Olá, pessoal. Tudo bem?

Hoje vou falar sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, novidade do CPC/15, abordando a possibilidade de aplicação do mesmo às execuções fiscais de dívida tributária. O tema foi objeto de enunciado da ENFAM e já surgem acórdãos dos TRFs e decisões monocráticas do STJ sobre a problemática, razão pela qual a leitura se torna obrigatória para aqueles que se preparam para concursos da Advocacia Pública e também aos que estudam para a DPU, na medida em que esta atua em execuções fiscais na defesa do executado.

Como cediço, com o CPC/15, passou a ser regulado o modo de aplicação da sanção de desconsideração da personalidade jurídica no processo. Isso porque, ao tratar das modalidades de intervenção de terceiros, o Novo Código prevê incidente processual próprio, a fim de assegurar o contraditório àquele que possa vir a figurar como parte no processo e a ser responsabilizado.

Com efeito, de acordo com o disposto pelos artigos 133 a 137 do CPC/15[1], o incidente se aplica a todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento da sentença e na execução de título extrajudicial, dependendo de requerimento da parte ou do MP e sendo dirigido ao sócio ou à pessoa jurídica cujo patrimônio se busca alcançar (desconsideração inversa).

Além disso, o incidente suspende o processo, salvo quando requerida a desconsideração na própria petição inicial, caso em que o sócio (ou a sociedade, no caso da desconsideração inversa) será citado em litisconsórcio eventual com o devedor, dispensando-se o incidente.

Em se tratando de Execução Fiscal de dívida tributária, é possível o “redirecionamento”, em decorrência da responsabilidade patrimonial do sócio-gerente ou administrador, o que se dá com fulcro nos arts. 134, VII, e 135, III do CTN.

Nesse contexto, a dúvida que surge é a seguinte: O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, aplica-se às Execuções Fiscais de dívidas tributárias?

A doutrina se divide sobre o assunto. Há que defenda a aplicação do incidente ao executivo fiscal, com fundamento no art. 134 do NCPC, o qual dispõe ser o mesmo aplicável à execução extrajudicial.

Por outro lado, é forte o argumento de que a Execução Fiscal é regida por lei especial, qual seja, a Lei nº 6.830/80, que, em seu artigo primeiro, prevê a aplicação subsidiária do CPC, razão pela qual não encontra lugar o referido incidente em tais ações, seja em caso de redirecionamento fundado no CTN ou na hipótese de desconsideração, com base no art. 50 do CC.

Leonardo Carneiro da Cunha é a favor da aplicação do incidente à Execução Fiscal, tanto em casos de desconsideração da personalidade jurídica quanto nas hipóteses de responsabilidade do sócio em decorrência do regime jurídico a que se sujeita ou em virtude do exercício da administração em desacordo com as normas legais, estatutárias ou contratuais.

Para o autor, não é possível simplesmente “redirecionar” uma execução sem que sejam apurados os elementos subjetivos da responsabilidade, assegurados o contraditório e a ampla defesa, o que torna imperativo que, na execução fiscal, a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento sejam feitos pelo incidente previsto no CPC/15.

Nada obstante, ao que se depreende dos enunciados doutrinários aprovados sobre o assunto e da jurisprudência, a posição que vem prevalecendo é a de que NÃO se aplica o incidente dos arts. 133 a 137 do CPC/15 ao executivo fiscal na hipótese de redirecionamento com fundamento na responsabilidade tributária.

Com efeito, no II Fórum Nacional de Execução Fiscal (FONEF), os magistrados federais aprovaram, por unanimidade, a orientação segundo a qual “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 133 do NCPC, não se aplica aos casos em que há pedido de inclusão de terceiros no polo passivo da execução fiscal de créditos tributários, com fundamento no art. 135 do CTN, desde que configurada a dissolução irregular da executada, nos termos da súmula 435 do STJ.

Do mesmo modo, ao analisar os impactos do Novo CPC, o Fórum de Execuções Fiscais da 2ª Região (FOREXEC) firmou a orientação de que “a responsabilidade tributária regulada no artigo 135 do Código Tributário Nacional não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no art. 133 do CPC/2015”.

Por seu turno, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), posicionou-se no mesmo sentido ao aprovar o Enunciado 53, segundo o qual “o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC”.

No âmbito da jurisprudência, os Tribunais Regionais Federais se posicionam de forma uníssona[2] pela inaplicabilidade do incidente no caso de redirecionamento em execução de dívida tributária, utilizando-se dos seguintes fundamentos:

(i) o requerimento se baseia na responsabilização do sócio por ato próprio e não na utilização abusiva da personalidade jurídica, nos termos do art. 50 do Código Civil;

(ii) Incompatibilidade do incidente com o rito previsto na Lei de Execuções Fiscais;

(iii) O incidente de desconsideração da personalidade jurídica dos artigos 133 a 137 do CPC/2015 não é cabível nos casos de execução fiscal de dívida tributária, em que a responsabilidade não é determinada em decisão judicial mas decorre diretamente de lei.

A propósito, ao apreciar a matéria em sede de Recurso Especial, o STJ vem mantendo a conclusão firmada pelos Tribunais Regionais Federais, compartilhando do entendimento pela inaplicabilidade do procedimento previsto no CPC/15 em caso de redirecionamento do executivo fiscal tributário, ex vi:

“[…]Em relação à alegada ofensa aos arts. 133, 134 e 135 do CPC/2015, diante da não aplicação das regras relacionadas ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, verifica-se que o Tribunal de origem afastou a análise de tais argumentos observando que na execução fiscal não se aplica o contido nos referidos regramentos, em conformidade com o enunciado 53 do ENFAM.” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.669.488 – PR (2017/0100197-5), MINISTRA REGINA HELENA COSTA, Pub. 23.05.2017)

Sob o prisma da Fazenda Pública, a solução que vem sendo adotada se mostra acertada, na medida em que responsabilidade tributária de terceiros, não desconsidera a pessoa jurídica devedora, apenas imputa aos terceiros indicados pelo legislador, e que no caso estão vinculados à pessoa jurídica, a obrigação pelo pagamento dos débitos, não se confundindo com a desconsideração da personalidade jurídica.

Por fim, em se tratando de débitos não tributários, caso em que a desconsideração se dá com base no art. 50 do CC, é possível vislumbrar, igualmente, julgados pela inaplicabilidade do incidente, em razão de sua incompatibilidade com a Lei 6.830/80, não se tratando, contudo, de entendimento pacífico, sendo prudente o aguardo da consolidação da jurisprudência a esse respeito.

            Bons estudos!

            Referências bibliográficas

            CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

            DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1, Salvador: Juspodivm, 2016.

[1]    Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

  • 2oAplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

   Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

  • 1oA instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
  • 2oDispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
  • 3oA instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
  • 4oO requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

   Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

   Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

   Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

   Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

[2]                     Nesse sentido: TRF-2 – AG: 00092648720164020000 RJ 0009264-87.2016.4.02.0000, Relator: José Antonio Neiva, Data de Julgamento: 02/12/2016, 7ª Turma Especializada; TRF-3 – AI: 00123798920164030000 SP, Relator: Desembargador Federal Hélio Nogueira, Data de Julgamento: 04/04/2017, Primeira Turma, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/04/2017; TRF-4 – AG: 50469559320164040000 5046955-93.2016.404.0000, Relator: Cláudia Maria Dadico, Data de Julgamento: 29/11/2016, Segunda Turma; (AG 0047304-68.2016.4.01.0000 / GO, Rel. Desembargador Federal Marcos Augusto De Sousa, Oitava Turma, e-DJF1 de 28/04/2017.