A “polêmica” Reclamação 4335/AC

No último dia 20 de março, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Reclamação no 4335/AC, na qual se questionava a decisão de um Juiz de Direito do Estado do Acre, que decidira de maneira contrária ao que fixado pela nossa mais Alta Corte no julgamento do HC no 82959/SP (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01/09/2006).

Com efeito, no HC supracitado, o STF declarou a inconstitucionalidade, em juízo incidental, do art. 2o, § 1o, da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, sob o fundamento de que ele conflitava com o art. 5o, XLVI, da Carta Republicana de 1988 (princípio da individualização da pena). A Corte acentuou que se tratava, no caso, de uma releitura desse princípio constitucional, que, a partir de agora, deveria impedir a fixação de regime integralmente fechado para os condenados por crimes hediondos, pela prática da tortura, por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e pelo terrorismo[1].

A questão controvertida na Reclamação em tela cinge-se à possibilidade de atribuição de eficácia erga omnes a uma decisão proferida em sede de controle incidental, principalmente pela redação do art. 52, X, da CRFB/88, segundo a qual o Senado Federal tem a competência para “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Vale destacar, ainda, que o dispositivo que trata da participação do Senado Federal no controle de constitucionalidade foi previsto, pela primeira vez, na Constituição de 1934, sendo repetido, à exceção da Constituição de 1937, em todos os demais textos constitucionais pátrios.

Até o julgamento dessa reclamação, o STF possuía entendimento consolidado de que o ato do Senado Federal[2] (editado por meio de resolução), consistente na suspensão da execução da lei declarada inconstitucional em sede de controle incidental, seria indispensável à generalização dos efeitos da decisão do STF.

Inicialmente, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Graus posicionaram-se pela ocorrência de mutação constitucional do disposto no art. 52, X, da CRFB/88, de modo que deveria ser lido como se o Senado Federal tivesse competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, a própria decisão do STF, em sede de controle incidental, teria eficácia ultra partes, independente da posterior atuação do Senado Federal.

No julgamento final, não obstante a maioria (Eros Grau, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki) tenha votado pelo conhecimento e procedência da reclamação, o fundamento que reuniu o maior número de adeptos foi aquele trazido pelo Min. Teori Zavascki em seu voto-vista, segundo o qual a decisão reclamada estava em contradição com o enunciado no 26[3] da Súmula Vinculante do STF. Por fim, apesar do desfecho menos traumático do ponto de vista da separação de poderes (art. 2o da CRFB/88), já que o STF não sufragou a tese da mutação constitucional – limitando uma competência do Senado Federal definida de maneira explícita pela Constituição –, o caso foi emblemático quanto aos riscos e potencialidades para a ideia de “convivência harmônica” entre os Poderes da República.

Dr. Cristiano Soares, Advogado da União

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[1] Depois da decisão do STF, entrou em vigor a Lei no 11.464, de 28 de março de 2007, fixando critérios de progressão de regime para os condenados pelos crimes descritos no caput do art. 2o da Lei no 8.072, de 1990.

[2] O STF também possui entendimento pacificado no sentido de que o Senado não está obrigado a editar a resolução suspensiva; contudo, depois de editada, não pode revogá-la (cf. MS 16.512, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, 25/05/1966).

[3] Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.