Considerações acerca do “abandono afetivo inverso”: nova figura jurídica?

Tema atual e cada vez mais discutido no âmbito acadêmico e jurisprudencial, o abandono afetivo inverso merece dos amigos concurseiros a devida atenção, pois provavelmente aparecerá com freqüência nas próximas provas de concursos públicos.

Então, o que vem a ser “abandono afetivo inverso”, também conhecido como “às avessas”, ou “invertido”?

Em resumo, é o abandono dos filhos em relação aos pais, que deixam de provê-los material (alimentos) imaterialmente (afeto, carinho, cuidado), relegando-os à própria sorte, em um momento delicado e que requer uma maior assistência dos entes mais próximos.

Há fundamento jurídico?

O fundamento jurídico é extraído da própria Constituição Federal de 1988. Senão vejamos:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

O referido dispositivo constitucional é norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Portanto, em tese, não seria necessária outra regulamentação na órbita infraconstitucional para a sua aplicabilidade.

Sabemos que a Carta Magna promoveu uma verdadeira reconstrução quando o assunto é “família”. Abandonou-se a concepção tradicional patriarcalista para abarcar novos moldes e estruturas, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, hoje vige o princípio da solidariedade entre os membros das famílias, e todos precisam cooperar para o pleno desenvolvimento dos seus integrantes, independentemente de ser descendente ou ascendente. Assim, o dever de prover existe dos pais para os filhos, mas o mesmo dever é ínsito dos filhos para os pais.

Note que a Constituição fala em dever! Portanto, não há uma mera faculdade, e o seu descumprimento acarretará implicações jurídicas, no campo da responsabilidade civil.

No âmbito infraconstitucional, em que pese não haver uma regulamentação expressa quanto ao tema, podemos extrair do Estatuto do Idoso a obrigação afetiva dos filhos para com os pais. Aduz o em seu artigo 3º, “caput”:

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à  liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e  comunitária. (grifos nossos)

O abandono afetivo dos filhos em relação aos pais sem dúvida influenciará em sua saúde psicológica, bem como à sua dignidade, desrespeitando, em última análise o seu direito à saudável convivência familiar.

Então, seria cabível indenização por danos morais em face do reconhecimento do abandono afetivo inverso?

Primeiramente, destaque-se que o reconhecimento do abandono afetivo (pais para os filhos) apto a ensejar danos morais já é uma realidade na jurisprudência dos Tribunais. Destaque-se decisão paradigmática quanto ao tema:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. (…) Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).

O entendimento acima esposado deve ser o mesmo com relação ao abandono afetivo inverso. Se há a mesma razão, deverá ser aplicada a mesma norma. Em ambos os casos existe a obrigação constitucional/legal de provimento material/imaterial dos pais em relação aos filhos, bem como dos filhos em relação aos pais. Desse modo, o seu descumprimento faz nascer a pretensão no campo indenizatório, com fulcro nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002 (responsabilidade civil).

A título de curiosidade, foi aprovada uma lei na China que prevê a obrigação de os filhos visitarem os pais idosos, sob pena de multa e até prisão. É um exemplo legislativo que regula diretamente o tema, prevendo explicitamente obrigações e sanções em face do seu descumprimento.

Entretanto, o Brasil ainda não alcançou esse nível legislativo especificamente ao tema, mas penso ser suficiente a expressa previsão constitucional, que impõe um dever, e não uma faculdade, para fazer valer a possibilidade de reconhecimento da responsabilização civil dos filhos que abandonam afetivamente os pais, resolvendo-se no campo do reconhecimento do dano moral, com fulcro nos dispositivos acima narrados.

É isso aí amigos concurseiros! Fiquem atentos e acompanhem a evolução doutrinária e jurisprudencial do tema, que é uma aposta para os próximos concursos!

Grande abraço!

André Epifanio Martins

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