O que é emergência fabricada? Ela autoriza a dispensa de licitação?

Vamos ver aqui uma situação ainda bastante comum na Administração Pública e que sempre tem grandes chances de ser tema de questões de concursos.

Antes de falar especificamente sobre emergência fabricada, é bom lembrar que a legislação dispensa a licitação em caso de emergência, isto nos termos do art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993:

“Art.24. É dispensável a licitação:

(…)

IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.”

Como se pode perceber, a Lei não traz nada de onde se possa extrair o conceito de emergência fabricada. Isso ocorre porque tal definição é puramente doutrinária e jurisprudencial.

Mas, afinal, o que é emergência fabricada?

Emergência fabricada é a situação de emergência que decorre da ação dolosa ou culposa do administrador, seja ela consequência da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos públicos. Isto é, a emergência aqui é “fabricada” pelo próprio agente público responsável.

Exemplificando: imagine que o contrato de prestação de serviços de limpeza de um hospital público expirou simplesmente porque o responsável esqueceu que era preciso fazer a renovação. Ora, a urgência no atendimento e o risco para a saúde das pessoas são claros neste caso. Ocorre que a situação de emergência só ocorreu em razão da desídia administrativa.

E é aí onde entra nossa segunda questão.

A emergência fabricada autoriza a dispensa de licitação?

Antiga jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) não admitia a dispensa de licitação em caso de emergência causada pelo administrador público.

Porém, tal entendimento criava um requisito não previsto em lei e ainda punia a sociedade por uma falha do gestor.

É por isso que a ampla maioria da doutrina e a atual jurisprudência do TCU admitem que a licitação seja dispensada em caso de emergência fabricada. Assim, a principal consequência prática dessa circunstância é que os responsáveis pela “fabricação” devem ser punidos – isto após regular apuração em processo administrativo, claro.

O posicionamento aqui trazido é bem exemplificado por meio de trechos do Acórdão n° 1.876/2007 do Plenário do TCU, conforme segue:

“1. A situação prevista no art. 24, VI, da Lei n° 8.666/93 não distingue a emergência real, resultante do imprevisível, daquela resultante da incúria ou inércia administrativa, sendo cabível, em ambas as hipóteses, a contratação direta, desde que devidamente caracterizada a urgência de atendimento a situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

(…)

14. Consoante bem definiu o Voto que fundamentou a Decisão n° 138/98 – Plenário acima referenciado, a ausência de planejamento e a contratação direta fundamentada em situação de emergência caracterizam situações distintas, não necessariamente excludentes. Estará incorrendo em duplo erro o administrador que, ante a situação de iminente perigo, deixar de adotar as situações emergenciais recomendáveis, ainda que a emergência tenha sido causada por incúria administrativa. Há que se fazer a clara definição da responsabilidade: na eventual situação aludida, o responsável responderá pela incúria, não pela contratação emergencial.” (grifou-se)

Este mesmo posicionamento, com especial destaque para a necessidade de punição do responsável, é adotado administrativamente pela Advocacia-Geral da União (AGU), conforme Orientação Normativa nº 11/2009, que tem por referência a decisão do TCU acima citada. Veja-se:

“A CONTRATAÇÃO DIRETA COM FUNDAMENTO NO INC. IV DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666, DE 1993, EXIGE QUE, CONCOMITANTEMENTE, SEJA APURADO SE A SITUAÇÃO EMERGENCIAL FOI GERADA POR FALTA DE PLANEJAMENTO, DESÍDIA OU MÁ GESTÃO, HIPÓTESE QUE, QUEM LHE DEU CAUSA SERÁ RESPONSABILIZADO NA FORMA DA LEI.

INDEXAÇÃO: DISPENSA DE LICITAÇÃO. EMERGÊNCIA. CONTRATAÇÃO DIRETA. FALTA DE PLANEJAMENTO. DESÍDIA. MÁ GESTÃO. RESPONSABILIDADE. APURAÇÃO.
REFERÊNCIA: art. 24, inc. IV, da Lei nº 8.666, de 1993; Acórdão TCU 1.876/2007-Plenário.”

Assim, voltando ao exemplo do hospital que ficou sem contrato de prestação de serviços de limpeza, será sim possível fazer a contratação direta de tais serviços. Porém, lembre-se que o administrador esquecido deverá ser responsabilizado pela desídia.

Bom, com isso a gente fecha a dica de hoje. Espero que tenha sido útil.

Grande abraço,

Moisés de Andrade