Parlamentar que renuncia ao mandato continua sendo julgado pelo STF?

O STF vai levar a plenário mais um caso de processo criminal contra parlamentar federal. Trata-se de processo criminal contra o agora ex-Deputado Federal mineiro Eduardo Azeredo, acusado de peculato e lavagem de dinheiro.

O parlamentar renunciou ao mandato. Especula-se que a razão da renúncia foi uma tentativa de retirar o processo do STF. Assim, pelo raciocínio, o processo seria encaminhado à primeira instância, em Minas Gerais, e a probabilidade de uma sentença transitada em julgada ficaria cada vez mais distante.

O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, já anunciou que não tomará a decisão de forma monocrática. Levará nos próximos dias o caso para ser decidido pelo Plenário do STF.

Assim, o parlamentar federal que renuncia ao mandato continua tendo o julgamento de seu processo criminal no STF? Este mesmo questionamento é feito para qualquer detentor de cargo eletivo que renuncia ao mandato, se continuaria tendo a prerrogativa constitucional de ser julgado pelo Tribunal respectivo ou se com o término de seu mandato haveria a remessa do processo à primeira instância. Trata-se de manobra jurídica que deve ser rechaçada pelo Supremo Tribunal ou temos um caso legítimo de uso do direito de renúncia e disposição do mandato, com as consequências respectivas, prosseguindo o processo como se fosse contra qualquer cidadão sem a prerrogativa de foro?

A questão já foi enfrentada pelo STF com decisões diversas.

Em 2007, quando do julgamento do parlamentar federal Ronaldo Cunha Lima (AP 333/PB), o réu – acusado da prática de tentativa de homicídio contra adversário política na Paraíba –  renunciou ao mandato na véspera do julgamento do caso já pautado na Suprema Corte. No caso, o STF entendeu que como houve renúncia, não havia mais parlamentar com prerrogativa de foro para ser julgado pelo STF. Assim, o processo deveria ser encaminhado à primeira instância:

“1. O réu, na qualidade de detentor do mandato de parlamentar federal, detém prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, onde deve ser julgado pela imputação da prática de crime doloso contra a vida. 2. A norma contida no art. 5º, XXXVIII, da Constituição da República, que garante a instituição do júri, cede diante do disposto no art. 102, I, b, da Lei Maior, definidor da competência do Supremo Tribunal Federal, dada a especialidade deste último. Os crimes dolosos contra a vida estão abarcados pelo conceito de crimes comuns. Precedentes da Corte. 3. A renúncia do réu produz plenos efeitos no plano processual, o que implica a declinação da competência do Supremo Tribunal Federal para o juízo criminal de primeiro grau. Ausente o abuso de direito que os votos vencidos vislumbraram no ato. 4. Autos encaminhados ao juízo atualmente competente”.

Em 2010, a situação foi diferente, quando da análise do processo contra o parlamentar federal Natan Donadon. O então Deputado renunciou ao mandato na data anterior à data que estava marcada para o seu julgamento da ação penal AP n° 396/RO. Ato contínuo, a defesa pediu, com base na jurisprudência anterior, do Deputado Ronaldo Cunha Lima, que o seu processo tivesse tratamento idêntico: fosse remetido também à primeira instância.

Neste caso, o STF começou a refletir sobre o assunto: se deixasse a prática de renúncia às vésperas do julgamento, a Corte estaria dando guarida à manobra processual para permitir que o parlamentar se utilizasse de todo o procedimento mais formal e de garantias do STF mas, no momento do julgamento, o caso pudesse ser encaminhado à primeira instância, como uma chicana processual, que legitimaria mais possibilidades de novas provas e atrasos jurídicos, empurrando o julgamento para um prazo “incerto e não sabido”.

No caso Donadon, o STF alterou sua jurisprudência e foi contundente: Renúncia de mandato: ato legítimo. Não se presta, porém, a ser utilizada como subterfúgio para deslocamento de competências constitucionalmente definidas, que não podem ser objeto de escolha pessoal. Impossibilidade de ser aproveitada como expediente para impedir o julgamento em tempo à absolvição ou à condenação e, neste caso, à definição de penas.”

Continuou a Egrégia Corte: “os motivos e fins desse ato demonstrariam o intento do parlamentar de se subtrair ao julgamento por esta Corte, em inaceitável fraude processual, que frustraria as regras constitucionais e não apenas as de competência (…) os fins dessa renúncia — às vésperas da apreciação do feito e após a tramitação do processo por mais de 14 anos — não se incluiriam entre aqueles aptos a impedir o prosseguimento do julgamento, configurando, ao revés, abuso de direito ao qual o sistema constitucional vigente não dá guarida”.

O STF, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio Mello, entendeu que o ato de renunciar às vésperas do julgamento tratava-se de fraude processual e abuso do direito, não de seu exercício regular. Assim, o então Deputado Federal Natan Donadon foi condenado por formação de quadrilha e peculato. Depois da condenação, ainda houve um imbróglio jurídico, que o manteve, por algum tempo, como o único Deputado Federal presidiário. Recentemente, houve a decisão da própria Câmara dos Deputados que, revendo decisão da própria Casa, cassou definitivamente seu mandato.

Assim, o caso do julgamento de Eduardo Azeredo pode servir para balizar, de uma forma mais categórica, qual o momento em que não há mais possibilidade de renúncia para alterar competência constitucionalmente prevista para julgamento de detentor de prerrogativa de foro. No caso, o processo já está em estágio avançado, com todas as provas já produzidas, e alegações finais já apresentadas pela Procuradoria-Geral da República e pela defesa do ex-Deputado.

Neste sentido, afigura-se que há uma tentativa da defesa de tentar criar no STF a impressão de que não há a mesma situação jurídica do caso Natan Donadon, visto que o julgamento ainda não se iniciou, nem mesmo foi pautado. Além de tentar delongar o processo, encaminhando-o à primeira instância e, assim, deixando sem prazo para o julgamento.

Porém, acredito que o STF terá as mesmas razões para utilizar o precedente do caso Natan Donadon, visto que a renúncia no último ano do mandato, com todo o processo já instruído e em busca de pauta de julgamento tem, em nosso entender, a finalidade de subtrair da Egrégia Corte o julgamento e a competência constitucionalmente outorgada ao STF, mantendo o caso na Corte Suprema e já obrigando o relator, Ministro Luís Roberto Barroso, a achar uma brecha na extensa pauta de julgamento e prestar de forma o mais rápida possível a jurisdição no caso, com o devido julgamento que o caso merece.