A DISSOLUÇÃO IRREGULAR E O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL COM BASE NO ARTIGO 135, III, DO CTN

Tema de grande importância no estudo para concursos públicos, sobretudo de procuradorias, é a responsabilização prevista nos termos do artigo 135, III, do Código Tributário Nacional – CTN, sendo a dissolução irregular da pessoa jurídica a situação mais comum a atrair esta modalidade de responsabilização de terceiros.

 I – DA NATUREZA DA RESPONSABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 135, III, DO CTN.

Conforme dispõe o artigo 135, III, do CTN:

São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (…) III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

 

Inicialmente, cumpre destacar a existência de divergência doutrinária acerca da natureza de referida responsabilidade. Doutrinadores como Luciano Amaro e Sacha Calmon entendem que a responsabilidade prevista na mencionada norma não é nem solidária, nem mesmo subsidiária, mas, sim, um terceiro tipo, em que o responsável passa a responder pessoalmente e exclusivamente pelos créditos, excluindo-se, pois, o contribuinte de referida cobrança.[1]

Já para uma segunda corrente, da qual fazem parte Hugo de Brito Machado e Luiz Alberto Gurgel de Faria, a responsabilidade seria solidária, pela inexistência de norma expressa que exclua o contribuinte, não possuindo o termo “pessoalmente” o condão de ser interpretado como “exclusivamente”.[2]

Por fim, um terceiro entendimento, de lavra do doutrinador Leandro Paulsen, é no sentido de que a previsão do artigo 135, III, do CTN, corresponde a uma responsabilidade pessoal e exclusiva. No entanto, diante de situações em que o ato tenha sido praticado em benefício da empresa, incidiria o artigo            124, I, do CTN, que estabelece a solidariedade em função do interesse comum, passando, em tais casos, a ser a responsabilidade solidária e sem benefício de ordem.[3]

É de fundamental importância o conhecimento de tal divergência, sobretudo em provas discursivas ou orais, indicando-se, em caso de provas de procuradorias, a defesa do entendimento da responsabilidade solidária, mais favorável à Fazenda, com a manutenção do contribuinte e dos responsáveis no pólo passivo da execução fiscal.

No âmbito judicial, inclusive, prevalece a tese da solidariedade, tendo o Superior Tribunal de Justiça se posicionado, diversas vezes, no sentido de que a citação da pessoa jurídica possui o condão de interromper o prazo prescricional em face dos responsáveis, tema que será melhor abordado adiante.

II – A DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA PESSOA JURÍDICA.

Dentre as causas aptas a atrair a aplicação do artigo 135, III, do CTN, a dissolução irregular da pessoa jurídica se destaca como a mais comum na praxe jurídica.

Como cediço, o ordenamento jurídico pátrio prevê procedimentos próprios tanto para a criação como para o encerramento das pessoas jurídicas. No caso do encerramento, faz-se necessário, dentre outras obrigações, a apresentação de certidão conjunta negativa de débitos relativos a tributos federais e à dívida ativa da união, certidão negativa de débito previdenciário – CND e certificado de regularidade do fundo de garantia por tempo de serviço – FGTS, bem como o arquivamento de documentos e do distrato junto à Junta Comercial.

Ocorre que, na prática, é bastante comum que as pessoas jurídicas fechem suas portas, vendam os seus bens e procedam, assim, ao “encerramento” da pessoa jurídica, sem obedecer aos ditames legais, caracterizando, desta forma, a dissolução irregular, causa apta ao redirecionamento da execução fiscal, por violação à lei, nos termos do artigo 135, III, do CTN.

Acerca do tema, é fundamental conhecer o teor da Súmula nº 435, do STJ:

Dissolução Irregular de Empresa – Comunicação a Órgão Competente o Funcionamento de Domicílio Fiscal – Redirecionamento da Execução Fiscal.

Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Portanto, segundo referido enunciado, por ser obrigação do contribuinte a atualização de seus dados e endereço junto aos órgãos públicos e ao Fisco, deve-se considerar que a pessoa jurídica estaria em funcionamento no endereço informado em seu domicílio fiscal. Acaso ali não mais se encontre, presume-se que houve a sua dissolução irregular, legitimando, pois, o redirecionamento da execução fiscal.

Atente-se, ainda, que, segundo entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a comprovação de que a empresa não se encontra em funcionamento em seu domicílio fiscal deve ser realizada por meio de certidão de oficial de justiça que ali comparecer para realizar diligências.

Ademais, deve-se esclarecer que a presunção de que trata a mencionada Súmula é juris tantum, cabendo ao responsável incluído no pólo passivo desconstituí-la, por meio da oposição dos devidos embargos à execução.

Sobre todo este tema, bastante esclarecedora a ementa abaixo colacionada, referente ao REsp 1374744/BA:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA QUE INFORMA NÃO TER ENCONTRADO A EMPRESA NO ENDEREÇO INDICADO PELO FISCO PARA CITAÇÃO. REDIRECIONAMENTO. PRESUNÇÃO “JURIS TANTUM” DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. ART. 135, DO CTN. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 435/STJ.

1. Em execução fiscal, certificada pelo oficial de justiça a não localização da empresa executada no endereço fornecido ao Fisco como domicílio fiscal para a citação, presume-se (juris tantum) a ocorrência de dissolução irregular a ensejar o redirecionamento da execução aos sócios, na forma do art. 135, do CTN. Precedentes: EREsp 852.437 / RS, Primeira Seção. Rel. Min. Castro Meira, julgado em 22.10.2008; REsp 1343058 / BA, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 09.10.2012.

2. É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros junto aos órgãos de registros públicos e ao Fisco, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, os referentes à dissolução da sociedade. Precedente: EREsp 716412 / PR, Primeira Seção. Rel. Min.

Herman Benjamin, julgado em 12.9.2007.

3. Aplica-se ao caso a Súmula n. 435/STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

4. Recurso especial provido. (REsp 1374744/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2013, DJe 17/12/2013).

Por fim, segundo referido Tribunal, não são todos os sócios que respondem pela referida violação à lei, mas somente os que exerciam a sua administração à época da dissolução irregular. Sobre este tema, válido mencionar a redação do artigo 2º, parágrafo único, da Portaria PGFN nº 180/2010, alterada pela Portaria PGFN nº 713/2011:

Art. 2º (…) Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, deverão ser considerados responsáveis solidários:

I – os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução irregular;

II – os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução irregular, bem como os à época do fato gerador, quando comprovado que a saída destes da pessoa jurídica é fraudulenta.

Assim, entende a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que, além do sócio administrador, respondem pela dissolução irregular terceiros não sócios que possuíam poderes de gerência à época da dissolução irregular, bem como os que geriam a pessoa jurídica à época do fato gerador, mas, comprovadamente, retiraram-se da sociedade com intuito fraudulento, colocando em seu lugar pessoas conhecidas como “laranjas”. Sendo assim, demonstrar o conhecimento desta Portaria e defender a sua aplicação em eventuais questões discursivas ou orais do concurso para PGFN pode ser de grande acréscimo ao candidato.

III – DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA A FAZENDA PLEITEAR O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

Em que pese a inexistência de regra específica acerca do eventual prazo para o redirecionamento da execução fiscal com inclusão no pólo passivo dos responsáveis, a doutrina e a jurisprudência, com o fim de impedir a imprescritibilidade de tal responsabilização, vêm realizando uma construção jurídica, aplicando o prazo quinquenal previsto no Código Tributário Nacional.

Neste sentido, destacam-se dois entendimentos distintos, que ainda não foram pacificados pelo Superior Tribunal de Justiça.

De acordo com o primeiro, a citação da pessoa jurídica possui o condão de interromper o prazo prescricional em relação aos responsáveis, os quais só poderiam ser incluídos no pólo passivo, com o redirecionamento da execução fiscal, dentro do lapso quinquenal reiniciado pela interrupção. Ou seja, aplicando-se este entendimento, possuiria a Fazenda o prazo de 5 anos, a contar da citação da pessoa jurídica, para pleitear eventual redirecionamento da execução fiscal.

Este é o posicionamento pacificado na Primeira Seção do STJ, e que se encontra pendente de julgamento no âmbito dos recursos repetitivos REsp 1201993.  A título de esclarecimento:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CITAÇÃO DA EMPRESA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO AOS SÓCIOS. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. FALHA DO MECANISMO JUDICIÁRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

(…).

3. A Primeira Seção do STJ orienta-se no sentido de que, ainda que a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal.

(…)(AgRg no AREsp 418.790/PI, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 06/03/2014).

O segundo entendimento, defendido pelas procuradorias, é o de que, a despeito da inexistência de previsão legal específica, acaso se considere a existência de eventual prazo para redirecionamento da execução fiscal, deve o marco inicial de tal prazo corresponder à data em que constatada a dissolução irregular da pessoa jurídica, e não da citação da empresa.

Trata-se da aplicação da Teoria da Actio Nata ou Princípio Universal da Actio Nata, consagrado no próprio artigo 189, do Código Civil. Segundo tal princípio, é o momento da ocorrência da lesão ao direito que gera a pretensão e que deve, portanto, ser considerado como o termo inicial da prescrição. Somente nasceria para a Fazenda a pretensão para responsabilização dos sócios quando da ciência acerca de motivo apto ao redirecionamento, no caso, somente a partir da juntada da certidão do oficial de justiça que informe a ocorrência da dissolução irregular.

Neste sentido, observa-se ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE.PRESCRIÇÃO. TEORIA DA “ACTIO NATA”. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS.MATÉRIA QUE EXIGE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 393/STJ.

1. O termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagrado no princípio universal da actio nata.

2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada.

3. A responsabilidade subsidiária dos sócios, em regra, não pode ser discutida em exceção de pré-executividade, por demandar dilação probatória, conforme decidido no Recurso Especial “repetitivo” 1.104.900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 25.3.2009, DJe 1°.4.2009, nos termos do art. 543-C, do CPC.

(…) (AgRg no REsp 1196377/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 27/10/2010).

Ressalta-se que, no âmbito dos Egrégios Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, há julgados nos dois sentidos, sendo certo que o julgamento do Recurso Repetitivo RESp nº 1201993 pacificará referida questão.

Para os candidatos a concurso público, é fundamental conhecer ambos os entendimentos. Em eventuais questões subjetivas ou orais de provas de procuradorias, é mais razoável se posicionar de acordo com o segundo entendimento, mais favorável à recuperação do crédito público. No entanto, tratando-se de concurso para defensorias públicas, deve-se atentar ao fato de que a Defensoria Pública da União, nos autos do Recurso Repetitivo acima mencionado, manifestou-se em favor do primeiro entendimento.

Grande abraço e até a próxima.

Rodolfo Cursino, Procurador da Fazenda Nacional.

[1] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P.327; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 634

 [2] Código tributário nacional comentado: doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS (Lc 87/1996 e LC 114/2002) e ISS (LC116/2003)/ coordenador Vladimir Passos de Freitas – 4 ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.643/644; MACHADO, Hugo de Brito apud RIBEIRO FILHO, Eduardo de Assis. A responsabilidade tributária do sócio administrador, por uma concepção subjetiva e solidária. Revista da PGFN. Ano I, nº2, Brasília: 2011.

 [3] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. Porto Alegre: Livraria do advogado editora, 2008. P.152.