O conceito e as funções das áreas de preservação permanente

A chamada área de preservação permanente é definida no artigo 3°, II, da Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012, como sendo uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, e que tem como funções ambientais a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica e da biodiversidade, bem como a facilitação do fluxo gênico de fauna e flora, a proteção do solo e, por fim, assegurar o bem-estar das populações humanas.

Em primeiro lugar, é importante observar, quanto ao conceito legal da área de preservação permanente, que o legislador frisou se tratar de uma área protegida e, portanto, submetida a regime diferenciado de uso, evidentemente mais restritivo em comparação a áreas que assim não foram qualificadas.

Outro aspecto que merece destaque, é o fato de a área não se descaracterizar como sendo de preservação permanente pelo fato de se encontrar desprovida de qualquer vegetação, ou ainda por se encontrar coberta por vegetação que não seja nativa. Em sua redação originária, o código florestal de 1965 (lei n° 4.771), não falava em área de preservação permanente, considerando como de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural elencadas em seus artigos 2° e 3°.

Conforme GOUVÊA[1](2013, p. 69), a definição da área de preservação permanente não constava do código florestal de 1934 (Decreto n° 23.793), nem do código florestal de 1965, em sua redação originária, tendo sido introduzido àquele após mais de trinta e cinco anos, através da medida provisória nº 2.166-67, de 2001 (art. 1°, § 2°, II), em razão da necessidade de tornar indiscutível o entendimento de que aquelas áreas que já haviam sido desmatadas não deixavam de se caracterizar como sendo de preservação permanente, colocando-se um ponto final em argumento, até então existente, no sentido de que, tendo havido a supressão vegetal, não mais havia que se falar em vegetação de preservação permanente.

Por fim, há que se considerar também, quanto ao conceito legal de área de preservação permanente, as funções ambientais que lhe são imanentes, cabendo indagar se aquelas áreas que não cumprem as referidas funções perdem a caracterização de áreas protegidas.

ANTUNES[2] (2013, p. 66) sustenta o entendimento de que as funções ambientais das áreas de preservação permanente precisam se encontrar efetivamente presentes, caracterizando-se como pressupostos de legalidade, o que, segundo o autor, encontra amparo na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, notadamente quando estabelece que o aplicador da lei deve considerar os fins sociais da norma, sendo estes, no caso, “a proteção de áreas que efetivamente desempenhem as funções ambientais tipificadas na lei”.

Muito embora o autor manifeste o entendimento, quanto às funções ambientais das áreas de preservação permanente, de que há uma presunção legal em favor do meio ambiente, conclui no sentido de que se trata de presunção não absoluta, de modo que não devem ser consideradas como de preservação permanente aquelas áreas que não cumprem as funções ambientais descritas pelo legislador.

Ora, analisando as funções ambientais das áreas de preservação permanente (a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica e da biodiversidade, a facilitação do fluxo gênico de fauna e flora, a proteção do solo e, assegurar o bem-estar das populações humanas), parece-me difícil encontrar, dentre aquelas elencadas no artigo 4° da Lei n° 12.651/2012, alguma que não tenha vocação para cumprir, pelo menos, uma dessas funções.

Se, de fato, alguma área não cumprir efetivamente, pelo menos, uma das referidas funções, por certo o será em consequência de degradação ambiental, ou seja, por fator externo, e não por que a área não possua vocação para tanto.

Nesse aspecto, como imaginar que não cumprem a função ambiental de preservação dos recursos hídricos as faixas marginais de qualquer curso d’água perene e intermitente (art. 4°, I, da Lei n° 12.651/2012); as áreas no entorno de lagos e lagoas naturais (art. 4°, II, da Lei n° 12.651/2012); as áreas no entorno de reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais (art. 4°, III, da Lei n° 12.651/2012); as áreas no entorno das nascentes e de olhos d’água perenes (art. 4°, IV, da Lei n° 12.651/2012); os manguezais (art. 4°, VII, da Lei n° 12.651/2012) e as veredas (art. 4°, XI, da Lei n° 12.651/2012)?

Igualmente, como imaginar que não cumprem as funções ambientais de preservação da estabilidade geológica e de proteção do solo as encostas (art. 4°, V, da Lei n° 12.651/2012); as restingas (art. 4°, VI, da Lei n° 12.651/2012) e as bordas de tabuleiros ou chapadas (art. 4°, VIII, da Lei n° 12.651/2012)?

Portanto, todas as áreas de preservação permanente cumprem ou têm potencial para cumprir ao menos uma das funções ambientais elencadas no artigo 3°, II, da Lei n° 12.651/2012, não se confirmando, na realidade, o argumento em contrário.


[1]GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Novo código florestal: comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, à Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 e do Decreto 7.830, de 17 de outubro de 2012 / coordenação Édis Milaré, Paulo Affonso Leme Machado. 2 ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013.

[2]ANTUNES, Paulo de Bessa. Comentários ao novo código florestal. São Paulo : Atlas, 2013.