A eficácia dos precedentes nas causas repetitivas à luz do entendimento do STJ e o STF

O tema do presente texto está relacionado com duas temáticas que tem recebido cada vez maior atenção dos operadores do direito: a teoria dos precedentes e as causas repetitivas.

Mais especificamente, trataremos da eficácia dos precedentes nas causas repetitivas, ou seja, a partir de que momento um julgamento na sistemática dos recursos repetitivos pode ser utilizado como precedente pelos demais juízos. Por exemplo, para que o magistrado aplique o art. 285-A, indeferimento liminarmente uma demanda, deve esperar o trânsito em julgado do “caso-piloto”, o julgamento final do caso pelo STJ, a publicação do acórdão ou basta que tenha sido julgado o caso?[1] Buscaremos a resposta nos precedentes dos tribunais superiores.

Aproveitando o ensejo, é perceptível que a sociedade vem se modificando e as interações sociais também. A industrialização, a produção em série de produtos e a urbanização gerou o surgimento de relações em que as situações são praticamente idênticas, mudando apenas uma das partes envolvidas, como nos casos envolvendo consumidores e uma grande empresa que tenha fabricado um produto defeituoso.

Essas mudanças refletiram no direito processual, que precisou a elas se adaptar. Tendo em vista a problemática das causas repetitivas, houve a criação um regime baseado em técnicas de racionalização do procedimento, tais comoo art. 285-A do CPC, que seria a improcedência prima facie da petição inicial, a súmula impeditiva de recurso, a súmula vinculante, a repercussão geral, o art. 4º, § 8º, da Lei nº 8.437/1992, o pedido de uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais, dentre outros.[2]

Um fator que é agregado à temática das causas repetitivas é o da teoria dos precedentes. Veja-se que o fundamento das causas repetitivas será sempre o mesmo, a única mudança serão as partes, por exemplo, em causa de direito do consumidor baseada em um determinado vício do produto de âmbito nacional. Para que se possa construir um sistema efetivo de combate aos efeitos nocivos das causas repetitivas ao Poder Judiciário, como o seu travamento, devido ao tratamento inadequado dos milhares de processos que apenas se repetem, mas que são tratadas como se fossem algo completamente diferente em seu procedimento, é imprescindível a construção de um sistema de precedentes para tal modalidade de demandas[3]. Ou seja, não há como admitir a existência de um tratamento adequado às causas repetitivas sem o respeito aos precedentes.

Especificamente sobre esse tema, o presente texto tem por objetivo explicitar qual o momento de produção de eficácia dos precedentes advindos do julgamento de causas repetitivas para a sua utilização na aplicação do art. 285-A, do art. 557 etc. Em um recente precedente, afirmou o STJ, que “É desnecessário o trânsito em julgado do acórdão proferido em recurso especial representativo da controvérsia para que se possa aplicá-lo como precedente em situações semelhantes”.[4]

Uma melhor explicitação dos fundamentos para tal conclusão pode ser retirada do voto do atual Ministro do STF e à época, Ministro do STJ, Teori Albino Zavascki, que, no AgRg no Recurso Especial 1.218.277/RS, julgado em 06 de dezembro de 2011, afirmou, em seu voto, que “o trânsito em julgado do acórdão que decide matéria submetida ao procedimento dos recursos repetitivos não é requisito exigível pelo art. 543-C do CPC, tampouco pela Resolução 8, de 07/08/2008 do STJ,  para a sua invocação como precedente em julgamentos de casos análogos”.

Esse entendimento, no entanto, não é exatamente uma novidade. A  eficácia da decisão judicial como precedente mesmo antes do trânsito em julgado já vem sendo aplicada há certo tempo, principalmente pelo STF, que afirmava, já em 1995, que “O fato de o precedente do Plenário ainda não se mostrar coberto pelo manto da coisa julgada não obstaculiza a aplicação, pelo relator do extraordinário, do disposto nos artigos 38 da Lei n. 8.038/90 e 21, par. 1., do Regimento Interno visando a trancá-lo”.[5]

Para além da desnecessidade do trânsito em julgado, ambos os Tribunais entendem como desnecessária a publicação do acórdão para que este possa servir de suporte fático para a aplicação do art. 557, §1º, do CPC. Nesse sentido já se afirmou que “O fato de não ter sido ainda publicado o acórdão referido na decisão agravada não lhe retira o poder de servir de fundamento para que o relator conheça do recurso especial e lhe dê provimento com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, sobretudo quando a mesma matéria é discutida em diversos recursos, com pleno conhecimento da parte agravante”.[6]

Sendo assim, apresenta-se como desnecessário o trânsito em julgado do caso concreto, ou mesmo a publicação da decisão para a sua atuação como precedente, já podendo ser utilizada como suporte fático para as normas do sistema que permitem a racionalização das causas repetitivas, tais como o art. 285-A e o art. 557, ambos do CPC.

A exigência do prévio trânsito em julgado seria atuar contra a finalidade do sistema e incentivar a atuação protelatória da parte derrotada. Veja-se, por exemplo, um recurso repetitivo em que a parte derrotada fosse uma grande empresa em relação de consumo. Caso fosse requisito para aplicação da decisão do recurso paradigma perante as demais causas semelhantes o seu trânsito em julgado, essa empresa poderia simplesmente se utilizar dos embargos de declaração e mesmo de um eventual recurso extraordinário apenas com o fito de protelar o seu trânsito em julgado.

Quanto à desnecessidade da publicação do acórdão, uma observação deve ser feita: muito embora já possa ser aplicada como precedente, a partir do art. 557, ou mesmo do art. 285-A, ambos do CPC, não poderá ser utilizada para o procedimento específico de permitir, por exemplo, a retratação do Tribunal a quo. Isso porque o § 7º do art. 543-C, do CPC, exige expressamente a publicação do acórdão para a utilização do procedimento específico a ser aplicado aos recursos sobrestados. Apenas a título de confirmação dessa posição, é possível mencionar o art. 5º[7], da Resolução do STJ nº. 8, de 7 de agosto de 2008, que menciona a necessidade de publicação do acórdão para a aplicação do procedimento previsto para os recursos repetitivos.

Essa publicação, no entanto, não é exigida para o procedimento dos recursos repetitivos previsto para o STF. É que o art. 543-B, em seu § 3º afirma apenas o seguinte: “Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados…”. Assim, não se exige a publicação, mas tão somente o julgamento do recurso paradigma. É uma incongruência infeliz do nosso atual CPC, ao tratar diferentemente situações praticamente idênticas. No entanto, o texto normativo é claro. Não há como entender de forma diversa. De qualquer forma, é imprescindível que, uma vez aplicado o precedente antes de sua publicação, que seja permitida às partes o acesso ao seu inteiro teor, de modo a permitir a identificação de sua ratio decidendi, bem como de argumentar acerca do distinguishing, ou de um eventual overruling.

Ou seja, para os tribunais superiores, sequer há necessidade de que a decisão seja publicada para que possa ser utilizada como precedente na sistemática das causas repetitivas, bastando a conclusão do julgamento do recurso paradigma. No entanto, para a aplicação do procedimento específico dos recursos repetitivos, com a possibilidade da retratação, há uma discrepância no tratamento, posto que o texto normativo exige a publicação no caso do STJ, porém, não o faz para o STF.

Ravi Peixoto, Procurador do Município de João Pessoa.

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[1]     A análise do tema pode ser vista com mais detalhes no seguinte artigo: PEIXOTO, Ravi. A posição dos tribunais superiores e a eficácia dos precedentes nas causas repetitivas. Revista Dialética de Direito Processual, v. 119, 2013. O texto pode ser encontrado em: https://www.academia.edu/6940716/Ravi_Peixoto_._A_posicao_dos_tribunais_superiores_e_a_eficacia_dos_precedentes_nas_causas_repetitivas._Revista_Dialetica_de_Direito_Processual_v._119.

[2]     Para uma análise pormenorizada do regime processual das causas repetitivas, cf.: CUNHA, Leonardo Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2010, v. 179.

[3]     MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. Direito e processo: estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. ABREU, Pedro Manoel; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. (Coords.). Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 673-676. CERQUEIRA, Tarsis Silva de. O julgamento dos recursos repetitivos nos tribunais superiores: Uma nova leitura do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2011, p. 170-179.

[4]     STJ, 4ª T., EDcl no AgRg no REsp 1.362.792/PR, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 03/04/2014, DJe 14/04/2014; STJ, 4ª T., AgRg no REsp 1.350.940/RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 22/04/2014, DJe 20/05/2014; STJ, 2ª T., EDcl no AgRg no Ag 1.067.829/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 09/10/2012, DJe 31/10/2012

[5]     STF, RE 166.897 AgR, 2ª T., Rel. Min. Marco Aurélio. j. 30/05/1995, DJ 30/06/1995. Da mesma forma: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, emanada do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida por maioria qualificada, aplica-se aos novos processos submetidos à apreciação das Turmas ou à deliberação dos Juízes que integram a Corte, viabilizando, em conseqüência, o julgamento imediato de causas que versem o mesmo tema, ainda que o acórdão plenário – que firmou o precedente no “leading case” – não tenha sido publicado, ou, caso já publicado, ainda não haja transitado em julgado”. (STF, RE 216.259 AgR, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, j. 09/05/2000, DJ 19/05/2000).

[6]     STJ, AgRg no REsp 522342/MG, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 04/11/2004, DJ 17/12/2004, p. 519.Também fazendo menção ao tema: STJ, 2ª T., AgRg no AREsp 247.094/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell, j. 20/11/2012, DJe 26/11/2012; STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1057556/RS, 3ª T., Rel. Min. Massami Yueda, j. 18/11/2008, DJe 03/12/2008.

No âmbito do STF, de onde surgiu a posição e serviu de base para o STJ: STF, RE 677.589 AgR-ED, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 28/08/2012, DJe-185 20/09/2012; STF,RE 310.008 AgR, 1ª T., Rel.  Min. Ellen Gracie, j. 17/12/2003, DJ 21/02/2003.

[7]     Art. 5º Publicado o acórdão do julgamento do recurso especial pela Seção ou pela Corte Especial, os demais recursos especiais fundados em idêntica controvérsia:

I – se já distribuídos, serão julgados pelo relator, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil;

II – se ainda não distribuídos, serão julgados pela Presidência, nos termos da Resolução n. 3, de 17 de abril de 2008.

III – se sobrestados na origem, terão seguimento na forma prevista nos parágrafos sétimo e oitavo do artigo 543-C do Código de Processo Civil.

Interpretando no mesmo sentido: STJ, 1ª T., AgRg no AREsp 905/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j.  12/04/2011, DJe 15/04/2011.