Olá pessoal, tudo beleza?

Hoje vamos tratar de um importantíssimo tema para quem se prepara para concurso público. Sabemos que o tema da incidência ou não do princípio da insignificância em casos concretos costuma ser, na prática, bastante polêmico. Especificamente em relação ao descaminho, temos algumas discordâncias e tensões entre os Tribunais Superiores, razão pela qual é tema praticamente certo, mormente em provas para a área federal.

Particularmente, no presente texto, abordarei uma vertente pouquíssimo abordada em livros de direito penal e recentemente objeto de precedente (não vinculado em informativo) pela 2ª Turma do STF, fazendo com que “suba na minha bolsa de apostas para certames vindouros”.

Antes, porém, de analisar essa possibilidade ou não de aplicação retroativa dos patamares normativos da insignificância nos crimes de descaminho, cumpre fazer uma rápida revisão, ok?

Devemos entender o postulado da insignificância (ou bagatela própria) dentro da análise do aspecto da tipicidade no conceito de crime. De maneira mais objetiva, trata-se, caso verificada no caso concreto, para a maior parte da doutrina especializada, de uma causa excludente de tipicidade da conduta, em sua faceta material (tipicidade material).

As Cortes pátrias, ao arrepio da lei, criaram verdadeiros vetores interpretativos para a conferência acerca da presença ou não desse princípio no caso concreto, saltando aos olhos os “famosos” (a) a mínima ofensividade da conduta, (b) a ausência de periculosidade social da ação, (c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica.

Nos crimes tributários (em sentido amplo, incluindo-se aí o descaminho), não há muito questionamento acerca da possibilidade da aplicação da insignificância, variando apenas o critério acerca do quantum envolvido para a sua aplicação.

Até 2012, depois de algum debate, tanto o STF, como também o STJ uniformizaram o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a incidência da insignificância nos crimes tributários, com base no art. 20 da Lei 10.522/2002[1]. O raciocínio que prevaleceu, de maneira coerente, foi o de que se para a Administração Pública (Poder Executivo) o valor inferior a 10 mil reais era irrelevante de modo a justificar um “não atuar”, com mais razão, tendo em vista o princípio da ultimaratio do Direito Penal, a mesma conduta não se revelaria apta a “abalar” bens jurídicos tutelados pelo referido ramo jurídico.

Em 2012, com a publicação da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda[2], editada com o intuito de atualizar os valores apresentados na Lei 10.522/02 (art. 20), fixando-os em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), uma (nova) divergência se verificou entre STF e STJ.

É que o Supremo Tribunal Federal, seguindo o raciocínio coerente outrora adotado para admitir a insignificância com base nos valores utilizados pela Administração na decisão de ajuizamento ou não de execuções fiscais, modificou o patamar na seara criminal acompanhando a atualização da Portaria 75/2012, o que não se verificou pelo STJ.

Atualmente, portanto, temos:

STF (20 mil reais)

STJ (10 mil reais)

Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. (HC 139393, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 28-04-2017 PUBLIC 02-05-2017).

No julgamento do REsp n. 1.112.748/TO (representativo de controvérsia), consolidou-se orientação de que incide o princípio da insignificância ao crime de descaminho quando o valor do débito tributário não ultrapasse o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, inaplicável ao caso dos autos.2. A Portaria MF n. 75, de 22 de março de 2012, do Ministério da Fazenda, por cuidar de norma infralegal que não possui força normativa capaz de revogar ou modificar lei em sentido estrito, não tem o condão de alterar o patamar limítrofe para a aplicação do princípio da bagatela. (AgRg no REsp 1557624/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 05/05/2017).

Beleza, Pedro! A revisão foi ótima, mas tudo isso já estava de certa forma consolidado, não é? Houve alguma novidade especial?

Sim! Vamos a ela! Imagine que Adauto tenha praticado um descaminho com prejuízo de R$ 12.000,00 (doze mil reais), em data anterior à edição das Portarias 75 e 130 que atualizaram e aumentaram o valor adotado como parâmetro da insignificância no STF.

Devemos, então, questionar: esse limite atualizado e ampliado pode ser aplicado para condutas anteriores à edição das referidas portarias? Em outras palavras, elas teriam o condão de produzir efeitos retroativos?

De acordo com o Ministro Ricardo Lewandowski, acatando pedido manejado pela Defensoria Pública da União em ordem de habeas corpus, “o princípio da insignificância deve ser aplicado aospacientes mesmo que o suposto crime tenha sido cometido antes davigência das Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, pois anorma superveniente mais benéfica, como é corrente na doutrina e najurisprudência, retroage em favor dos acusados”.

Para sanar eventuais dúvidas, vale conferir o arresto recém publicado da 2ª Turma, referente ao HC 139.393:

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II – Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado antes das referidas Portarias, conforme assenta a doutrina e jurisprudência, norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado. III – Ordem concedida para trancar a ação penal.(HC 139393, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 28-04-2017 PUBLIC 02-05-2017).

Tema de grande importância, repito, para quem se prepara para concursos públicos, sobretudo na seara federal!

E, claro, é tema que deve ser separado e estudado com carinho para o concurso da DPU que se avizinha, já que se trata de tese institucional acolhida pelo colegiado do Supremo Tribunal!

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

https://www.facebook.com/Profpedrocoelho/

[1]Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

[2]Art. 1º Determinar:II – o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”