A responsabilização do Advogado Público por conta da emissão de pareceres jurídicos: análise de caso prático

Hoje tratarei de um ponto sempre presente no edital para os concursos públicos para a Advocacia-Geral da União. Trata-se da advocacia consultiva e da responsabilidade do parecerista.

Dentre as diversas formas de atuação do Advogado Público, podem ser destacadas duas atividades: a atividade contenciosa e a atividade consultiva. Como já dito acima, o presente texto pretende iluminar a segunda linha de atuação.

A atuação consultiva do advogado público é direcionada ao assessoramento dos gestores públicos quando os mesmos pretendem praticar determinado ato administrativo em sentido amplo, seja na assinatura de um contrato administrativo, seja na realização de um convênio, ou ainda na elaboração de projetos de lei ou outro ato normativo.

A função do advogado nesta atividade é de analisar a viabilidade jurídica de determinada providência almejada pelo gestor, analisando a ampla juridicidade da mesma, deixando para o gestor a análise da conveniência e oportunidade da adoção de uma determinada medida.

Uma questão que até hoje segue controversa, e que tem influência direta na questão da responsabilização do parecerista, diz respeito à natureza jurídica do parecer.

A definição da natureza jurídica do parecer é um tema controverso na doutrina administrativista, mas que deve ser bem compreendida pelo candidato a uma vaga na advocacia pública.

Dentro da divergência doutrinária despontam duas correntes como principais: a primeira diz que o parecer é um ato da administração consultiva (corrente encabeçada por Celso Antônio Bandeira de Mello) e segunda diz que o parecer é um ato enunciativo (corrente encabeçada por Maria Silvia Zanella Di Pietro).

Para a primeira corrente – parecer como ato da administração consultiva – o parecer é aquele tipo de ato que visa informar o gestor, sugerir uma providência administrativa a ser estabelecida pelo administrador competente, elucidar uma questão jurídica existente. Transcrevendo trecho da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello, o autor ensina da seguinte forma: o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. (MELLO, 2001, p. 377)

Já para a segunda corrente – parecer como um ato enunciativo – o parecer jurídico é aquele ato pela qual a Administração Pública somente atesta ou reconhece determinada situação de fato ou de direito, mas não tem a aptidão para, por si só, produzirem efeitos jurídicos.

Esta segunda corrente é majoritária na doutrina nacional – Maria Silvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho, Adilson de Abreu Dallari – cabendo trazer trecho da obra de José dos Santos Carvalho Filho sobre o tema:

(…) o agente a quem incumbe opinar não tem o poder decisório sobre a matéria que lhe é submetida, visto que coisas diversas são opinar e decidir. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 134).

Desse dissenso doutrinário é possível chegar a uma conclusão que unifica ambas: o parecer jurídico, em regra, é um mero ato opinativo que não produz efeitos jurídicos e por isso não pode ser tido como ato administrativo. O parecer jurídico é uma manifestação que integra o procedimento administrativo que culminará coma expedição de um ato administrativo. Note-se então que ambas as correntes, não obstante as diferenças expostas, convergem para um mesmo ponto central, a de que o parecer jurídico não é um ato administrativo.

O Supremo Tribunal Federal tem o entendimento firmado no sentido de que o parecer jurídico não é um ato administrativo, mas sim uma opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnica que guiará o gestor na hora de decidir.

Outro ponto importante referente ao parecer jurídico é referente a sua classificação. Neste ponto me valerei de julgado do Supremo Tribunal Federal muito claro sobre o tema e que deve ser do conhecimento dos candidatos.

O STF no julgamento do Mandado de Segurança nº 24631/DF, da relatoria do Min. Joaquim Barbosa, de agosto de 2007 (Publicado no Informativo STF n. 475) classificou os pareceres da seguinte forma:

1)    Parecer Facultativo: sem qualquer vinculação da autoridade administrativa;

2)    Parecer Obrigatória: a autoridade administrativa fica obrigada a solicitar a emissão de parecer pela consultoria jurídica, mas a opinião ali emitida não condiciona a forma de agir do administrador;

3)    Parecer Vinculante: o administrador é obrigado a solicitar a emissão do parecer e este fica condicionado ao parecer, só podendo decidir na forma proposta pelo parecer.

Segue a decisão do STF como constou no informativo:

“Salientando, inicialmente, que a obrigatoriedade ou não da consulta tem influência decisiva na fixação da natureza do parecer, fez-se a distinção entre três hipóteses de consulta: 1. a facultativa, na qual a autoridade administrativa não se vincularia à consulta emitida; 2. a obrigatória, na qual a autoridade administrativa ficaria obrigada a realizar o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou não, podendo agir de forma diversa após emissão de novo parecer; e 3. vinculante, na qual a lei estabeleceria a obrigação de ‘decidir à luz de parecer vinculante’, não podendo o administrador decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir.”

Neste contexto surge a discussão se ao menos o parecer classificado como vinculante teria natureza jurídica de ato administrativo ou se o mesmo guardaria a sua condição de manifestação de exclusivo caráter opinativo. A discussão doutrinária é intensa e a solução está longe do consenso.

Autores da envergadura de José dos Santos Carvalho Filho ensinam o seguinte sobre os Pareceres Vinculantes:

“Pareceres vinculantes são os atos de opinião em que o órgão incumbido da prática do ato principal não somente tem a obrigação de solicitá-los preliminarmente, como também deve endossar ser conteúdo. Exatamente porque foge um pouco de sua característica mais marcante, sua existência encerra regime de exceção e só devem ser assim considerados quando a lei ou o regulamento dispuserem expressamente em tal sentido” (CARVALHO FILHO, Processo Administrativo Federal: comentários à Lei 9.784 de 29/1/1999, p.222)

Percebe-se assim que o parecer vinculante ele desnatura a essência do conceito de parecer com um ato meramente opinativo. Essa posição é endossada por Diégenes Gasparini:

“o parecer vinculante é, no mínimo, estranho, pois se a autoridade competente para decidir há de observar suas conclusões, ela deixa de ser parecer, opinião, para ser decisão” (GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, p. 143-144).

Até o clássico e respeitado autor Oswaldo Bandeira de Melo deixou consignado em sua obra que quando se edita um parecer vinculante, não havendo qualquer margem de decisão para o administrador, este parecer ganha contornos de ato administrativo, in verbis:

“Ao contrário, se a execução do ato pelo órgão ativo ficar estabelecida de forma absolutamente vinculada, a ponto de não lhe ser lícito mesmo deixar de agir, e dever cumprir o parecer, realmente, o pretenso órgão consultivo corresponderá, segundo a regência legal sobre a formação do ato, a parte do ato complexo, ou a ativo autônomo, autorização ou aprovação prévia, conforme faculte o exercício da atividade material ou jurídica” (BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo, Princípios Gerais de Direitos Administrativo, p. 585).

A decisão no Mandado de Segurança nº 24.631/DF, no Supremo Tribunal Federal foi clara dizendo que o parecer vinculante não é uma manifestação da administração com caráter meramente opinativa dado que o administrador não tem a possibilidade de decidir de forma diversa, mas não se manifestou dizendo que esta modalidade caracterizaria um ato administrativo.

Segue a ementa do julgamento:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir” (STF – MS 24.631/DF – Rel. Min. Joaquim Barbosa – 09/08/2007)

Toda a exposição acima permite que se conclua, com certa tranquilidade, que o pensamento dominante, inclusive no seio do STF é o de que o parecer vinculante, dada a impossibilidade do gestor decidir de forma diversa, não pode ser visto como um ato da administração de caráter meramente opinativo, tendo natureza jurídica de ato administrativo.

Por último cabe analisar o ponto central do texto que trata especificamente da responsabilidade do Advogado Público por conta da emissão de um parecer jurídico.

O Advogado Público submete-se a uma disciplina jurídico-constitucional peculiar, que mescla os regimes jurídicos do Advogado e dos servidores públicos. Desta maneira cabe observar que os advogados públicos são detentores de inviolabilidade em suas manifestações e atos, porém, enquanto funcionários públicos, têm como balizadores de seus atos o respeito e o cumprimento aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, todos esses expressos no texto da Constituição da República de 05 de outubro de 1988.

No que  toca aos pareceres facultativos e obrigatórios é tese pacífica em sede doutrinária e jurisprudencial que o advogado parecerista não pode ser responsabilizado pela sua opinião jurídica, dado que essas duas formas de manifestação são meramente opinativas, não podendo ser visto com o ato administrativo em si, mas apenas uma manifestação que o integra.

Assim entende o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMISSÃO DE PARECER – NATUREZA OPINATIVA – INEXISTÊNCIA DE CULPA GRAVE OU DOLO – PARECER DO PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIZAÇÃO DO PARECERISTA – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
1. O agravante, na qualidade de Coordenador Jurídico da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), emitiu parecer favorável à contratação, sem licitação, de especialista jurídico privado para subsidiar decisão administrativa, da dirigente da entidade, em sentido contrário à instauração de processo administrativo disciplinar, que apuraria irregularidades funcionais perpetradas pelo agravante e outros Procuradores Federais atuantes na SUFRAMA.
2. Conquanto os julgados do TCU não vinculem o Judiciário, observa-se que, in casu, que o Acórdão 801/2012 – Plenário foi proferido após detida análise de todos os elementos dos autos.
3. A prática de ato administrativo por agente público que tenha causado dano ao erário, ainda que fundamentado em parecer jurídico de consultoria jurídica, não gera como consequência necessária a responsabilidade do profissional da advocacia pública que subscreveu a peça jurídica. É imprescindível a existência de dolo (conluio com os agentes políticos) ou de culpa grave, revelando que o profissional agiu de má-fé ou foi grosseiramente equivocado ou desinteressado pelo estudo da causa ou do direito, a ponto de não conseguir se escusar do ato ilícito.
4. A função do Advogado Público (ou assessor jurídico) quando atua em órgão jurídico de consultoria da Administração é de, quando consultado, emitir uma peça (parecer) técnico-jurídica proporcional à realidade dos fatos, respaldada por embasamento legal, não podendo ser alçado à condição de administrador público, quando emana um pensamento jurídico razoável, construído em fatos reais e com o devido e necessário embasamento legal.
5. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (AG 0003263-55.2012.4.01.0000 / AM – 08/03/2013 – DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA SIFUENTES)

O precedente acima reproduzido coloca um ponto muito importante sobre o parecer a responsabilização do advogado público que o emitiu. O parecer jurídico não pode constituir manto para a prática de atos ilegais. O parecer não pode tampouco ser utilizado para perpetrar fraude, nem se distanciar dos interes­ses da Administração e das disposições legais a que ela está sujeita. Assim, a irresponsabilidade do advogado público na emissão de parecer jurídico persiste, desde que o mesmo não haja de forma dolosa, com a intenção de praticar crimes e/ou em conluio com o administrador para gerar danos ao patrimônio público.

Por sua vez, o parecer jurídico vinculante, como é evidente, tem um regramento jurídico diferente.

Tendo em vista as suas características acima delineadas a questão da responsabilidade civil do advogado público também é tratada de forma diversa. Vejamos.

Quando é emitido um parecer vinculante, isto é, se a decisão a ser tomada estiver adstrita aos termos do parecer, o advogado público será responsabilizado assim como o administrador, já que, neste caso, houve a parti­lha do ato decisório, uma vez que essa espécie de parecer possui o condão de vincular os atos administrativos praticados pelos gestores públicos.

Desta feita, o entendimento de que a responsabilização do parecerista é possível, depende, para tanto, da aná­lise da natureza jurídica do parecer (caráter vinculante), bem como nos casos de parecer facultativo ou obrigatório, caso evidenciado culpa ou erro grosseiro.

Não obstante, cabe ressaltar que diante de um parecer vinculante, o administrador, mesmo estando limitado a tomar a decisão nos termos dispostos no ato opinativo, possui a faculdade de, ao vislumbrar o parecer, decidir ou não decidir.

Ou seja, o administrador público, a partir de outros elementos e fatores decisórios além dos aspectos técnicos demonstrados no parecer, e utilizando as prerrogativas de conveniência e oportunidade a ele conferidas, pode optar por editar o ato administrativo ou não, mas se editar, deve fazer na forma determinada no parecer vinculante.

Dr. João Paulo Valle