A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE AGRESSÃO NO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

 

Uma das discussões fundamentais ocorridas durante os trabalhos que levaram à criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), por certo, foi relativa à definição de sua competência material.

Sobre o tema, Carlos Eduardo Adriano Japiassú, em sua obra “O Tribunal Penal Internacional: a Internacionalização do Direito Penal”, assim leciona:

“Dentro dessa grande diversidade de ilícitos penais, a Comissão de Direito Internacional, ao elaborar o seu Anteprojeto de Estatuto para um futuro Tribunal, reconheceu duas categorias de crimes. A primeira se referia ao genocídio, à agressão, às sérias violações das leis e dos costumes aplicáveis em conflitos armados, e aos crimes contra a humanidade. A segunda categoria dizia respeito a crimes definidos por tratados internacionais, tais como as infrações graves previstas pela Convenção de Genebra de 1949 e pelo seu 1º Protocolo Adicional de 1977, apartheid, tortura, certos atos de terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes. Os primeiros ficaram conhecidos como core crimes e os demais como treaty crimes.

(…)

Em assim sendo, nos termos do que estabelece o art. 5º do Estatuto, foram ao final aprovados como sendo de competência material da Tribunal os core crimes, optando-se por definir o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra, deixando a conceituação do crime de agressão para futura deliberação.” (op. cit. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. pp. 218-219)

Com efeito, o artigo 5º do Estatuto de Roma prescreve:

“Artigo 5º

Crimes da Competência do Tribunal

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:

a) O crime de genocídio;

b) Crimes contra a humanidade;

c) Crimes de guerra;

d) O crime de agressão.

2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.”

O crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra estão tipificados no Estatuto de Roma desde a sua criação, em 1998, nos artigos 6º, 7º e 8º, respectivamente.

A partir de uma iniciativa liderada, dentre outros, pela República Federativa do Brasil, uma Conferência de Revisão do TPI realizada em Campala, na Uganda, logrou, por meio da Resolução RC/Res.6, definir o crime de agressão e prever os procedimentos e regras à atuação do Tribunal Penal Internacional diante de atos de agressão. As decisões de Campala constituem, portanto, emendas ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, aprovado pelo Congresso nacional em promulgado pelo Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002.

Nos termos das emendas ao Estatuto de Roma aprovadas pela Conferência de Campala, considera-se que uma ou mais pessoas cometem um crime de agressão quando, estando em condições de controlar ou dirigir efetivamente a ação política ou militar de um Estado, planejam, preparam, iniciam ou praticam ato de agressão que, por suas características, gravidade e dimensão, venha a constituir violação manifesta da Carta das Nações Unidas.

Entende-se por “ato de agressão” o uso de força armada por parte de um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou de qualquer outra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas. De acordo com a Resolução 3314 (XXIX) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1974, quaisquer dos atos a seguir, independentemente de existir ou não declaração de guerra, será caracterizado como ato de agressão:

“(a) invasão ou ataque do território de um Estado pelas forças armadas de outro Estado, ou qualquer ocupação militar, mesmo temporária que resulte dessa invasão ou ataque, ou toda anexação, por meio do uso da força, do território de outro Estado ou de parte dele;

(b) bombardeio do território de um Estado pelas forças armadas de outro Estado ou o uso de quaisquer armas por um Estado contra o território de outro Estado;

(c) bloqueio de portos ou do litoral de um Estado pelas forças armadas de outro Estado;

(d) ataque pelas forças armadas de um Estado às forças armadas terrestres, navais ou aéreas de outro Estado, à sua frota mercante ou aérea;

(e) utilização de forças armadas de um Estado, que se encontrem no território de outro Estado com o consentimento do estado receptor, em violação às condições do consentimento ou como extensão de sua presença no referido território depois de retirado o consentimento;

(f) ação de um Estado que permite que seu território, quando posto à disposição de outro Estado, seja utilizado por esse outro Estado para praticar um ato de agressão contra um terceiro Estado;

(g) envio, por um Estado ou em seu nome, de grupos armados, de grupos irregulares ou de mercenários que pratiquem atos de força armada contra outro Estado, de tal gravidade que sejam equiparáveis aos atos antes enumerados, ou sua substancial participação na prática de tais atos.”

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional é um ato multilateral. Os atos internacionais podem ser modificados e emendados a critério das Partes celebrantes. Valério de Oliveira Mazzuoli assim leciona, em sua obra “Tratados Internacionais”:

Assim querendo as partes, todo tratado multilateral pode ter seu texto emendado. Tais emendas dependem única e exclusivamente da vontade das partes contratantes (art. 39 da Convenção). Diz-se da possibilidade de emendas nos tratados multilaterais posto que nos bilaterais a sua conclusão depende somente da vontade das duas partes envolvidas, prescindo, por isso, de regulamentação.” (op. cit. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. 2. ed. rev. e atual. p. 117, sem grifos no original)

De fato, a Convenção de Viena de 1969 regula a matéria nos parágrafos do seu artigo 40, da seguinte forma:

“1. A não ser que o tratado disponha diversamente, a emenda de tratados multilaterais reger-se-á pelos parágrafos seguintes.

2. Qualquer proposta para emendar um tratado multilateral entre todas as partes deverá ser notificada a todos os Estados contratantes, cada um dos quais terá o direito de participar:

a) na decisão quanto à ação a ser tomada sobre essa proposta;

b) na negociação e conclusão de qualquer acordo para a emenda do tratado.

3. Todo Estado que possa ser parte no tratado poderá igualmente ser parte no tratado emendado.

4. O acordo de emenda não vincula os Estados que já são partes no tratado e que não se tornaram partes no acordo de emenda; em relação a esses Estados, aplicar-se-á o artigo 30, parágrafo 4 (b).

5. Qualquer Estado que se torne parte no tratado após a entrada em vigor do acordo de emenda será considerado, a menos que manifeste intenção diferente:

a) parte no tratado emendado; e

b) parte no tratado não emendado em relação às partes no tratado não vinculadas pelo acordo de emenda.”

No ordenamento jurídico brasileiro, as emendas formuladas aos tratados multilaterais em que o Estado é parte têm, necessariamente, de se submeter ao referendum do Poder Legislativo, da mesma forma que a ratificação, salvo se esta não importou em consulta ao Parlamento. Maria de Assis Calsing assim ensina em seu trabalho “O tratado internacional e sua aplicação no Brasil”:

“Um último ponto que não deve ser esquecido quanto à emenda, diz respeito ao direito interno, ou aos pressupostos que, internamente, o Estado tem de ultrapassar para aceitar ou rejeitar uma emenda de um tratado do qual faz parte. Tal situação é óbvio, dependerá do direito interno de cada Estado. Mas, via de regra, para a aceitação ou rejeição da emenda, faz-se necessário percorrer o mesmo caminho que se fez para a ratificação do tratado objeto da emenda. Se para a ratificação o Estado necessitou da aprovação do legislativo, esta será necessária para a aceitação da emenda. Se a ratificação não importou em consulta ao parlamento, a aceitação ou não da emenda independerá do pronunciamento daquele órgão.” (op. cit. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília (UNB), 1984. p. 49)

Nesse mesmo sentido, o próprio Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002, que promulgou o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional:

“Art. 1º O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.

Art. 2º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.” (grifou-se)

O texto da Resolução RC/RES.6, adotada pela Conferência de Revisão do Estatuto de Roma em 11 de junho de 2010, que apresenta emenda ao texto do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, encontra-se, atualmente, em processo de incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro.