O Brasil e a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas.

 

A Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas é um instrumento que integra o arcabouço jurídico da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi aprovada pela Assembleia Geral dessa Organização em seu XXIV Período Ordinário de Sessões, realizado em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Logo após essa data, em 10 de junho de 1994, a República Federativa do Brasil apôs sua assinatura ao referido tratado.

A Convenção Interamericana foi o primeiro instrumento internacional com força normativa obrigatória sobre o tema do desaparecimento forçado de pessoas, tendo por antecedente internacional mais importante a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado ou Involuntário, da Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução nº 47/133, de 1992), que, entretanto, possui caráter inicial de recomendação. Somente em 2007, em Paris, foi celebrada a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas Contra as Desaparições Forçadas, que foi aprovada em 1º de setembro de 2010 pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 661, de 2010) e ratificada pelo Brasil em 29 de novembro de 2010. Essa Convenção das Nações Unidas reafirma boa parte dos dispositivos da Convenção interamericana em comento, o que significa já termos aceitado seus preceitos fundamentais como norma de aplicação interna.

Importa igualmente ressaltar que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, já ratificado e promulgado pelo Brasil (Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002), considera o desaparecimento forçado de pessoas como um crime contra a humanidade quando praticado de forma generalizada ou sistemática (art. 7º, § 1º, “i”, do Estatuto de Roma), o que confirma o expresso no preâmbulo da Convenção Interamericana.

A pioneira Convenção Interamericana igualmente influenciou o Estatuto de Roma ao definir em seu art. II o crime de desaparecimento forçado de pessoas como “a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja de que forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguida de falta de informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processais pertinentes”.

A partir desse conceito, a Convenção Interamericana articula certas obrigações estatais, a começar por seu art. I, “a”, que estabelece o compromisso primário de: “não praticar, nem permitir, nem tolerar o desaparecimento forçado de pessoas, nem mesmo em estado de emergência, exceção ou suspensão de garantias individuais”. A segunda obrigação estatal que destaca-se é a de tipificar e reprimir os autores, cúmplices e encobridores do delito de desaparecimento forçado de pessoas, inclusive na sua forma tentada (artigos I, “b”, III, IV, VII e VIII). A terceira obrigação é a de cooperar com outros Estados Membros a fim de contribuir para a prevenção, punição e erradicação do desaparecimento forçado de pessoas (artigos I, “c”, V, VI e XII). A quarta obrigação, relacionada com as demais, que se importa salientar, é a de “tomar as medidas de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de qualquer outra natureza que sejam necessárias para cumprir os compromissos assumidos nessa Convenção” (artigo I, “d”).

Por fim, ressalta-se que a incorporação desse tratado vai ao encontro de decisão internacional proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que no parágrafo 287, de sua sentença de 24 de novembro de 2010 no Caso Gomes Lund e outros, expressamente instou a República Federativa do Brasil a adotar, “em prazo razoável, todas as medidas necessárias para ratificar a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas”.

A “Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas” foi oportunamente submetida ao Congresso Nacional, que a aprovou por meio do Decreto Legislativo n.º 127, de 11 de abril de 2011. Encontra-se, atualmente, em vias de promulgação pela Presidente da República. Registre-se, oportuno, que o ato internacional em tela encontra-se em consonância com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 4º da Constituição da República:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I – independência nacional;

II – prevalência dos direitos humanos;

III – autodeterminação dos povos;

IV – não-intervenção;

V – igualdade entre os Estados;

VI – defesa da paz;

VII – solução pacífica dos conflitos;

VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X – concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” (sem grifos no original)