O Poder Público, quando não fizer parte da relação jurídica processual, pode habilitar-se como litisconsorte em Ação Civil Pública, nos termos do § 2º, do art. 5º, da Lei n.° 7.347/1985[i]:

“Art. 5o (…).

(…).2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.”

Por outro lado, caso não queira ser parte, poderá, ainda, promover a chamada intervenção anômala[ii], que independe da demonstração de interesse jurídico, na forma do parágrafo único do art. 5º da Lei n.° 9.469/1997:

“Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.

Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.”

O § 3º do art. 6º da Lei n.º 4.717/1965, por sua vez, prevê o mecanismo de migração de polos na relação jurídica processual estabelecida com o ajuizamento da Ação Popular e decorrente da postura da pessoa jurídica:

“Art. 6º (…).

(…).3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.”

O § 3º do art. 17 da Lei n.º 8.429/1992, com a redação dada pela Lei n.° 9.366/1996, faz expressa menção ao dispositivo acima no caso em que a ação de improbidade administrativa tiver sido proposta pelo Ministério Púbico:

Art. 17. (…).

(…).3oNo caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965.    

Trata-se de quebra do princípio da estabilidade subjetiva da demanda em favor do interesse público primário, o que veio a ser batizado pela doutrina de intervenção móvel[iii]. A pessoa jurídica, não só a de direito público como também a de direito privado, quando demandada, pode migrar para o polo ativo nas ações populares e de improbidade administrativa.

Ainda que a pessoa jurídica tenha sido incluída no polo passivo da ação no momento do ajuizamento, tal posição é provisória. Isso porque, após ser cientificada da lide, poderá adotar três posturas processuais: i) apresentar resposta, em especial contestação à pretensão autoral; ii) abster-se de responder (em posição neutra), sem pronunciamento algum sobre o ato impugnado; ou iii) não contestar e, verificando que a ação ajuizada é útil ao interesse público, deslocar-se da sua posição original do polo passivo para o ativo, vindo a atuar ao lado do autor em face dos demais réus.

A Ação Civil Pública e a Ação Popular compõem um microssistema de defesa do patrimônio público na acepção mais ampla do termo, por isso regulam a legitimatio ad causam de forma especialíssima. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a aplicação dessa regra processual às Ações Civis Públicas, conforme se verifica no julgado abaixo:

(…). 2. O deslocamento de pessoa jurídica de Direito Público do pólo passivo para o ativo na Ação Civil Pública é possível, quando presente o interesse público, a juízo do representante legal ou do dirigente, nos moldes do art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/1965, combinado com o art. 17, § 3º, da Lei de Improbidade Administrativa. (…). (AgRg no REsp 1012960/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2009, DJe 04/11/2009)

Ressalte-se que essa intervenção móvel pode ocorrer a qualquer tempo, sem que se possa alegar preclusão:

(…). 2. O deslocamento de pessoa jurídica de Direito Público do pólo passivo para o ativo na Ação Popular é possível, desde que útil ao interesse público, a juízo do representante legal ou do dirigente, nos moldes do art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/1965. 3. Não há falar em preclusão do direito, pois, além de a mencionada lei não trazer limitação quanto ao momento em que deve ser realizada a migração, o seu art. 17 preceitua que a entidade pode, ainda que tenha contestado a ação, proceder à execução da sentença na parte que lhe caiba, ficando evidente a viabilidade de composição do pólo ativo a qualquer tempo. Precedentes do STJ. (…). (REsp 945.238/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 20/04/2009)

O que legitima essa migração no processo é justamente o interesse público no juízo do respectivo representante legal ou dirigente. Nas lides ambientais, por exemplo, cumpre a pessoa jurídica de direito público demonstrar a inexistência de sua omissão na fiscalização da irregularidade perpetrada pelo agente causador de dano ao meio ambiente, com efetivo exercício do poder de polícia, bem como que vem atuando com os mesmos desígnios da parte autora.

 Há também a possibilidade de atuação mista em ambos os polos em relação aos pedidos distintos formulados em face da pessoa jurídica de direito público.

No julgamento do Recurso Especial 791.042/PR, o então Ministro Relator Luiz Fux, em voto acolhido por unanimidade pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, deixou consignado que “[a]s ações de defesa dos interesses transindividuais e que encerram proteção ao patrimônio público, notadamente por força do objeto mediato do pedido, apresentam regras diversas acerca da legitimação para causa, que as distingue da polarização das ações uti singuli, onde é possível evitar a ‘confusão jurídica’ identificando-se autor e réu e dando-lhes a alteração das posições na relação processual”. Essa singularidade no âmbito da legitimação para agir, implica a decomposição dos pedidos formulados, por isso que o Poder Público pode assumir as posturas processuais acima indicadas em relação a um dos pedidos cumulados e manter-se no polo passivo em relação aos demais.

 No caso, em síntese, o Ministério Público interpôs Ação Civil Pública em desfavor da União, do Estado do Paraná e do Município de Londrina, com o objetivo de obter a condenação por irregularidades perpetradas nos pagamentos realizados a hospitais, clínicas, laboratórios e médicos credenciados, com recursos do Sistema Único de Saúde – SUS, que provêm de repasse da esfera federal. A União, tendo sido demandada para cumprir obrigação de fazer consistente no dever de fiscalizar a atuação dos delegatários do SUS e, ao mesmo tempo, beneficiária do pedido formulado de ressarcimento das quantias indevidamente percebidas pelos demais entes demandados, arguiu seu interesse no sucesso da demanda, requerendo sua intervenção móvel do polo passivo para o ativo, a fim de atuar como assistente do Ministério Público no feito.

Fiquem atentos a esses mecanismos processuais utilizados na prática da Advocacia Pública.

Espero ter contribuído para a preparação de vocês.

Até a próxima.

Frederico Rios Paula

[i] (…). O art.  5º, § 2º, da Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública), ao facultar ao Poder Público a habilitação como litisconsortes de qualquer das partes, não estabelece liberalidade incondicional de escolha da entidade pública para atuar nos polos da Ação Civil Pública sem observância do objetivo macro almejado com a demanda, porquanto impensável pretender enquadrar-se como sujeito ativo da ação quando a causa de pedir e o pedido intentam a condenação deste mesmo Poder Público. (…). (REsp 1581124/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2016, DJe 15/04/2016)

[ii] CUNHA, Leonardo Carneiro da. “Intervenção anômala: a intervenção de terceiro pelas pessoas jurídica de direito público prevista no parágrafo único do art. 5° da Lei 9 .469/1997”. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) São Paulo: RT, 2007.

[iii] MAZZEI, Rodrigo. “A “intervenção móvel’ da pessoa jurídica de direito público na ação popular e ação de improbidade administrativa (art. 6º, § 3º, da LAP e art. 17, § 3º, da LIA)”. Aspectos polêmicos e atuais sobre terceiros no processo civil e assuntos afins. Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2007.