Coisa Julgada Inconstitucional – Repercussão Geral reconhecida no RE 730.462

Neste texto será analisado brevemente o tema da coisa julgada inconstitucional, matéria em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral nos autos do Recurso Extraordinário 730.462, em decisão publicada em junho de 2014.

A matéria a ser discutida no referido Recurso Extraordinário perpassa a questão dos efeitos de uma decisão em controle concentrado de constitucionalidade, em especial, a decisão que declara a inconstitucionalidade de determinado ato normativo.

No Brasil, adotou-se, como regra, a teoria da nulidade para os atos declarados inconstitucionais, seja no controle difuso seja no controle concentrado. Assim, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem natureza declaratória, pois apenas declara uma situação preexistente de vício no ato normativo. A decisão possui efeito ex tunc retroagindo até a origem do ato que, por conseguinte, nunca foi válido e nem capaz de gerar efeitos jurídicos.

Embora a decisão declaratória de inconstitucionalidade tenha, como regra, este efeito retroativo, o STF possui o entendimento de que declarada inconstitucional uma norma em controle concentrado, esta decisão não possui o condão de, por si só, desconstituir uma decisão anterior transitada em julgado em que se aplicou a lei declarada inconstitucional. Em outras palavras, a decisão do STF não afasta a coisa julgada ocorrida em outro processo.

Assim, cabe à parte prejudicada pela decisão anterior que aplicou a lei inconstitucional, ajuizar ação rescisória, meio de impugnação próprio para desconstituir uma sentença transitada em julgado, ainda que proferida com base em lei posteriormente declarada inconstitucional.

No entanto, como se sabe, o Código de Processo Civil prevê um prazo decadencial para a propositura de ação rescisória, sendo este de dois anos contados do trânsito em julgado (art. 495). Cuida-se de norma que privilegia a segurança jurídica, pois impede que uma decisão definitiva possa ser eternamente impugnada.

Ultrapassado este prazo, ocorre o fenômeno que a doutrina denomina de coisa soberanamente julgada, ou seja, a decisão não poderá ser modificada em nenhuma hipótese. Neste caso, o posicionamento atual do STF também é o de reconhecer a autoridade da coisa julgada, aqui qualificada como soberanamente julgada, ainda que esta decisão tenha aplicado lei posteriormente declarada inconstitucional.

Este posicionamento foi exposto no julgamento do Agravo Regimental no RE 592.912 de relatoria do Ministro Celso de Mello que em seu voto cita vários outros precedentes do STF. Destacam-se alguns trechos da ementa deste Recurso Extraordinário, que bem explicam este entendimento:

A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade. – A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia “ex tunc” – como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, “in abstracto”, da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes. – O significado do instituto da coisa julgada material como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito. (RE 592912 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-229 DIVULG 21-11-2012 PUBLIC 22-11-2012)

Pois bem. Ocorre que o STF, em junho deste ano de 2014, reconheceu a existência de repercussão geral na seguinte situação: decisão transitada em julgado na qual se aplicou lei posteriormente declarada inconstitucional, sendo que o prazo decadencial de dois anos para ajuizamento da ação rescisória já se esgotou. A situação foi exposta pelo ministro relator Teori Zavascki no julgamento da repercussão geral feita no plenário virtual:

“7. Pode ocorrer e, no caso, isso ocorreu que, quando do advento da decisão do STF na ação de controle concentrado, declarando a inconstitucionalidade, já tenham transcorrido mais de dois anos desde o trânsito em julgado da sentença em contrário, proferida em demanda concreta. Em tal ocorrendo, o esgotamento do prazo decadencial inviabiliza a própria ação rescisória, ficando referida sentença, consequentemente, insuscetível de ser rescindida por efeito da decisão em controle concentrado.” 

Como exposto acima, o entendimento atual do STF é o de que, neste caso específico, opera-se a coisa soberanamente julgada e, portanto, a decisão que aplicou a lei inconstitucional não pode mais ser modificada. No entanto, ainda não há uma decisão do Plenário da Corte sobre o tema, sobretudo, julgando-se na sistemática da repercussão geral.

Assim, com o reconhecimento da repercussão geral do tema, a questão vai ser amplamente debatida no plenário do STF e o resultado trará um importante precedente na matéria de controle de constitucionalidade.

Por fim, transcreve-se a ementa do julgamento que reconheceu a repercussão geral, destacando-se o trecho na parte final de que no mérito não se reafirmou a jurisprudência dominante do STF:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NEGADOS COM FUNDAMENTO EM LEI POSTERIORMENTE DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO STF. EFICÁCIA TEMPORAL DA SENTENÇA. REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.

1. Possui repercussão geral a questão relativa à eficácia temporal de sentença transitada em julgado fundada em norma supervenientemente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado.

2. Repercussão geral reconhecida.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida a posterior julgamento no Plenário físico. (RE 730462 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 29/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 24-06-2014 PUBLIC 25-06-2014 ).

Dr. Diogo Oliveira, Advogado da União.

Curso EBEJI – Revisão de Informativos STF/STJ do primeiro semestre 2014 aqui.