Alterações no estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte – possibilidade de baixa na empresa, a qualquer tempo, sem quitação dos débitos fiscais e previsão de responsabilidade solidária dos sócios

Recentemente, o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, LC nº 123/2006 fora alterado pela Lei Complementar nº 147/2014, trazendo algumas inovações ao ordenamento jurídico brasileiro. Por se tratar de tema atual, é de se chamar atenção para a possibilidade de cobrança pelas bancas examinadoras dos concursos que estão por vir.

Dentre as principais alterações, no que tange à seara tributária, destacam-se a inclusão de novas atividades que podem ser incluídas no simples nacional e as respectivas alíquotas; a possibilidade de baixa, a qualquer tempo, das referidas pessoas jurídicas, dispensando-se a apresentação das certidões débitos fiscais; bem como a manutenção da previsão de responsabilidade solidária dos sócios de tais empresas por eventuais débitos fiscais que surjam após a sua baixa.

A DISPENSA DE CERTIDÕES FISCAIS PARA BAIXA DE MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE A QUALQUER TEMPO

Na publicação anterior, abordou-se a situação da dissolução irregular, na qual a pessoa jurídica, sem proceder à devida baixa em seu registro na junta comercial, para a qual é necessária a apresentação de certidões de débitos fiscais, fecha as suas portas e liquida seus bens. Tal ato caracteriza violação à lei e atrai a aplicação do artigo 135, III, do CTN, com responsabilização dos sócios administradores.

Ocorre que, no que tange às microempresas e às empresas de pequeno porte, o referido estatuto prevê tratamento totalmente diferente. O seu artigo 9º, com a redação dada pela Lei Complementar nº 139/2011, previa a possibilidade de ser dada baixa, perante a junta comercial, nas microempresas e empresas de pequeno porte sem movimento há mais de 12 meses, independentemente da existência de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas pendentes. A Lei Complementar nº 147/2014 modificou referido dispositivo, ampliando este tratamento diferenciado, possibilitando, assim, que a baixa ocorra a qualquer tempo, eliminando-se, pois o requisito temporal de 12 meses sem movimentação.

Nem é preciso dizer que esta alteração se deu no sentido de consolidar os privilégios e tratamentos diferenciados às microempresas e empresas de pequeno porte, em cumprimento à previsão dos artigos 170 e 179, da Constituição Federal, somando-se, assim, a diversos outros privilégios já existentes no direito brasileiro em favor destas modalidades de empresas.

No entanto, efetivada a baixa, a qualquer tempo, sem a quitação dos tributos, como ficaria a atuação das Fazendas na recuperação do crédito público?

Em resposta à questão acima, o próprio artigo 9º, do estatuto antes referido, em seus parágrafos 4º e 5º, modificados pela Lei Complementar nº 147/2014, que atualizou a previsão já existente, dispõe que

“§ 4º A baixa do empresário ou da pessoa jurídica não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados tributos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da falta do cumprimento de obrigações ou da prática comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial de outras irregularidades praticadas pelos empresários, pelas pessoas jurídicas ou por seus titulares, sócios ou administradores.

§ 5º A solicitação de baixa do empresário ou da pessoa jurídica importa responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores”.

Ou seja, referido normativo, como forma de compensar o tratamento favorecido àquelas empresas com a não frustração de suas obrigações perante o Fisco prevê a responsabilidade solidária dos empresários, titulares, sócios e administradores que atuaram na pessoa jurídica à época dos fatos geradores.

ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ART. 9º, § 4 E 5º, DA LC 123/06

Primeiramente, deve-se observar que, ao passo em que o Código Tributário Nacional, em seu artigo 135, III, prevê que a responsabilidade pessoal deve recair sobre aqueles que estejam na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e pratiquem ato com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos, o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte prevê a responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos administradores. Ou seja, não limita a responsabilidade aos que exercem a gestão da sociedade, bem como prevê a incidência desta responsabilidade pelo próprio surgimento de débitos e do encerramento regular, sem cogitar da obrigatoriedade de infração à legislação.

Ademais, o entendimento quanto à dissolução irregular e aplicação do artigo 135, III, do CTN, é de penalizar aquele sócio administrador à época da dissolução irregular, sob a justificativa de que fora ele que praticara ato de infração à lei, qual seja, o encerramento irregular da sociedade. A previsão estatutária, por sua vez, refere-se àqueles que atuaram no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores.

Por tal motivo, diverge-se sobre o tratamento favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte. Muitos entendem que não se trata, aqui, de privilégio. Apesar do favorecimento no que se refere à possibilidade de encerramento a qualquer tempo sem a apresentação de certidão, a responsabilidade prevista para os sócios seria mais severa do que a que o ordenamento reservou às demais empresas, desestimulando, portanto, a constituição dessas modalidades de pessoas jurídicas empresariais.

APLICAÇÃO DO DISPOSITIVO NO ÂMBITO JURISPRUDENCIAL

Poucas foram as vezes que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça se manifestaram sobre referida previsão legal (que já existia no mencionado Estatuto anteriormente à LC nº 147/2014).

O STF, em 01/07/2013, quando do julgamento do ARE 744532, entendeu por desprover o agravo (art.544, do CPC), argumentando que a decisão do Tribunal a quo que inadmitiu o Recurso Extraordinário sob o fundamento de que a dissolução regular da microempresa, em aplicação do artigo 9º, da LC nº 123/06, só atrairia a responsabilidade dos sócios se enquadrada nas situações do artigo 135, III, do CTN estaria correta e na mesma linha do já decido no RE nº 562276/PR. Nada falou, no entanto, sobre sua inconstitucionalidade.

Para rememorar, este último decisório, à época, entendera pela inconstitucionalidade formal (art. 146, III, b, CF) e material do artigo 13, da Lei 8620/93, que previa a responsabilidade solidária dos sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada por débitos da pessoa jurídica junto à Seguridade Social, respondendo com seus bens pessoais. Para o STF, a aplicação do artigo 124, II, do CTN, no sentido de que são solidariamente obrigadas as pessoas expressamente designadas em lei, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem que observe os requisitos exigidos no artigo 128, bem como as regras matrizes de responsabilidade de terceiros dos artigos 134 e 135, do CTN.

O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 1216098/SC (em 31/05/2011), do AgRg no AREsp 271.840/RS (12/03/2013) e AgRg no REsp 504349/RS (13/06/2014), ao analisar a suposta violação ao artigo 9º, da LC 123/2006, entendeu que somente as irregularidades constantes do artigo 135, do CTN, seriam aptas a permitir o redirecionamento do processo executivo aos sócios e que aplicar a responsabilidade prevista no Estatuto seria deturpar o próprio intuito de fomentar e favorecer as empresas inseridas no contexto daquela lei. Ademais, fora feita referência à orientação firmada pelo STJ no Recurso Repetitivo REsp nº 1.101.728/SP, segundo a qual “a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios, prevista no art. 135 do CTN”.

Assim, deve-se ter em mente que, apesar das poucas vezes em que se manifestaram, os superiores tribunais se posicionaram por considerar a aplicação da previsão no estatuto em estudo como responsabilização do sócio por mero inadimplemento tributário, bem como pela necessidade da aplicação de tal dispositivo ser feito nos termos da previsão do artigo 135, III, do CTN.

Em que pese o entendimento jurisprudencial acima mencionado, que deve sempre ser mencionado ao responder questões que envolvem os assuntos ora debatidos, colacionam-se alguns argumentos que poderiam ser utilizados na defesa da Fazenda pela aplicação do referido dispositivo:

1)      O dispositivo se encontra válido e constitucional, ainda não tendo havido decisões em sentido diverso;

2)      A LC 147/2014 reafirmou a vontade do legislador e, assim, do povo, ao atualizar a previsão da responsabilidade solidária dos sócios;

3)      Se objetivasse o legislador a mera aplicação do artigo 135, III, do CTN, não seria necessário tratar expressamente da matéria no estatuto;

4)      Diferentemente do decidido em relação ao artigo 13, da Lei 8620/93, não padece a previsão estatutária de inconstitucionalidade formal, posto que regulada por meio de Lei Complementar;

5)      Também não há inconstitucionalidade material. A previsão do artigo 9º e seus parágrafos, do estatuto, compatibilizam-se com a previsão do artigo 135, III, do CTN, na medida em que, o que se dispensa é a apresentação de certidão, e não o pagamento de débitos existentes. Os sócios que solicitam a baixa da empresa sem que os tributos sejam pagos e, ao menos, tenham reservados bens da empresa cometem ato ilícito, incorrendo em abuso de direito, o que é perfeitamente enquadrado no dispositivo do CTN acima mencionado;

6)      O estatuto não obriga a não apresentação de certidões, mas facilita o encerramento das pessoas jurídicas. Acaso o sócio queira se resguardar de eventual cobrança, poderia proceder ao encerramento da empresa com arquivamento das certidões negativas;

7)      Permitir o encerramento regular, a qualquer tempo, sem a apresentação das certidões fiscais, impossibilitaria a recuperação do crédito público, uma vez que, encerrada a empresa e liquidados os seus bens, não haveria meios de se efetivar a garantia de eventual execução fiscal, inviabilizando, pois, a cobrança apenas em face da pessoa jurídica. Como cobrar um débito de alguém que não mais existe no mundo fático e jurídico?

8)      A aplicação do artigo 9º apenas quanto à facilidade da baixa, sem considerar a responsabilização dos sócios, daria ensejo e estímulo a fraudes. Bastaria que determinada pessoa jurídica, que se enquadre nas condições do estatuto, contraia débitos, solicite sua baixa e venda seus bens, livrando-se, assim, do pagamento dos créditos fiscais, sem responsabilidade dos sócios e em prejuízo de toda a sociedade. Esta situação de fraude deve ser enquadrada como violação à lei, nos termos do artigo 135, III, do CTN;

9)      Tal situação não se enquadra no decidido pelo STJ no Recurso Repetitivo 1101728/SP, em que se discutia a cobrança em face dos sócios pelo simples inadimplemento da pessoa jurídica, que existia e, assim, possuía condições, por si só, de responder pelo respectivo débito. No presente caso, trata-se de situação atípica, com débito em face de pessoa jurídica encerrada, sem bens e sem condições de arcar com o pagamento de seus credores, sendo a responsabilização de seus sócios, que assumiram tal possibilidade, o único meio de se proceder à recuperação do crédito público.

Atentem-se, sempre, aos termos em que questionados pelo examinador. Referindo-se apenas à letra fria do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, a responsabilidade solidária existe. Questionado sobre o entendimento jurisprudencial, inclusive quanto ao decidido no Recurso Repetitivo 1101728/SP, concluir pela impossibilidade de previsão legal de responsabilidade solidária pelo simples inadimplemento ou por não seguir os ditames gerais das normas específicas de responsabilidade de terceiros do CTN. Por fim, tratando-se de situação, em provas subjetivas, peças processuais ou provas orais, em que há espaço para defender a aplicação do dispositivo, no intuito de favorecer a recuperação do crédito público (Provas de Procuradorias), os argumentos acima podem ser de grande valia, sem esquecer, é claro, de demonstrar o conhecimento geral sobre a matéria, que inclui o entendimento jurisprudencial.

Grande abraço e até a próxima.

Rodolfo Cursino, Procurador da Fazenda Nacional.

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