Nos últimos dias, dois casos concretos chamaram a atenção da imprensa pátria, e, por certo, dos nossos examinadores também: (i) o juiz condenado a ressarcir a União em ação de danos morais por ofender autor de ação que chegou usando chinelos e (ii) ação regressiva pela autarquia previdenciária com o objetivo de ressarcimento de valores pagos a título de pensão por morte aos filhos de segurada, vítima de homicídio praticado por seu ex-companheiro. Vamos nos limitar a comentar a ação regressiva da Lei Maria da Penha em razão do curto espaço.

Vamos dar uma passeada pela ação regressiva e seus conceitos antes de comentarmos os casos concretos. A ação regressiva é o instrumento processual por meio do qual a Fazenda Pública busca o ressarcimento de despesas determinadas pela ocorrência de atos ilícitos. A previsão legal está na Constituição, em seu artigo 37, parágrafos 4º e 5º, vejamos:

  • 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
  • 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Note-se que as ações de ressarcimento não possuem prazo prescricional para o seu ajuizamento, essa a interpretação que a doutrina majoritária confere ao art. 37, p. 5º. O Informativo 596 do Superior Tribunal de Justiça trouxe um caso que chamou a atenção: beneficiários da pensão por morte de uma segurada assassinada pelo ex companheiro trazem inegável despesa aos cofres públicos, não fosse seu assassinato, a Fazenda não teria tal despesa, por isso, legítima a cobrança do autor do fato de tais despesas. Verbis:

É possível o ajuizamento de ação regressiva pela autarquia previdenciária com o objetivo de ressarcimento de valores pagos a título de pensão por morte aos filhos de segurada, vítima de homicídio praticado por seu ex-companheiro.

Cinge-se a controvérsia a definir se a autarquia previdenciária faz jus a ressarcimento de benefícios previdenciários cuja origem é diversa daquela prevista nos arts. 120 e 121 da Lei n. 8.213/91, qual seja, acidente de trabalho. Com efeito, referidas normas são claras em autorizar o ajuizamento de ação regressiva em face da empresa empregadora causadora de dano à autarquia previdenciária em razão de condutas negligentes. Os referidos dispositivos, contudo, devem ser lidos à luz dos arts. 186 e 927 do Código Civil. Como se observa do cotejo dos dispositivos retromencionados, deve ser reconhecido ao INSS o direito de regresso – com base nos arts. 120 e 121 da Lei n. 8.213/91 – em casos nos quais se demonstre a ocorrência de ato ilícito – art. 186 do Código Civil – e a consequente necessidade de reparação – art. 927 do Código Civil. Restringir as hipóteses de ressarcimento ao INSS somente às hipóteses estritas de incapacidade ou a morte por acidente do trabalho nos quais há culpa do empregador induziria a negativa de vigência dos dispositivos do Código Civil. Assim, resta evidente que, apesar de o regramento fazer menção específica aos acidentes de trabalho, é a origem em uma conduta ilegal que possibilita o direito de ressarcimento da autarquia previdenciária. Isso fica mais evidente quando se verifica que o art. 121 da Lei de Benefícios, que prevê que o pagamento das prestações por acidente do trabalho pela Previdência Social, não excluirá a responsabilidade civil da empresa ou de outrem. Dessa forma, isso se traduz na possibilidade de cumulação de um benefício previdenciário com a reparação civil oriunda de um ato ilícito e, portanto, a abertura ao ressarcimento da autarquia. Em síntese, mostra-se acertada a tese de que é possível a ação regressiva da autarquia previdenciária contra o recorrente com o objetivo de ressarcimento de valores pagos a título de pensão por morte aos filhos de segurada vítima de homicídio cometido por seu ex-companheiro.

As ações regressivas constituem objeto de trabalho e orgulho no âmbito da PGF. Além do viés patrimonial em ressarcir-se o Erário, tem-se o caráter pedagógico com o fim de reprovar condutas não virtuosas (como de empregadores que não respeitam normas de segurança do Trabalho e causam, assim, acidentes; e casos de violência doméstica). Ademais, tem-se o caráter positivo, de tradução de posições públicas, como a conscientização acerca da segurança no ambiente de trabalho e da prevenção à violência contra a mulher.

No caso específico das ações previdenciárias, há previsão expressa no artigo 120 da Lei 8.213/1991: “Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.” Tal dispositivo cuida da hipótese de ação regressiva em face do empregador por descumprimento de normas e segurança do trabalho. Há ainda outras duas hipóteses: ação regressiva pelo cometimento de crimes de trânsito na forma do CTB e as ações decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários por ilícitos abrangidos pela Lei Maria da Penha. Estas últimas hipóteses, encaixam-se na regra geral de responsabilização civil, e são embasadas pelos artigos 186 e 927 do Código Civil.

Importante ressaltar que a competência para julgar as ações regressivas previdenciárias é da Justiça Federal. Tal restou definido no Conflito de Competência 59.970 perante o STJ. O polo ativo será sempre o INSS, agindo através da Procuradoria Federal.

Na última semana, celebramos o Dia Internacional da Mulher, revelando-se importante lembrar que dados estatísticos de violência contra a mulher são assustadores no Brasil, de acordo com a Comissão da Mulher da OAB:

Segundo o Mapa da Violência 2015, o país contabiliza 13 homicídios de mulheres por dia. E, mesmo com a aprovação da Lei 13.104/2015, que inseriu a prática no rol de crimes hediondos do Código Penal, a cada dia se ouve falar de mulheres mortas por sua condição de mulher. Em uma apuração feita pela revista Claudia, somente no primeiro mês deste ano foram contabilizados 50 casos de feminicídio divulgados pela mídia no Brasil. A pesquisa excluiu notícias de mulheres assassinadas sem pistas do suspeito e da motivação, por exemplo.

No Carnaval, a situação não foi diferente: o balanço divulgado pela Polícia Militar revelou que ao menos uma mulher foi agredida a cada quatro minutos durante os cinco dias da festa no Rio de Janeiro, entre as 8h do dia 24 de fevereiro e 8h de 1º de março. A PM informou que foram realizados 15.943 atendimentos neste período e, deles, 2.154 eram derivados de pedidos de socorro sobre violência contra mulher.[1]

Não há como distorcer os fatos: são, sim, assustadores. As ações regressivas constituem medida de implementação de política pública contra a violência doméstica também. E, em razão do julgado recente pelo STJ, há grandes chances de ser cobrada em provas. Com esta exposição, espero tê-los ajudado a um possível enfrentamento em concursos.

Bons estudos!

[1]http://www.oabrj.org.br/noticia/106795-8-de-marco-o-que-ha-para-comemorar