Fala pessoal, tudo certo?

Hoje vamos tratar de um tema que se apresenta como tipicamente com cara de prova. E, conforme verificaremos, houve uma superação da sinalização da divergência entre as Turmas do STJ, estando (ao menos nesse momento) pacificada a compreensão quanto à compatibilidade da qualificadora de motivo fútil no caso de homicídio com dolo eventual.

Vamos entender a celeuma?

Em primeiro lugar, é curial destacar a necessidade de atenção especial com o seu examinador. Afirmo isso porque não raro, alguns alunos confundem-se com a questão tratada objetivamente no presente texto com outro caso, também analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No julgamento do HC 307.617/SP, a Corte Superior concluiu não ser aplicável a qualificadora de motivo fútil com o dolo eventual, em se tratando de homicídio proveniente de acidente automobilístico, em que não havia qualquer relação entre o paciente e a vítima. Segundo o STJ, no caso concreto a vítima “nem era quem praticava o ‘racha’ com o paciente, era um terceiro que trafegava por perto naquele momento e que, por um dos azares do destino, viu-se atingido pelo acidente que envolveu o paciente”.

Feito esse esclarecimento, voltemos ao cerne da questão objeto desta postagem. A pergunta que se deseja responder e esclarecer é mais ampla, não devendo ser analisada de maneira restritiva ao caso acima apontado.

Há algum tempo, a 5ª Turma do STJ havia consolidado o seu entendimento no sentido de inexistir incompatibilidade entre dolo eventual e qualificadora de motivo fútil no crime do artigo 121 do CPB “uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta, mostrando-se, em princípio, compatíveis entre si” (STJ. 5ª Turma. REsp 912.904/SP).

Ocorre que no ano de 2016, fora noticiado no informativo 583 posição divergente da 6ª Turma, asseverando que “a qualificadora de motivo fútil é incompatível com o dolo eventual, tendo em vista a ausência do elemento volitivo” (6ª Turma do STJ, HC 307.617-SP).

Pedro, quer dizer que há divergência sobre o tema entre a 5ª e 6ª Turma?

Calma! Antes de se desesperar, saiba que essa divergência não se consolidou!

É que, mais recentemente, a mesma 6ª Turma do STJ analisou um caso em que um hábil lutador de artes maciais disferiu golpes na cabeça das vítimas, após o desentendimento no trânsito.

Prevaleceu a compreensão no sentido de que o dolo eventual e o motivo fútil são figuras penais diversas e, em tese, compatíveis, ou seja, elas não se excluem: uma é elemento subjetivo do tipo, enquanto a outra, circunstância que se relaciona com a ação nuclear de matar alguém, tornando o tipo qualificado.

Concluiu a Corte que o fato de o recorrido ter assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta. NÃO SE AFIGURA, PORTANTO, A APONTADA INCOMPATIBILIDADE (RESP 1.601.276/RJ[1]).

 Caminho similar também deve ser trilhado em relação ao dolo eventual e a qualificadora do motivo torpe, consoante precedente do STF (RHC 92.571/DF).

 Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

@profpedrocoelhodpu (Instragram)

[1] RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO QUALIFICADO. DOLO EVENTUAL. AGRESSÃO CAUSADA POR MOTIVO FÚTIL. COMPATIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Não há incompatibilidade na coexistência da qualificadora do motivo fútil com o dolo eventual em caso de homicídio causado após pequeno desentendimento entre agressor e agredido. Precedentes do STJ e STF. 2. Com efeito, o fato de o recorrido ter, ao agredir violentamente a vítima, assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta. 3. Recurso especial provido, a fim de restabelecer em parte a decisão de pronúncia, para que o réu seja submetido a julgamento nas penas dos arts. 121, 2º, II, e 121, § 2º, II, c/c o art. 14, II, na forma do art. 69, todos do Código Penal. (REsp 1601276/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017).