Hitala Mayara é Advogada da União

e professora EBEJI

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Considerando a importância que o tema vem ganhando em diversos concursos públicos, e não só aqueles voltados para a Advocacia Pública, importante destacar entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, que cuida do princípio do non refoulement em sede de refúgio.

Para compreendê-lo, vamos revisar alguns pontos importantes a respeito do instituto, começando pela sua distinção em relação ao instituto do asilo, onde podemos listar os seguintes pontos:

Asilo

Refúgio

Sua concessão é ato discricionário do Presidente da República. Assim, o Estado pode negar o asilo por questões de segurança nacional. Ato vinculado/obrigatório, a ser expedido pelo CONARE, que é órgão vinculado ao MJ. Se o CONARE o denega, cabe recurso para o MJ.
Não existe foro internacional dedicado ao asilo. O controle da aplicação das normas sobre refúgio encontra-se a cargo de órgãos internacionais, como o ACNUR.
Motivos da concessão: são políticos. O juízo sobre a qualificação dos motivos compete ao Estado onde o asilo é solicitado Pode ser fundamentado em perseguições de raça, grupo social, religião e penúria, ou graves violações a DH, sendo um instituto humanitário.
Perseguição política individualizada (ato intuitu personae), cessando o asilo com a fuga do asilado, com sua renúncia ao benefício ou com sua saída do país sem autorização, o que impede seu reingresso como asilado. As perseguições ocorrem por motivos relacionados a um grupo, sendo, em regra, coletiva, e não individual.
O asilo é um exercício de um ato soberano do Estado e, ao ser concedido, impede que o asilado exerça atividade política no país onde recebido. Além disso, como ato soberano, deve ser respeitado pelos demais Estados.

É uma decisão apolítica.

É de se observar, ainda, que existem dois tipos de asilo:

  • Asilo territorial, externo ou internacional  é o asilo geral, em que o perseguido é acolhido no território do Estado que concede o asilo; 
  • Asilo diplomático, extraterritorial, interno ou internacional, político  é a forma inacabada do asilo, em que, por questões de urgência, a pessoa é acolhida em unidade diplomática (não pode ser em consulado), navio militar, aeronave militar, isto é, em extensões do território do Estado, até ser levado para o Estado que o acolheu (o que ocorre mediante a concessão de salvo conduto). Assim, é mera etapa para o asilo territorial, que somente é conhecido como instituto do DIP pelos países da América Latina (surgiu como um costume internacional). Nesse caso, como há urgência, ele pode ser concedido sem promessa de reciprocidade.

De modo diverso, não há refúgio diplomático. Ele só poderá ser concedido na forma territorial, ou seja, com a entrada do estrangeiro no território do Estado. Uma vez concedido, o refugiado terá direito a RG com essa sua qualificação, documento de viagem e carteira de trabalho.

Tanto para o asilo quanto para o refúgio, porém, é aplicado o princípio do non refoulement, isto é, da não devolução, o que inclui também o non refoulement indireto, que impede a devolução do estrangeiro para país que possa vir a facilitar ou determinar seu retorno para o Estado onde sofrerá perseguição odiosa.

Por força desse princípio é que, havendo mero requerimento de asilo ou refúgio, não será possível a extradição, deportação ou expulsão do estrangeiro requerente.

E qual a relevância desse ponto?

A relevância está no fato de que, enquanto o refúgio não for negado ou afastado, não há como se falar em extradição, deportação ou expulsão do estrangeiro, independentemente de seu envolvimento em um crime ou de sua entrada de modo ilícito no país.

A questão, embora pareça simples, ganhou maior relevo quando do julgamento do caso Battisti.

Nesse caso, o STF afastou o caráter político do crime cometido por Battisti, afirmando que crimes de sangue não seriam políticos. E assim o fez porque, para a nossa CF, sendo caso de crime político, a extradição é totalmente vedada, independentemente de o Estado requerido ainda estar ou não em conflito político ou ainda manter as condições existentes à época da prática criminosa.

Para garantir a extradição, o STF também cassou a concessão do refúgio dado pelo MJ por entender que ele não poderia ter sido concedido por não se tratar de crime político. E assim o fez porque o estrangeiro acolhido por refúgio não pode ser alvo de um pedido de extradição.

Ao final, contudo, acabou o STF decidindo que, embora caiba ao Judiciário analisar os requisitos objetivos do pedido de extradição, sua decisão não vincula o Executivo, que deverá fazer um juízo político do pedido, considerando as relações exteriores do Brasil, tomando por base a adoção do sistema da contenciosidade limitada ou sistema belga

Foi com esse fundamento que acabou não ocorrendo a extradição de Battisti, pois o então Presidente do país, à época, negou o pedido. Interessante lembrar, também, que embora o juízo positivo do STF não vincule o Presidente, eventual juízo negativo o vincularia, impedindo totalmente a extradição.

O destaque da decisão, no ponto, esteve no fato de o STF ter cassado o refúgio concedido pelo MJ (decisão discutível, considerando a incompetência do Judiciário para tanto), considerando a impossibilidade de estrangeiro refugiado ser extraditado.

E foi exatamente isso que o STJ frisou no julgado que estamos analisando:

DIREITO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL PÚBLICO. CONDIÇÃO PARA EXPULSÃO DE REFUGIADO.

A expulsão de estrangeiro que ostente a condição de refugiado não pode ocorrer sem a regular perda dessa condição. Inicialmente, cumpre ressaltar que a expulsão é ato discricionário de prerrogativa do Poder Executivo, constitucionalmente responsável pela política externa do país e pela adoção de atos que gerem reflexos às relações internacionais do Brasil com outros países. Não obstante, o reconhecimento da discricionariedade do ato de expulsão não corresponde à afirmação de que tal ato seria insuscetível de apreciação e revisão pelo Poder Judiciário, mas apenas quer significar que, ao analisar o ato, não poderá o Estado-Juiz substituir-se à atuação da chefia do Executivo na avaliação da conveniência, necessidade, oportunidade e utilidade da expulsão, devendo limitar-se à análise do cumprimento formal dos requisitos e à inexistência de óbices à expulsão. Nesse contexto, salienta-se que tanto a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados (art. 32) quanto a Lei 9.474/1997 (art. 36) preveem que o refugiado que esteja regularmente registrado não será expulso do território nacional, salvo por motivos de segurança nacional ou de ordem pública. De fato, não cabe ao Judiciário a avaliação acerca da pertinência da caracterização da condenação do refugiado como motivo de segurança nacional ou ordem pública suficiente para justificar a expulsão. Entretanto, o conjunto de normas que tratam da matéria impõem alguns cuidados adicionais ao Executivo. O primeiro é o relativo à impossibilidade de que o refugiado seja devolvido ao local onde sua vida, liberdade ou dignidade correm riscos. Essa limitação não é só uma decorrência da referida Convenção (art. 33) e da Lei 9.474/1997 (art. 37), mas também dos mais importantes valores tutelados pela nossa Constituição, que elege a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) e dispõe que, em suas relações internacionais, o Brasil deverá se reger pela “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º, II). Outro fator a ser considerado como limitação imanente à atuação do Executivo em matéria de expulsão de refugiados é a garantia do devido processo legal, que constitui direito fundamental assegurado pelo art. 5º, LV, da CF e também encontra previsão expressa na Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados (art. 32). A Lei 9.474/1997, em seu art. 39, III, prevê que “implicará perda da condição de refugiado: […] o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública”. Tem-se, assim, que deve ser reconhecido como limitação imanente ao poder discricionário conferido ao Executivo para expulsar refugiado por motivos de segurança nacional ou ordem pública a conclusão de processo administrativo em que seja declarada a perda da condição de refugiado. HC 333.902DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/10/2015, DJe 22/10/2015.

Assim, dada à garantia do non refoulement, que decorre justamente dos direitos humanos que o instituto do refúgio busca salvaguardar, tem-se que apenas será possível a expulsão de refugiado se o ato expulsório for antecedido pela conclusão de processo administrativo em que seja declarada a perda da condição de refugiado.

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Hitala Mayara, Advogada da União

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