do STF e STJ admitem com tranquilidade a assistência jurídica integral e gratuita pela Defensoria Pública às pessoas jurídicas, seja ela com ou sem fim lucrativo.

A própria Lei Complementar nº 80/94 em consonância ao texto constitucional dispõe ser função da Defensoria Pública:

Art. 4º, V – “exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses”;

Neste sentido é que o Conselho Superior da Defensoria Pública da União – CSDPU, de forma inédita no âmbito da DPU, regulamentou a prestação da assistência jurídica às pessoas jurídicas, por meio da Resolução nº 85/14 que entrará em vigor a partir de 20 de abril de 2014.

O art. 2º da Resolução dispõe sobre os critérios objetivos de presunção de hipossuficiência, que devem ser observados cumulativamente:

  • não remunere, individualmente, empregado ou prestador de serviços autônomo com valor bruto mensal superior a 2 (dois) salários mínimos;
  • não remunere os sócios, individualmente, com pro labore ou lucros, em valor bruto mensal superior a 3 (três) salários mínimos;
  • não possua faturamento anual superior a 180 vezes o valor do salário mínimo.

Vê-se, portanto, que os requisitos são bastante restritivos abarcando o eventual faturamento das pessoas jurídica (não superior a 180 vezes o salário mínimo), a remuneração dos empregados e prestadores de serviços (valor bruto não superior à 2 salários mínimos mensais que em 2014 corresponde a R$ 1.448,00) e a remuneração dos sócios, com pro labore e lucro (valor bruto não superior à 3 salários mínimos.

Da mesma forma que para os critérios de aferição de renda para as pessoas naturais, permitiu-se ao Defensor Público-Chefe da respectiva Unidade, por ato normativo próprio, utilizar o menor piso regional em substituição ao salário mínimo nacional.

Em que pese às novidades dando parâmetros objetivos para o gozo e o deferimento do direito à assistência jurídica integral e gratuita às pessoas jurídicas, consignou-se a atribuição do Defensor Público Federal, dentro de sua independência funcional, para, no caso concreto, aferir a necessidade econômica por meio de decisão fundamentada (art. 2º, § 2º, Res. 58/14-CSDPU), deferindo ou não a assistência jurídica. Lembrando, também, que, assim como previsto na resolução nº 13/06, o requerente, pessoa natural ou jurídica, com patrimônio vultoso, excluído o bem de família, não é considerado necessitado economicamente (art. 3º).

A atuação institucional da curadoria especial, classificada como atuação atípica pela doutrina por não depender da análise da renda, tem previsão específica neste sentido de não depender da análise econômica, mas também de ter natureza tipicamente processual, não compreendendo as hipóteses de tutela e curatela do ordenamento civil material (art. 5º da Res. 85/14-CSDPU). Se trata de atribuição bastante comum na Defensoria Pública da União o exercício da curadoria especial, à exemplo de ações de cobrança, monitórias e execuções da Caixa Econômica Federal em face das pessoas jurídicas que contrataram os serviços da empresa pública federal e não cumpriram suas obrigações.

Já no tocante à persecução criminal e a atuação em processo administrativo disciplinar – nas situações em que a pessoa jurídica pode vir a ser réu como nas ações ambientais -, dispõe o normativo que em ambas as hipóteses há a necessidade de aferição da renda para o deferimento da assistência jurídica, dispensando-a apenas na persecução penal quando dado vistas à DPU após intimado o réu e este não constituir advogado (art. 6ª e §§). Em resumo, na defesa criminal e em processo disciplinar se faz análise da renda, salvo na defesa criminal quando intimado o réu e este não constituir advogado – garantir o contraditório e ampla defesa -.

Há ainda no art. 6º e §§ a regulamentação da atuação da Defensoria Pública da União em cartas precatórias, inclusive independentemente da aferição de renda nas hipóteses de inexistência de advogado constituído ou defesa por Defensor Público ou advogado dativo na origem, bem como a necessidade de intimação prévia do Defensor Público Federal para prática de ato em audiência no prazo mínimo de 48 (quarenta e oito horas); não respeitado o prazo mínimo de 48 (quarenta e oito horas) está dispensada a atuação do Defensor Público que é não soldado de reserva do juízo e sim Defensor de direitos das pessoas naturais e jurídicas carentes que pressupõe o conhecimento prévio do processo.

Interessante notar, especialmente para a prova prática, que o art. 7º da Res. 85/14-CSDPU, dispõe que na atuação nos processos criminais em favor de pessoas não hipossuficientes para garantir o contraditório e ampla defesa, independente da análise de renda, o Defensor Público Federal deve provocar o juízo criminal para arbitramento de honorários, isto porque o próprio Código de Processo Penal, no parágrafo único do art. 263, estabelece que “o acusado que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz”. Na prática, para além de se dar uma remuneração ao defasado sistema de defensoria dativa, o dispositivo visa fazer com que o réu que não for pobre pague pela sua defesa. Sendo assim, no caso de atuação para réu que não seja pobre, no âmbito criminal, há a orientação no sentido de o Defensor Público Federal solicitar a fixação de honorários para a Defensoria Pública da União.

Para a pessoa jurídica, além dos requisitos da pesquisa socioeconômica e declaração da necessidade exigidos da pessoa natural, exige-se a comprovação da hipossuficiência econômica, em consonância com o que dispõe a Súmula 481 do STJ, “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.

Na pesquisa socioeconômica o representante da pessoa jurídica deverá informar a renda e patrimônios próprios, além de comprovar o atendimento das condições previstas no art. 2º (art. 9º). O representante legal da empresa deverá assinar declaração de que não tem condições de pagar honorários advocatícios e custas processuais sem prejuízo da manutenção das suas atividades (declaração de necessidade).

E em não se enquadrando o requerente na presunção objetiva de hipossuficiência do art. 2º, este será intimado para demonstrar no prazo de 10 (dez) dias (art. 16), valendo-se de qualquer meio de prova admitido que demonstre a sua hipossuficiência financeira.

No caso de indeferimento da assistência jurídica, cujas hipóteses encontram-se no art. 21 da Res. 85/14-CSDPU (I- o requerente recusar-se a responder a pesquisa socioeconômica; II – o requerente recusar-se a firmar a declaração de necessidade; III – o requerente não atender a intimação para a demonstração da necessidade econômica no prazo determinado; IV – considerar, justificadamente, que o requerente não é necessitado), o Defensor deverá intimar em 5 (cinco) dias do indeferimento o requerente da assistência contados da data da decisão, ou seu representante, para que no prazo de 10 dias possa interpor recurso voluntário, presumindo-se como tal a irresignação expressa independentemente de fundamentação.

Do mesmo modo que a Resolução 13/06 do CSDPU, a nova Resolução admite a revisão da assistência após 6 (seis) meses do deferimento inicial, quando houver indícios de alteração superveniente da situação econômica. Para não deixar a pessoa jurídica assistida sem assistência jurídica, o Defensor deve intimar o assistido para que constitua advogado em 30 (trinta) dias, comunicando-se o juízo caso haja processo judicial em curso, respeitando-se a atuação neste caso o prazo legal. Caso a superação da necessidade decorra de provimento precário da pretensão do assistido, não poderá haver revisão da necessidade em razão desta alteração.

A Resolução nº 85/14-CSDPU inovou ao fixar critérios e parâmetros objetivos para a assistência jurídica integral e gratuita das pessoas jurídicas, seja com ou sem fins lucrativos, sendo indispensável o conhecimento por parte dos pretendentes ao cargo de Defensor Público Federal seu conhecimento. Em artigo, já tivemos a oportunidade de analisar os critérios de hipossuficiência econômica para a pessoa física e pelo presente analisamos os critérios para a pessoa jurídica, restando para um último artigo sobre a resolução 85/14 do CSDPU a análise da hipossuficiência jurídica, hipótese diversa da hipossuficiência econômica que impõe a atuação da Defensoria Pública da União.