Caros amigos do Blog da Ebeji, trago hoje a vocês assunto de conhecimento obrigatório para concursos públicos da Advocacia-Geral da União (com destaque para os cargos de Advogado da União e Procurador Federal). Enfrentaremos algumas questões que gravitam sobre o reajuste dos benefícios previdenciários, para avaliar se há um genuíno direito à manutenção do valor real do benefício, em suas expressões previdenciária e assistencial.

Este tema é muito importante e, provavelmente, cairá em sua prova!

A Constituição Federal assegura o direito ao reajustamento periódico dos benefícios previdenciários, para a preservação do valor real, e o faz em seu art. 201, §4º, na redação conferida pela Emenda Constitucional n° 20/98: “4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.”

Devemos ter clareza que o dispositivo constitucional em estudo é de eficácia limitada, ou seja, para a sua aplicabilidade, impõe-se a participação do legislador infraconstitucional. No caso, a chamada “Lei de Benefícios” (n° 8.213/91) disciplina a questão em seus arts. 2º, IV, e 41-A e prevê, atualmente e com periodicidade anual, o reajustamento dos benefícios mediante a aplicação do INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor:

“Art. 2º A Previdência Social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:

(…)

V – irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo;”

“Art. 41-A.  O valor dos benefícios em manutenção será reajustado, anualmente, na mesma data do reajuste do salário mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do último reajustamento, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.”

Não devemos confundir a garantia estampada no art. 201, §4º, da CRFB/88 (reajuste dos benefícios previdenciários, para preservação do valor real), com a previsão do art. 194, parágrafo único, IV, da Lei Fundamental (que encampa o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios), isto porque a previsão do art. 194 é mais abrangente (aplica-se à toda Seguridade Social, que é gênero com relação à Previdência), garante a manutenção do valor nominal de benefícios previdenciários – contributivos – e assistenciais – que independem de contribuição. Já a preservação do valor real, é de aplicação específica aos benefícios que exigem contraprestação (contribuição), ou seja, os previdenciários.

Nesta linha, como bem destacado pelo professor Hugo Goes, “O princípio da irredutibilidade, por si só, não assegura o reajustamento dos benefícios. O que assegura o reajustamento dos benefícios do RGPS, de acordo com os critérios definidos em lei ordinária, é o princípio da preservação do valor real dos benefícios, previsto no §4º do art. 201 da Constituição(In Manual de Direito Previdenciário, Rio de Janeiro, 2016, p. 28).

Sobre a inexistência de garantia à preservação do valor real em matéria de benefícios assistenciais, preciso o ensinamento de Ivan Kertzman:

“apenas o valor real dos benefícios previdenciários são protegidos pela Constituição, é possível afirmar que os benefícios assistenciais pecuniários, a exemplo do bolsa família, não precisam, necessariamente, ser reajustados de forma a preservar o seu valor real”. (Curso Prático de Direito Previdenciário, 2016, p. 59).

Sobre o tema, confira-se o entendimento do STF:

“Servidor público militar: supressão de adicional de inatividade: inexistência, no caso, de violação às garantias constitucionais do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV). É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não há direito adquirido a regime jurídico e que a garantia da irredutibilidade de vencimentos não impede a alteração de vantagem anteriormente percebida pelo servidor, desde que seja preservado o valor nominal dos vencimentos”. (STF, AI-AgR 618777/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 03/08/2007). (grifo nosso).

Esta exegese do princípio da irredutibilidade, no viés do benefício previdenciário, todavia, não é uníssona. Estará correta a conclusão da doutrina em estudo se a questão trabalhar o entendimento do STF. De outro lado, se abordar apenas a legislação, o raciocínio é ligeiramente distinto, admitindo-se que o princípio da irredutibilidade também justifique a preservação do poder aquisitivo dos benefícios previdenciários, por expressa previsão no art. 2º, V, da Lei 8.213/91. (Sugiro uma releitura, agora mais atenta, do teor desta regra, acima reproduzida).

O que assegura, então, o princípio da irredutibilidade dos benefícios, à luz do entendimento do STF? Como visto, é exatamente a manutenção do valor nominal, quer dizer, se o beneficiário recebe R$ 2.000,00, a título de aposentadoria, não pode sofrer uma redução para R$ 1.500,00, no que ocorreria uma quebra do valor nominal (com exceção, por óbvio, das modificações em decorrência de erro na implantação, que reclame conformação aos critérios legais). E na linha da Lei de Benefícios (8.213/91)? A preservação do valor nominal E do poder aquisitivo.

Prosseguindo, imaginemos, por hipótese, que determinado segurado tenha obtido o reconhecimento do direito ao benefício em sede judicial, na qual serão pagas parcelas em atraso. Será que, no período em que houve deflação, faz-se possível a aplicação deste índice de variação negativa, para corrigir o quantum debeatur?

Sim. É cabível a aplicação dos índices deflacionários, desde que se preserve, ao final, o valor nominal da benesse. Considerando-se o mesmo exemplo acima, o reajustamento do benefício, com incidência das variações positivas e negativas, não pode resultar em valor inferior a R$ 2.000,00. A jurisprudência do STJ, após certa oscilação, firmou o entendimento, em recurso representativo, que ampara a aplicação dos índices deflacionários aos benefícios, com a ressalva já explicada:

(…) ÍNDICES DE DEFLAÇÃO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.361.191/RS. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

2. De acordo com novel precedente da Corte Especial, Recurso Especial Repetitivo 1.361.191/RS, de Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, aplicam-se os índices de deflação na correção monetária de crédito oriundo de título executivo judicial, preservado o seu valor nominal.

(…)Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 160.223/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 01/06/2015)

Vimos que é correta a aplicação de índices negativos, respeitada a irredutibilidade do valor nominal. De outra sorte, será que a manutenção do valor real prevista na Constituição assegura a manutenção do benefício na mesma quantidade de salários mínimos em que deferido? Em outras palavras, há direito de atrelamento ao índice de reajuste do salário mínimo?

Quando a Constituição institui a preservação, em caráter permanente, do valor real do benefício PREVIDENCIÁRIO (não se esqueçam que o assistencial não goza do mesmo tratamento), devemos entender tal mandamento como garantia ao reajustamento de acordo com a lei, nos critérios expostos pelo legislador ordinário, não havendo que se cogitar em indexação do reajuste ao salário mínimo.

E o que isso significa? Significa que é improcedente o pedido de modificação do índice legal por outro postulado pelo segurado, por, supostamente, refletir melhor a inflação do período. Dito de outro modo, não há direito à escolha aleatória, eventual, dos índices de reajuste, porquanto estes decorrem de lei e não da vontade do beneficiário. Sobre o tema, confira-se a ementa do TRF4, que está alinhada à jurisprudência do STF:

“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. REAJUSTES. MANUTENÇÃO DO VALOR REAL. ÍNDICES APLICADOS PELO INSS. 1. A preservação do valor real do benefício há de ser feita nos termos da lei, ou seja, de acordo com o critério por esta eleito para tal fim, consoante expressa autorização do legislador constituinte (art. 201, § 4º, CF/88). 2. A teor do disposto no inciso II do art. 41 da Lei nº 8.213/91, a Autarquia Previdenciária passou a reajustar o valor dos benefícios com base na variação integral do INPC, nas mesmas épocas em que o salário mínimo era alterado, a fim de que lhes fosse preservado o valor real. (…) 3. O Supremo Tribunal Federal entende pela constitucionalidade material dos decretos e diplomas legislativos que determinaram os índices de reajuste dos benefícios previdenciários. (TRF-4 – AC: 50573988920154047000 PR 5057398-89.2015.404.7000, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 24/02/2016, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 29/02/2016) (destaque e grifos nossos).

A título de conhecimento e para evitar surpresas em provas que aprofundem um pouco mais o tema (objetivas e subjetivas), é oportuno registrar que o art. 58 do ADCT autorizou, no período em que produziu efeitos, o reajustamento de benefícios de forma indexada ao salário mínimo, desde que estivesse em manutenção quando da promulgação da Constituição, quer dizer, se, v.g., a aposentadoria tivesse sido deferida antes 05/10/1988:

“Art. 58. Os benefícios de prestação continuada, mantidos pela previdência social na data da promulgação da Constituição, terão seus valores revistos, a fim de que seja restabelecido o poder aquisitivo, expresso em número de salários mínimos, que tinham na data de sua concessão, obedecendo-se a esse critério de atualização até a implantação do plano de custeio e benefícios referidos no artigo seguinte.” 

O STF sumulou a matéria, no enunciado n° 687: “A revisão de que trata o art. 58 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não se aplica aos benefícios previdenciários concedidos após a promulgação da Constituição de 1988.Portanto, na história do Direito Previdenciário Brasileiro, já houve momento em que se admitiu o reajuste atrelado ao salário mínimo, o que não mais se verifica nos dias de hoje.

E o tema é constantemente explorado em provas do CESPE, por isso a importância de sua adequada compreensão. Vejam os seguintes exemplos, inclusive das últimas duas provas para o cargo de Advogado da União:

(AGU 2015) 188 Conforme a jurisprudência do STF, a irredutibilidade do valor dos benefícios é garantida constitucionalmente, seja para assegurar o valor nominal, seja para assegurar o valor real dos benefícios, independentemente dos critérios de reajuste fixados pelo legislador ordinário.

(AGU 2012) 192 Em face do princípio constitucional da irredutibilidade do valor dos benefícios previdenciários, a aplicação de novos critérios de cálculo mais benéficos estabelecidos em lei deve ser automaticamente estendida a todos os benefícios cuja concessão tenha corrido sob regime legal anterior (proposição errada).

(TRF1 2013) 11. Com relação à seguridade social e seus princípios, assinale a opção correta.

(…)

e) Segundo a jurisprudência majoritária do STF, o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios refere-se apenas ao valor nominal desses benefícios, não resultando na garantia da concessão de reajustes periódicos, característica relativa à preservação do valor real.

As duas primeiras questões estão erradas. A de 2015, pelo fato de a jurisprudência do STF entender que o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios apenas garantir a manutenção do valor nominal. A de 2012, em virtude da incidência do princípio tempus regit actum, que impede a automática incidência de critérios de cálculo mais benéficos aos benefícios em manutenção, a exemplo do que ocorreu com a Lei n° 9.032/95 que foi irretroativa, não modificando o percentual das pensões por morte já concedidas (RE em repercussão geral n° 613.033/SP). A terceira questão está correta (TRF1, 2013), visto que irredutibilidade, efetivamente, para o STF, não é garantia de preservação do valor real.

Como o texto ficou longo, exponho as seguintes conclusões:

  1. Para o STF, o princípio da irredutibilidade dos benefícios previdenciários não garante a preservação do valor real, apenas nominal.
  2. De acordo com a Lei n° 8.213/91 e com o art. 201, §4º, da CF/88, os benefícios previdenciários devem ser reajustados periodicamente, havendo direito à manutenção do valor real;
  3. Não há direito à manutenção da mesma quantidade de salários mínimos do momento da concessão do benefício;
  4. Não há direito ao reajuste indexado ao salário mínimo, embora isso já tenha sido admitido para os benefícios em manutenção antes da promulgação da CF/88, de acordo com o art. 58 do ADCT;
  5. A preservação do valor real se restringe aos benefícios previdenciários e, quanto aos assistenciais, há mera garantia do valor nominal;
  6. O direito à preservação do valor real significa aplicação do índice do reajuste legal, ainda que não reflita, da melhor forma, a inflação;
  7. É possível a aplicação de índices deflacionários na correção de parcelas em atraso de benefícios, desde que se respeite o valor nominal;

É isso, caros amigos. Bons estudos a todos!

Bruno Luiz Dantas – Advogado da União