A Paradiplomacia e os Estado Federados

Entende-se por “Paradiplomacia”, “Cooperação Descentralizada” ou “Diplomacia Federativa” uma série de iniciativas de cooperação protagonizadas pelas administrações locais e regionais, notadamente, os governos estaduais e municipais. Em um sentido mais amplo, a cooperação descentralizada reflete, uma nova forma de cooperação que se caracteriza pela descentralização de iniciativas nas relações com os países do Sul Global. Assiste-se a um envolvimento de novos atores da sociedade civil e a um maior envolvimento dos atores dos países em vias de desenvolvimento em diversas atividades.

Nas origens do Direito Internacional Público, somente os Estados soberanos eram considerados pessoas jurídicas de direito público externo. A partir das primeiras décadas do século XX, uma nova modalidade de sujeito de direitos e obrigações internacionais: as organizações internacionais. Hoje, já se admitem outros atores.

A Constituição da República de 1988, no que diz respeito às relações internacionais, determina que a conduta das relações externas do Estado é atribuição exclusiva da União (art. 21, I, II, III e IV), e de competência privativa do Presidente da República (art. 84, VII, VIII, XIX, XX, XXII), auxiliado pelos Ministros de Estado, devendo notar-se que os controles parlamentares, se dão ao nível do Congresso Nacional, nas matérias expressamente indicadas (art. 49, I, II, III) e naquelas em que a Carta não reservou, com exclusividade, ao Senado Federal (art. 52, IV, V, VII e VIII).

No entanto, é cada dia mais comum, no ordenamento jurídico brasileiro, órgãos integrantes da Administração Pública brasileira, bem como entes federados, celebrarem atos internacionais com atores estrangeiros. De fato, órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Ministério Público, bem como do próprio Poder Executivo têm assumido, por conta própria, a condução de alguns projetos internacionais. Tais condutas são, na maioria das vezes, feitas à margem da legalidade.

Nas últimas décadas o ordenamento jurídico mundial viveu um progressivo processo de intensificação das relações internacionais, criado e desenvolvido a partir de um novo cenário, que vem mudando as tendências de integração e interdependência internacionais. Nesse cenário, cresce com inegável força, a atuação internacional dos novos atores subnacionais.

Como se trata de um fenômeno relativamente recente em escala global, o estudo da participação dos entes não centrais nas relações internacionais é ainda incipiente, tanto na doutrina e meios acadêmicos nacionais, quanto internacionais. Nesse sentido, André Lecours assevera que:

 

“A atividade internacional dos governos regionais, ou paradiplomacia, como tem sido chamada, tem sido o enfoque de uma modesta, mas crescente literatura, que detalha vários casos e busca descobrir um significado para o fenômeno. (Aldecoa and Keating 1999; Palard 1999; Bernier 1994; Michelmann and Soldatos 1990; Duchacek, Latouche and Stevenson 1988)” (in LECOURS, André. Paradiplomacy: reflections on the foreign policy and international relations of regions. International Negotiation. [S.l.], n. 7, p. 92, 2002)

 

Na doutrina nacional, Clóvis Brigagão assim se manifesta sobre a matéria:

 

“O fenômeno das relações internacionais federativas, entes descentralizados (ou governos subnacionais conforme terminologia que varia muito) atinge diversos países, mesmo aqueles cuja forma de Estado não é federal. Internacionalmente, denomina-se ‘paradiplomacia’ essa possibilidade de Estados-membros, províncias, regiões e cidades formular e executar uma política externa própria, com ou sem auxílio da União. No Brasil, Estados e Municípios, como entidades federativas autônomas, formulam e executam, cada vez mais, o que o Itamaraty passou a disciplinar ‘diplomacia federativa’, expressão que busca assimilar esse movimento descentralizado como uma derivação da própria diplomacia da União. Noutra perspectiva, mais próxima dos governos subnacionais, o fenômeno pode ser denominado também de ‘política externa federativa’.” (in BRIGAGÃO, Clóvis. Relações internacionais federativas no Brasil: estados e municípios. Rio de Janeiro: Gramma, 2005. p. 19)

 

Embora a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) tenha atribuído a capacidade de celebrar tratados expressamente aos Estados, e posteriormente Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais (1986), tenha estendido tal capacidade às Organizações Internacionais, não se elidiu, por completo, das entidades não centrais a prática desses atos jurídicos internacionais. A doutrina mais autorizada entende que a capacidade dos entes subnacionais fazerem parte do palco das relações internacionais é muito mais uma questão de direito interno do que de direito internacional.

Não obstante seja uma atividade de diplomacia paralela àquela empreendida pelo governo central, a ação internacional dos entes subnacionais ainda não encontra respaldo, em menor ou maior grau, na maioria dos ordenamentos jurídicos dos países contemporâneos. No entanto, os entes federados mundiais, inclusive no Brasil, em que pese a ainda tímida e não institucionalizada presença destes últimos, têm-se lançado cada vez mais na busca de uma maior atuação paradiplomática. De fato, as atividades paradiplomáticas vêm sendo toleradas e até mesmo fomentadas em vários países do mundo. Isso sem se olvidar dos casos onde o limite à atuação internacional, no nível subnacional, é imposto muito mais a partir de uma esfera política do que propriamente jurídica.

No ordenamento jurídico brasileiro, pelo princípio da predominância do interesse, à União (República Federativa do Brasil) cabem aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos estados referem-se as matérias de predominante interesse regional, e as municípios concernem os assuntos de interesse local. Nada obstante, o federalismo brasileiro pende para o modelo cooperativo, já que além das competências especificadas dos entes federados, caracteriza-se, também pelo exercício conjunto de competências comuns pela União, os estados e municípios. Essas áreas de competência comum tratam de assuntos variados e de extrema importância, tais como saúde, educação, promoção cultural e científica, proteção ao meio ambiente, habitação, saneamento e combate à pobreza. Ao dar respaldo às atividades paradiplomáticas dos entes subnacionais, busca-se, na verdade, novas alternativas de promoção do desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das sociedades, tanto a nível nacional, quanto regional ou local.

A falta da institucionalização da paradiplomacia no ordenamento jurídico brasileiro não inibe, por completo, a atuação internacional dos entes subnacionais. Para José Vicente da Silva Lessa, há exemplos de iniciativa estadual plenamente amparada pelos requisitos constitucionais para a celebração de tratados. O autor menciona, além do Protocolo n.◦ 23 (Regional Fronteiriço) do Programa de Integração e Cooperação Econômica entre o Brasil e a Argentina, sob cuja égide se processa a interação CODESUL/CRECENEA, seguido do Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica entre o Governo da República da Argentina sobre Atividades de Cooperação entre o Estado do Rio Grande do Sul e a Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência da Nação Argentina; o Memorando de Entendimento entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Organização das Nações Unidas para Apoio a Atividades de Cooperação e de Intercâmbio em Administração Pública, de 6 de julho de 2001, com vistas à implementação de atividades do Centro Internacional de Inovação e Intercâmbio em Administração Pública da Fundação Luís Eduardo Magalhães, na Bahia.

Pelo primeiro instrumento, acima citado, que visava o desenvolvimento de projetos tecnológicos, o Governo brasileiro conferiu ao estado do Rio Grande do Sul, por intermédio de sua Secretaria de Ciência e Tecnologia, a coordenação brasileira do Ajuste, enquanto que o Governo Argentino conferia à Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência a mesma capacidade. A segunda avença, que buscava a implementação de um Centro Internacional de Inovação e Intercâmbio em Administração Pública, foi assinada em 16 de novembro de 2001 em Nova York pelo Governo Federal, pelo Governo da Bahia e pelo UNDESA (Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas).

Há, ainda, alguns autores que creditam a possibilidade de celebração de atos internacionais por entes subnacionais naquilo que se entende por “tratados-marco”. Tais tratados, subscritos por órgãos centrais dos entes centrais, e cujas matérias dizem respeito às mais diversas matérias, outorgam proteção normativa aos atos posteriormente celebrados pelas entidades subnacionais, tendo por baixo a garantia dos Estados-Parte.

Os dois exemplos citados, celebrados sob os auspícios dos chamados tratados-marco, demonstram que a atuação externa dos entes subnacionais pode se desenvolver dentro de um marco constitucional e conformar instrumentos normativos efetivos, mediante a celebração de atos entre pessoas de Direito Internacional Público, legalmente habilitadas para tanto.

Em outras palavras, conclui-se que mesmo sem uma forma institucionalizada de paradiplomacia no ordenamento jurídico brasileiro, ainda assim, podem as unidades federadas concluir entendimentos formais com unidades ou governos estrangeiros se o ato resultante for celebrado pela República Federativa do Brasil com o governo central do outro Estado.

 

Dr. Álvaro Castelo Branco, Advogado da União.

 

Conheça o Curso de Direito Internacional da EBEJI aqui.