(1) O que é audiência de custódia?

A audiência de custódia ou de apresentação envolve o direito do cidadão preso de comparecer de maneira imediata à presença de autoridade judicial, uma vez que a não concretização dessa norma de direito internacional contribui de maneira sensível à proliferação de maus tratos, torturas e aprisionamento cautelar ilegal e irrazoável, fatos que poderiam ser evitados com um simples esclarecimento pessoal perante um juiz.

O direito à audiência de custódia está previsto, entre outros, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos. Apesar de esse “comparecimento imediato” não possuir um espaço temporal fixado em abstrato, fato é que em data recente o Comitê de Direitos Humanos da ONU apontou que esse lapso não pode ultrapassar a margem de “alguns dias”.

(2) De acordo com o Pacto de São José da Costa Rica, as audiências de custódia devem ser verificadas sem demora, não trazendo qualquer previsão exata e objetiva. Há, no Brasil, atualmente, um consenso sobre esse prazo?

Apesar de certa polêmica e divergência em sede doutrinária, mormente em razão da necessidade de conformação entre o ato e a estrutura do sistema de justiça no país, tanto o CNJ, como também o Supremo Tribunal Federal chancelaram que o termo “sem demora” deve ser compreendido como 24 horas.

Em precedente relativamente recente e bastante conhecido, afirmou-se que “estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão”. (ADPF 347 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015).

Ainda acerca da definição, importantíssimo o estudo do Caso Castillo-Páez[1] em que a CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) afirmou que houve violação de direito fundamental de um cidadão peruano que não foi apresentado em 24 horas ao juízo competente após sua prisão (registre-se a peculiaridade de a Constituição Peruana prever expressamente esse prazo).

Chile, México, Colômbia e Argentina são alguns países em que o direito do preso de ser apresentado a um juiz de direito em prazo razoável já existe e é observado como regra (nesses países variam entre 24h, 36h ou ainda “sem demora”), materializando na legislação interna a chamada “audiência de custódia”.

(3) Delegado de Polícia pode ser a autoridade responsável pela audiência de custódia, ainda que excepcionalmente? E o MP?

Apesar de alguns defensores dessa posição – claramente com um viés corporativista e que foge dos objetivos da audiência de custódia – atualmente há uma pacificação do tema em sentido negativo. Apenas magistrados conduzirão os referidos atos! O artigo 1º, parágrafo 2º da Resolução 213/2015 do CNJ indica que “”Entende-se por autoridade judicial competente aquela assim disposta pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal local que instituir as audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista”.

(4) A presença do Defensor Público é obrigatória nas audiências de custódia?

Cuidado como isso aqui será perguntado na sua prova. A presença do Defensor Público não é obrigatória! Obrigatória é a presença da defesa técnica, mas não necessariamente do Defensor Público. O preso em flagrante deverá constituir advogado até o término da lavratura do flagrante e, caso o faça, o Delegado deverá notificá-lo para comparecer à audiência de custódia. Caso não haja constituição de profissional de sua escolha (por falta de vontade ou condições financeiras), passa a ser caso de atendimento da Defensoria. (vide artigos 4º e 5º da Resolução 213 CNJ).

(5) Quando é que, após a Audiência de Custódia, o juiz deverá determinar a realização de exame de corpo de delito?

Um dos objetivos da audiência de apresentação é justamente aferir as condições físicas e clínicas do preso, bem como o tratamento conferido pelos profissionais de segurança pública responsáveis por sua custódia. De acordo com a Resolução do CNJ, o magistrado deverá verificar se houve exame de corpo de delito, que poderá ser (re)designado em casos de (i) não tiver sido realizado; (ii) os registros se mostrarem insuficientes; (iii) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; (iv) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial, observando-se a Recomendação CNJ 49/2014 quanto à formulação de quesitos ao perito.

(6) Existe audiência de custódia para prisão preventiva? E prisão definitiva?

A maior parte dos manuais indicam ou sugerem que a audiência de custódia se debruça exclusivamente para os casos de prisão em flagrante. A questão é bastante polêmica, mas em virtude da previsão da Resolução 213 do CNJ, caso haja tal indagação em prova de concurso público atualmente, eu indicaria que ela poderá ser observada e assegurada inclusive para prisões preventivas e definitivas (prisão pena), em razão da previsão do artigo 13 do referido ato normativo. Pela sua importância, vale colacioná-lo:

Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução. Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.

(7) Durante a audiência de custódia, é possível que, em razão de segurança pública, estejam presentes os policiais responsáveis pela prisão ou investigação?

Não! Sabemos que o ideal é que a audiência seja regulamentada (procedimentalmente falando) a partir de uma lei federal, mas o fato é que em um bom momento a Resolução do CNJ cuidou desse ponto, visando inclusive a conferir algum grau de efetividade ao ato! Por isso, há expressamente previsão de ser vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia.

(8) Para o STF, a regulamentação das audiências de custódia por Resolução viola o princípio da reserva legal de lei federal para matérias de processo penal?

Não! De acordo com o STF, analisando o provimento do TJ/SP, tais regulamentações não estariam trazendo qualquer inovação de ordem processual penal, sem extrapolar o conteúdo da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Segundo o Supremo, o direito convencional de apresentação do preso ao Juiz, consectariamente, deflagra o procedimento legal de habeas corpus, no qual o Juiz apreciará a legalidade da prisão, à vista do preso que lhe é apresentado, procedimento esse instituído pelo Código de Processo Penal, nos seus artigos 647 e seguintes. O ato normativo sob o crivo da fiscalização abstrata de constitucionalidade contempla, em seus artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 7º normas estritamente regulamentadoras do procedimento legal de habeas corpus instaurado perante o Juiz de primeira instância, em nada exorbitando ou contrariando a lei processual vigente, restando, assim, inexistência de conflito com a lei, o que torna inadmissível o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade para a sua impugnação, porquanto o status do CPP não gera violação constitucional, posto legislação infraconstitucional. Os artigos 5º, inciso II, e 22, inciso I, da Constituição Federal não foram violados, na medida em que há legislação federal em sentido estrito legitimando a audiência de apresentação. (ADI 5240, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2015).

(9) A não realização de Audiência de Custódia implica a ilicitude e relaxamento da prisão?

Questão também bastante polêmica, mas foi objeto de um posicionamento do STJ, concluindo em sentido contrário!

Segundo o precedente da 5ª Turma, “a não realização da audiência de custódia, por si só, não é apta a ensejar a ilegalidade da prisão cautelar imposta ao paciente, uma vez respeitados os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Ademais, operada a conversão do flagrante em prisão preventiva, fica superada a alegação de nulidade na ausência de apresentação do preso ao Juízo de origem, logo após o flagrante”. (HC 344.989/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 28/04/2016).

(10) A audiência de custódia deve ser realizada no caso de prisão de adolescentes?

Essa é uma das discussões que deverão ser apreciadas e definidas pelos Tribunais Superiores em breve. Por ora, apenas verificamos tendências, posicionamentos e embates dentro da seara doutrinária. Feito esse alerta, tecerei meus comentários e posicionamento particular, que indico, inclusive, para ser levantado sobretudo em provas de Defensoria Pública.

Apesar de o ECA não fazer menção à audiência de apresentação e tampouco a Resolução do CNJ, considerando os objetivos previstos para o referido ato dentro das normas e do cenário internacional que contextualizam a subscrição do Brasil nos Pactos e Convenções Internacionais, a partir de uma filtragem convencional, é premente a necessidade de observância das audiências de custódia em relação à prisão de adolescentes! A mera apresentação imediata ao Ministério Público não atende aos reclamos da Convenção, já que o preso deverá ser apresentado a uma autoridade judicial. Nem Delegado de Polícia, nem tampouco membro do Ministério Público tem o condão de fazer as vezes de um magistrado.

Há precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos abraçando essa posição, bem como da própria Organização das Nações Unidas, a partir de seus comitês temáticos. De toda forma, repita-se, é preciso aguardar para saber como efetivamente funcionará aqui no Brasil.

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

https://www.facebook.com/Profpedrocoelho/

[1]Para quem se interessar em pesquisar mais sobre o caso mencionado, é possível a leitura integral da sentença no site :

http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2011/05/seriec_43_esp.pdf.