Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor da EBEJI

EBEJI

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falarei um pouco sobre o tema medidas de segurança no direito penal brasileiro. Antes, vale revisitar o conceito de medida de segurança! Podemos defini-la como uma modalidade de sanção penal cujo fito é essencialmente preventivo, já que se destina a tratar inimputáveis e semi-imputáveis que ostentem o caráter de periculosidade. Ao contrário da sanção pena, que se vincula essencialmente ao aspecto da culpabilidade, as medidas de segurança demandam do juízo uma prognose voltado para a periculosidade do agente.

Constatada a periculosidade do imputado, a solução legislativa será a imposição de medida de segurança, a partir de uma sentença absolutória imprópria[1], já que culmina com uma sanção penal. Sobre o tema, interessante atentar para a Súmula 422 do STF que indica que a “absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade”.

Durante muito tempo, o legislador brasileiro agasalhou o chamado sistema do duplo binário (duplo trilho ou dupla via), pelo qual o semi-imputável cumpriria inicialmente a pena privativa de liberdade e, ao seu final, se mantida a presença da periculosidade, seria submetido a uma medida de segurança!

Com a reforma efetivada na parte geral do CPB pela Lei 7.209/1984 alterou esse entendimento, com importantes reflexos para o semi-imputável. Em relação a ele, haverá a prolação de uma sentença condenatória, podendo haver a diminuição de 1/3 a 2/3, conforme parágrafo único do artigo 26 dó Código. Todavia, se o magistrado constatar que pela periculosidade ostentada no caso concreto se revelar mais efetivo um tratamento curativo, essa pena reduzida pode perfeitamente ser substituída por uma medida de segurança, conforme indica o artigo 98 do CPB:

Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Diante dessa alteração legislativa, afirma-se que o legislador pátrio passou a adotar expressamente o Sistema Vicariante ou Unitário, superando o sistema do duplo binário. Assim, ao semi-imputavel será aplicada a pena reduzida de 1/3 a 2/3 OU a medida de segurança, conforme seja mais adequado ao caso. Não mais é admitida a pena privativa de liberdade E medida de segurança, ainda que em sequência.

Entendi, Pedro! Mas vamos imaginar a seguinte situação. João cumpre uma pena privativa de liberdade em razão de ter cometido a crime X. Durante o cumprimento da pena, vem a ser condenado em outra ação penal (desta feita pelo crime Y), culminando com o reconhecimento de sua semi-imputabilidade! Pode o juiz fixar medida de segurança ou isso seria violação ao sistema vicariante?

 De acordo com a recentíssima decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da ordem de habeas corpusi 275.635/SP[2], durante o cumprimento de pena privativa de liberdade, o fato de ter sido imposta ao réu, em outra ação penal, medida de segurança referente a fato diverso não impõe a conversão da pena privativa de liberdade que estava sendo executada em medida de segurança. O sistema vicariante afastou a imposição cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança, uma vez que a aplicação conjunta ofenderia o princípio do ne bis in idem, já que o mesmo indivíduo suportaria duas consequências em razão do mesmo fato.

De acordo com o entendimento recém adotado, pois, o sistema vicariante ora vigente é óbice para a fixação cumulativa de medida de segurança e pena privativa de liberdade ao semi-imputável pelo mesmo fato! Lado outro, como na situação concreta apreciada, se as sanções diversas se revelarem oriundas de fatos também diversos, não há que se falar em violação ao sistema vicariante!

Espero que tenham gostado!

Grande abraço! Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

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[1] A sentença absolutória imprópria é termo designado exclusivamente para o inimputável (art. 26 caput do CPB) e não ao semi-imputável.

[2] PROCESSUAL  PENAL  E  PENAL.  HABEAS  CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO. VIOLAÇÃO AO SISTEMA VICARIANTE. INOCORRÊNCIA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA  E DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE DECORRENTES DE FATOS E AÇÕES PENAIS DISTINTAS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1.  Ressalvada  pessoal  compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal  de  Justiça  ser  inadequado  o  writ  quando utilizado em substituição   a  recursos  especial  e  ordinário,  ou  de  revisão criminal,  admitindo-se,  de  ofício,  a  concessão  da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2.  O sistema vicariante afastou a imposição cumulativa ou sucessiva de  pena  e  medida  de  segurança, uma vez que a aplicação conjunta ofenderia  o  princípio  do ne bis in idem, já que o mesmo indivíduo suportaria duas consequências em razão do mesmo fato. 3.   Tratando-se   o   reconhecimento  da  incapacidade  de  decisão incidental  no processo penal, não há obstáculo jurídico à imposição de  medida  de segurança em um feito e penas privativas de liberdade em outros processos. 4. Habeas Corpus não conhecido. (HC 275.635/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 15/03/2016).