João Paulo Cachate

Defensor Público Federal

Coordenador do GEAGU e do GEDPU

Professor da Ebeji

EBEJI

O tema acima delimitado é por demais instigante e, infelizmente, sem muito aprofundamento pela doutrina pátria.  Posso afirmar, com plena convicção, que é totalmente inovador no nosso Direito Administrativo, considerado por muitos como pós-moderno.

Não tenho, por hora, o objetivo de aprofundar as linhas que seguem. Quero apenas convidar os(as) senhores(as) leitores(as) a refletirem e se debruçarem, juntamente comigo, nesse universo do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) à luz do neoconstitucionalismo. 

Questão a ser respondida: PODE FAZER PARTE DE UMA COMISSÃO SINDICANTE/PROCESSANTE SERVIDORES DE ÓRGÃOS/ENTIDADE DISTINTOS DAQUELE QUE O SINDICADO/PROCESSADO FAZ PARTE? 

1º A COMISSÃO SINDICANTE/PROCESSANTE SOB O FOCO DA LEI N.º 8.112/1990.

A lei que rege os servidores públicos da União é a n.º 8.112/1990. Nesta lei, encontram-se as disposições sobre a sindicância e o PAD. Porém, ela não responde direta e claramente a questão acima formulada.

Os assuntos “sindicância” e “PAD” são tratados nos artigos 143 e seguintes.

Apesar de não ser explícita, penso que a competência e atribuição para fazer parte de determinada comissão sindicante ou processante é, primeiramente, dos servidores do próprio órgão/entidade que o sindicado/processado faz parte. Explico.

A autoridade competente, do referido órgão/entidade, é quem designará os servidores para comporem a comissão. Só há designação onde há subordinação hierárquica. Então, é consequência inexorável que a comissão seja composta de servidores do próprio órgão/entidade, mesmo que a lei não seja explícita a respeito. Ademais, é direito do servidor de determinado órgão/entidade ser julgado pelos seus pares (juiz ter como comissão de PAD outros juízes; membros do MP ter outros membros do MP na comissão de PAD, etc).

Em situações excepcionais, determinado servidor poderá ser julgado por outras pessoas (digo,de órgãos/entidades distintos), mas sob expressa previsão normativa para tal situação. É o que acontece, por exemplo, com o CNMP (art. 130-A da CF/1988) e CNJ (art. 103-B da CF/1988).

Como dito, é consequência natural do sistema do PAD que a comissão seja composta por pares, isto é, servidores do mesmo órgão/entidade em que trabalha o sindicado/processado. Logo, só pode ser processado por outros (PAD per saltum), com expressa previsão legal e constitucional. No exemplo do CNJ e do CNMP, a comissão sindicante/processante será composta por servidores lotados nos seus quadros, jamais podendo o CNJ ou o CNMP designar servidores de outros órgãos/entidades para comporem a comissão.

Para resumir: Servidor A do órgão X deve ser processado por comissão sindicante/processante composta por  servidores do próprio órgão X. Outra situação é quando o CNJ ou o CNMP, dentro de suas atribuições, avoca processo em curso ou instaura sindicância ou PAD. Nesse caso, a comissão sindicante/processante ou será do próprio CNJ ou do CNMP, ou será do próprio órgão X (no caso de haver requisição para abertura de PAD), mas nunca do Y, Z, etc, ante à falta de subordinação, hierarquia e previsão legal expressa. 

2º AUSÊNCIA DE NORMATIZAÇÃO LEGAL OU INFRALEGAL A AMPARAR E ESCUDAR AS ATRIBUIÇÕES DO SERVIDOR COMO MEMBRO DA COMISSÃO.

Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. Para o servidor público e para a Administração Pública tudo é proibido. A Administração só pode fazer o que a lei autoriza ou determina, estabelecendo-se um critério de subordinação/conformidade com a mesma, tendo em vista o interesse da coletividade que representa. Logo, o silêncio da lei é igual à proibição.

Como é cediço, a competência é o poder legal conferido ao agente público para o desempenho específico das atribuições do seu cargo. Também é conhecida como sujeito. Somente a lei é que pode estabelecê-la, sendo, portanto, elemento ou requisito vinculado do ato administrativo.

Resumindo: se não há lei atribuindo competência, o agente é incompetente para atuar ante a ausência de suporte normativo que ampare suas condutas.

Se a pergunta inicial fosse respondida afirmativamente, sem lei expressa a amparar, estaríamos no campo da presunção, seja por ilações, seja pelo bom senso, razoabilidade, etc, etc, que determinado servidor teria atribuição e competência para atuar no caso, o que definitivamente não ocorre. Competência não se presume; ela é extraída da lei. Se não há lei, sujeito incompetente. 

Se não há previsão legal que determine a competência e a atribuição deste servidor, não há que se falar em atuação, pois a Administração só está obrigada a agir com amparo na lei, se não houver lei, há incompetência em razão da matéria ou em razão da pessoa, incompetência esta apta a anular totalmente o ato administrativo (comissão de sindicância e o PAD).

Para concluir, sem a lei, poderá haver alegações posteriores de vícios de competência (não convalidáveis portanto, pois se trata de vícios em razão da matéria e pessoa), o que invalidaria todo o trabalho desempenhado pelo servidor, tornando-o inútil e inócuo. Seria um envidar esforços de maneira debalde.

3º O DIREITO FUNDAMENTAL DO SINDICADO OU PROCESSADO A UMA “COMISSÃO NATURAL”. PROIBIÇÃO DE “COMISSÃO POST-FACTUM” COMO DECORRÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL-ADMINISTRATIVO.

Este argumento está descrito no art. 5º, inciso LV, da CF/1988 e tem como analogia o princípio do “juiz natural” e da consequente proibição de tribunal post-factum.

Uma das principais garantias decorrentes da cláusula do devido processo legal é a do direito fundamental ao juiz natural. Juiz Natural é o juiz devido, ou seja, é aquele previamente competente (com base em lei e na Constituição) para apurar os fatos.

Outro direito fundamental consagrado na Constituição é que “ninguém será processado senão pela autoridade competente” (inciso XXXVII e LIII do art. 5º, da CF/1988). Estamos diante da proibição do tribunal de exceção, decorrência lógica do princípio do “juiz natural”.

Ora, se é assegurado aos litigantes, em processo administrativo, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, estamos a falar de um direito fundamental ao procedimento administrativo calcado no devido processo legal-administrativo.

Frise-se que nós estamos na era da constitucionalização do direito, inclusive do direito administrativo. A Constituição é o lócus da hermenêutica jurídica. Tudo parte dela e para ela. Vários institutos do direito administrativo são retirados da Constituição Federal. Logo, é patente a processualização do direito administrativo, como resultado óbvio dessa constitucionalização do direito.

Sendo assim, é perfeitamente possível se falar, com base no art. 5º, XXXVII, LIII e LV, da CF/1988, no direito fundamental do sindicado ou processado administrativamente a uma “comissão natural” previamente constituída e totalmente competente, com base em lei, para atuar no caso. Por conseguinte, proíbe-se a “comissão post-factum”, pois é completamente incompatível com o devido processo legal-administrativo.

No meu ver, a “Comissão natural” seria aquela composta de servidores do próprio órgão/entidade, ou, de servidores lotados no próprio CNMP/CNJ, como no exemplo citado. Mas nunca de outro órgão/entidade.

Entendo que qualquer outra conclusão não é uma “comissão natural”, ante a falta de supedâneo legal para atuar, sendo pois uma “comissão post-factum”, o que afronta de morte o direito fundamental do servidor a se ver processado administrativamente em total obediência ao devido processo legal-administrativo.

4º CONCLUSÃO.

Por tais razões a pergunta “pode fazer parte de uma comissão sindicante/processante servidores de órgãos/entidade distintos daquele que o sindicado/processado faz parte?” deve ser assim respondida: Depende! Há normatização constitucional ou legal expressa permitindo essa situação? Se sim, a resposta que se impõe é afirmativa. Se não houver previsão, há falta de atribuição e competência para atuar no caso, além do evidente  desrespeito ao direito fundamental ao devido processo legal-administrativo, o que inclui o direito de ser processado por uma “comissão natural” e não por uma “comissão post-factum”.

Despeço-me desejando excelentes e proveitosas horas de estudos…

Espero você(s) na 2ª Edição do Novo GEDPU da EBEJI.

João Paulo CachateDefensor Público Federal