Hierarquia Normativa. Lei Complementar. Direito Tributário. Análise dos julgados no AI no Ag 1.037.765-SP (STJ) e RE 377.457/PR (STF)

 

 

AI no Ag 1.037.765-SP. STJ

 

“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2008/0079240-1 Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) Órgão Julgador CE – CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 02/03/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 17/10/2011 Ementa CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 2º, § 3º, E 8º, § 2º, DA LEI 6.830/80. PRESCRIÇÃO. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. 1. Tanto no regime constitucional atual (CF/88, art. 146, III, b), quanto no regime constitucional anterior (art. 18, § 1º da EC 01/69), as  normas sobre prescrição e decadência de crédito tributário estão sob reserva de lei complementar. Precedentes do STF e do STJ. 2. Assim, são ilegítimas, em relação aos créditos tributários, as normas estabelecidas no § 2º, do art. 8º e do § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80, que, por decorrerem de lei ordinária, não podiam dispor em contrário às disposições anteriores, previstas em lei complementar. 3. Incidente acolhido”.

 

O Código Tributário Nacional foi criado por uma lei ordinária, a Lei 5.172/66 e pelo Ato Complementar 36/67 nomeado como Código Tributário Nacional.

 

Na CF de 1967 (II, art. 49), foi prevista a LC como instrumento normativo com quórum qualificado, ratificado pela EC 01/1969 (arts. 50 e 53). Nesta cronologia o CTN embora formalmente lei ordinária foi recepcionado como LC pela EC 01/1969 (§1 art. 18) e, após, pela CRFB de 1988 (III, art. 146).

 

Importante observar que, enquanto o disposto no § 1 do art. 18 da EC 01/1969 dispunha competir à LC estabelecer normas gerais de direito tributário provocando controvérsia doutrinária sobre a abrangência das normas gerais, o inciso III do art. 146 em suas alíneas “a”, ‘b”, “c” da CRFB de 1988 discriminou matérias que necessariamente seriam estabelecidas como normas gerais e, assim, veiculadas por LC, como p.ex., definição de tributos e suas espécies, definição do fato gerador, base de cálculo e contribuintes no que diz respeito aos impostos, prescrição, decadência, obrigação, lançamento e crédito tributário.

 

O STJ no Informativo 465, julgamento do AI no Ag 1.037.765-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 2/3/2011, definiu o entendimento de que desde o regime da CF de 1967 (EC 01/1969) a prescrição e a decadência eram matérias reservadas à lei complementar por serem definidas como norma geral.

 

Ressalte-se que, como explicado acima, a CF de 1967 (EC 01/1969) embora submetesse à lei complementar a definição de normas gerais em direito tributário, não as discriminava, acarretando, à época, controvérsia sobre o que seriam e o que não seriam normas gerais, tendo como consequência do resultado dos debates o fato de lei ordinária ou lei complementar definir determinados institutos em direito tributário, pois a CF exigia que se se tratasse de norma geral, deveria ser definida por LC.

 

A CRFB em seu art. 146, repetindo a CF anterior, também definiu que LC estabeleceria normas gerais em direito tributário, mas discriminou quais institutos necessariamente serão definidos como normas gerais, como o caso da prescrição e decadência entre outros e, exigindo assim sua veiculação por lei complementar.

 

Neste caso decidido pelo STJ, em incidente de inconstitucionalidade por sua Corte Especial, se entendeu pela inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do disposto no § 2 do art. 8  e § 3 do art. 2 ambos da Lei 6.830/1980 (LEF), que dispõem respectivamente , “o despacho do juiz que ordenar a citação interrompe a prescrição” e “a inscrição em dívida ativa, suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”.

 

Importante observar que o controle da constitucionalidade do dispositivo foi realizado ao tempo em que a lei foi publicada e entrou em vigência, no caso, em 1980, sendo parametrizada com a CF de 1967 (§ 1 do art. 18 da EC 01/1969).

 

Isto porque, a Corte Especial do STJ entendeu que apesar da referida CF de 1967 (EC 01/1969) não definir expressamente quais seriam normas gerais de direito tributário, como fez a CRFB de 1988, o conceito de prescrição e decadência se enquadravam como normas gerais. Assim, como a LEF é lei ordinária e a CF de 1967 (EC 01/1969) exigia à época LC para tratar de normas gerais, ela violou a constituição no momento de sua edição.

 

Poderia se argumentar se os dispositivos questionados da LEF (§ 2 do art. 8 e § 3 do art. 2) não teriam sido recepcionados pela CRFB e a resposta seria negativa, porque à época de sua vigência (1980) a CF de 1967 (EC 01/1969) já exigia a edição de lei complementar para definir prescrição e decadência e suas hipóteses de suspensão e interrupção do prazo prescricional em matéria tributária. Ora, se a lei que no momento de seu nascedouro deve ser compatível com a constituição vigente já nasce com vício de inconstitucionalidade, não há falar-se em recepção, pois afrontou o ordenamento vigente à época, sendo inquinada de inconstitucionalidade.

 

Cuidado que tal argumento não se confunde com a recepção do CTN como lei complementar, pois neste caso, como o direito brasileiro não admite a inconstitucionalidade formal superveniente, se uma lei obedeceu os trâmites legislativos exigidos à época, ou seja, à forma estabelecida pela CF e o seu conteúdo material não afronta a nova constituição, o diploma será recepcionado ainda que a nova constituição exija uma nova forma para elaboração da matéria tratada. Neste caso, se a CF à época previa que dada matéria fosse veiculada por Decreto-Lei e a nova CF não prevê mais o DL como instrumento normativo, mas o conteúdo do DL é compatível com a nova constituição, então será recepcionado com o status formal que a nova constituição exigir para a matéria. Deve ser lembrado que o CTN é lei ordinária elaborado sob a égide da CF de 1946 que não previa o instituto da LC. Assim, quando o regime constitucional de 1967 (EC 01/1969) passou a exigir que norma geral em matéria tributária fosse veiculada por LC, foi recepcionado com status de LC, ocorrendo o mesmo com a CF de 1988 que recepcionou o CTN como LC.

 

Neste sentido, lei ordinária já não poderia dispor sobre interrupção e suspensão de prescrição tributária em 1980, pois afrontava o regime constitucional à época de 1967 (EC 01/1969).

 

Para finalizar o assunto, fica a pergunta: Por que o STJ decidiu pela inconstitucionalidade parcial sem redução de texto dos referidos dispositivos questionados?  A LEF cuida dos processos de execução fiscal cujo crédito exequendo pode ser tributário (dívidas tributárias) ou não tributário (dívidas não tributárias, como, p.ex., execução fiscal de multas).

 

Assim, para execução fiscal de créditos não tributários os referidos dispositivos sempre foram válidos e continuam em vigor, já que a exigência de LC somente se faz presente em norma geral de direito tributário.

 

RE 377.457/PR.STF

 

“EMENTA: Contribuição social sobre o faturamento – COFINS (CF, art. 195, I). 2. Revogação pelo art. 56 da Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91. Legitimidade. 3. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar. Questão exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes. 4. A LC 70/91 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721. 5. Recurso extraordinário conhecido mas negado provimento”.

 

Tema muito importante e que já foi objeto de muita discussão doutrinária e jurisprudencial envolve a existência ou não de  hierarquia normativa entre LC e LO.

 

Segundo posicionamento do STF, não há hierarquia de leis, cada uma teria sua reserva de constituição. Assim, atualmente, se considera a orientação fixada pelo STF no julgamento da ADC 1/DF (DJU 16.06.1995)  e no RE 377.457 de Relatoria do Min. Gilmar Mendes examinada no mérito em repercussão geral, no sentido de inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, espécies normativas formalmente distintas exclusivamente tendo em vista a matéria eventualmente reservada à primeira pela própria CRFB. A questão seria unicamente de distribuição material pela CF entre as espécies legais.

 

Desta forma, pacificou o STF no sentido de inexistir hierarquia entre ambas, pois tanto a LC como a LO buscam seu fundamento de validade na CRFB. Poderia ser questionado então: Ora, a CRFB determina que LC estabeleça norma geral que defina prescrição. Se uma LO a definir em contrariedade ao que foi estabelecido na LC não seria inconstitucional? Sim, a LO seria inconstitucional, mas não por violar a LC e sim violar diretamente a CRFB que atribuía à LC a definição da prescrição. Veja, a LO não busca seu fundamento de validade na LC e sim, na CRFB.

 

Com base no que foi explicado, poderia uma Lei ordinária revogar uma Lei complementar em matéria tributária? Depende. Se a lei for formalmente complementar, mas materialmente ordinária não haverá óbice nenhum à revogação, ainda que por instrumentos normativos diversos, pois ambos são da mesma hierarquia normativa e não se está a afrontar a CRFB. De forma diversa, se a matéria revogada é determinada pela CRFB como submetida à reserva de lei complementar e uma lei ordinária vier a revogá-la haveria, neste último caso, inconstitucionalidade por afronta direta ao texto da Constituição.

 

Neste sentido, o mérito do RE 377.457/PR onde o Plenário do STF, em repercussão geral, definiu como constitucional a revogação do inciso II do art. 6 da LC 70/1991 pelo art. 56 da Lei ordinária 9.430/1996, pois a Lei que instituiu e regulou a COFINS (LC 70/1991) é formalmente complementar (aprovada por quórum qualificado), mas materialmente ordinária, já que a CRFB não exige LC para instituir contribuição para a seguridade social prevista no art. 195, salvo nas contribuições sociais residuais do § 4 do art. 195 da CRFB.

 

No caso em análise pelo STF o inc. II do art. 6 da LC estabelecia isenção para as sociedades civis que trata o art. 1 do DL 2.397/1987 e a lei ordinária 9.430/1996 em seu art. 56 revogou tal isenção. Como a matéria veiculada por LC (isenção de contribuição) não estava submetida à reserva constitucional de LC, se tratou de uma lei formalmente complementar, mas materialmente ordinária, e aí poderia ser modificado por L.O.

 

Abraços e bons estudos!