Olá pessoal, tudo beleza?

Hoje vamos falar de um tema que definitivamente estará na prioridade dos examinadores de processo penal nos próximos concursos! Falo isso com a certeza de que estou vivo!

Se a formação da coisa julgada material em casos de arquivamento de inquérito policial já era um tema adorado pelas bancas, com o novo julgamento do Plenário do STF definindo a questão naquela Corte, isso ficará ainda mais em evidência. Mormente se considerarmos que (ao menos por enquanto), o STJ possui posicionamento diferente!

Antes, vamos revisar alguns tópicos importantes para a compreensão integral da matéria, certo?

Arquivamento da investigação preliminar é uma das medidas possíveis de serem adotadas pelo membro do Ministério Público quando se depara com o inquérito policial (ou qualquer outra peça de informação), sobretudo quando não vislumbrar o preenchimento das condições da ação penal. Nesse sentido, vale conferir o teor do artigo 18 do CPP:

Art. 18.  Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.

Apesar de ser medida pleiteada pelo membro do Ministério Público, vale salientar que é possível asseverar que se trata, em verdade, de um “ato complexo”. É que para sua efetivação, faz-se necessário que a autoridade judiciária competente homologue esse pedido ou, caso discorde, aplique a previsão do artigo 28[1] do CPP.

Questão controversa se refere ao reconhecimento da coisa julgada na decisão que homologa o arquivamento do inquérito policial. Sabe-se que há, fundamentalmente, dois tipos de coisa julgada: (i) a formal e a (ii) material.

Por coisa julgada formal, deve-se entender o fenômeno de caráter endoprocessual, ou seja, a partir dela não mais se pode modificar a decisão dentro da mesma relação processual, não havendo óbices, contudo, para eventual rediscussão em outro processo, desde que preenchidos alguns requisitos. Lado outro, a coisa julgada material é ainda mais ampla e foge dos limites de determinada relação processual. É dizer, pois, que ao se asseverar que determinada decisão foi alcançada pela coisa julgada material, estaremos a afirmar que aquele decisum não mais poderá ser modificado na mesma ou em outra relação processual.

Grande celeuma que envolve a coisa julgada nas decisões que homologam os pedidos de arquivamento de investigação criminal efetivados pelos membros do Ministério Público é se elas se revestem do manto da coisa julgada formal e material.

A regra é que, uma vez determinado o arquivamento do inquérito, a sua reabertura é condicionada ao surgimento de notícias de novas provas, inclusive com possibilidade de apresentação de ação penal, condicionando-se à demonstração cabal de surgimento efetivo de novas provas. Por tal razão, aponta-se que a decisão de arquivamento, em regra, é regida pela cláusula rebus sic stantibus. Mantidas as circunstâncias e pressupostos verificados quando do arquivamento, a decisão deve se manter intangível. Lado outro, havendo alterações no acervo probatório (notícias de novas provas), é possível o desarquivamento.

Tem-se, pois, em outras palavras, que a regra é de coisa julgada formal, com efeitos endoprocessuais, ressalvando a possibilidade de revisão da decisão caso haja notícias de novas provas. Essa conclusão é extraída do teor do artigo 18 do CPP (supratranscrito) e da Súmula 524 do STF:

Súmula 524 STFArquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.

Pedro, há exceção a esse entendimento? Há alguma possibilidade de a decisão de arquivamento produzir coisa julgada material?

Tradicionalmente, a maior parte da doutrina processual penal (não é unanimidade) afirma que há casos em que devemos reconhecer que a decisão homologatória do arquivamento do inquérito policial tona-se imutável e impede, definitivamente, tanto o desarquivamento do inquérito, quanto à propositura de ação penal.

Existe, em casos tais, a coisa julgada material, ou seja, um grau de imutabilidade da decisão de arquivamento que impede nova persecução penal pelo mesmo fato. Isso se verifica, conforme ensina o professor da USP Gustavo Henrique Badaró[2], nas hipóteses em que o arquivamento se opera não em razão de uma mera constatação de insuficiência de elementos de informação sobre a existência material do fato ou de sua autoria, já que nesses casos há apenas a coisa julgada formal (rebus sic stantibus). A coisa julgada material seria formada quando, a partir de reconstrução fática segura, houver o reconhecimento de (i) atipicidade dos fatos investigados, (ii) extinção da punibilidade ou ainda (iii) EXCLUDENTE DA ILICITUDE.

Nesses casos apontados como exceção, há indubitavelmente uma manifestação do juízo acerca de matéria meritória, razão pela qual se estaria diante de juízo de convencimento quanto à inexistência de conduta criminosa, ao contrário de um mero juízo de insuficiência probatória. Apesar de ser essa a minha opinião, compartilhada (repita-se) por grande parte da doutrina especializada, em relação especificamente à formação da coisa julgada material quando o arquivamento do inquérito policial se pautar em CAUSA EXCLUDENTE DA ILICITUDE, há intensa e severa divergência jurisprudencial.

No Superior Tribunal de Justiça, essa matéria é mais tranquila e, acompanhando a doutrina, a Corte recentemente ratificou o entendimento de que “promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa (leia-se qualquer causa excludente da ilicitude), a coisa julgada material impede rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas” (vide REsp 791.471/RJ) .

Já na Suprema Corte (STF), o tema sempre foi objeto de intensa controvérsia. Em nossas aulas de processo penal na EBEJI mencionávamos um julgado (até então) ISOLADO da 1ª Turma, no HC 95.211/ES, em que se concluiu que “decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do Ministério Público e determinada por juiz competente, que reconhece que o fato apurado está coberto por excludente de ilicitude, não afasta a ocorrência de crime quando surgirem novas provas, suficientes para justificar o desarquivamento do inquérito, como autoriza a Súmula 524 deste Supremo Tribunal Federal”.

Como salientado, inicialmente tal posicionamento parecia aplicado apenas em relação a um caso concreto, isolado! Todavia, no ano de 2015, houve um “novo capítulo” dessa polêmica, publicada no Informativo 796. Pela importância, vale conferir a ementa:

 EMENTA Habeas corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II). Arquivamento de Inquérito Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42, inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento jurisprudencial da Corte. Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de corréu pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF. Ordem denegada. 1. O arquivamento de inquérito, a pedido do Ministério Público, em virtude da prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (CPM, art. 42, inciso III), não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente. 2. (…) 3. Ordem denegada. (HC 125101, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 25/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 10-09-2015 PUBLIC 11-09-2015).

Assim, em relação à formação da coisa julgada material quando o fundamento do arquivamento de IP for uma causa excludente da ilicitude, passamos a ter entendimentos tanto da 1ª Turma, como também da 2ª Turma, a partir de 2015.

Pedro, podíamos dizer que a posição do Supremo estava consolidada?

Não! Isso porque a formação da Corte sofreu uma série de modificações e não tínhamos uma posição do Plenário! Restava pendente no Pleno o julgamento da tese no HC 87.395/PR, cujo andamento ficou suspenso até o final do mês de março de 2017! Havia 3 votos favoráveis à tese de que a partir do momento em que uma excludente de ilicitude é invocada para justificar o arquivamento, há produção da coisa julgada formal e também material!!!

Bacana, mas e o que prevaleceu?

O entendimento do STF, agora pacificado, após os votos favoráveis dos Ministros Lewandowiski, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Carmen Lúcia e Barroso foi no sentido de apontar que a jurisprudência do STF é no sentido de que o arquivamento produz coisa julgada material no caso de prescrição ou atipicidade da conduta, mas NÃO em casos de excludente da ilicitude!

Conforme noticiado no Informativo dessa semana do STF (858), a conclusão do Plenário foi no sentido de que “o arquivamento de inquérito policial por excludente de ilicitude realizado com base em provas fraudadas não faz coisa julgada material. (…) Asseverou que o arquivamento do inquérito não faz coisa julgada, desde que não tenha sido por atipicidade do fato ou por prescrição”.

 

Conclusão 1: O STJ entende, de maneira tranquila, que há nessas situações a formação da coisa julgada formal e também material, razão pela qual a rediscussão dos mesmos fatos é impossível. Da mesma forma, assim se posiciona a doutrina especializada majoritariamente.

Conclusão 2: O STF, através do recentíssimo posicionamento de seu órgão Plenário, entende em sentido diverso ao STJ, apontando que, ao contrário da atipicidade e extinção da punibilidade, o arquivamento com base em excludente de ilicitude somente faria coisa julgada formal e, com o surgimento de novas provas, seria possível o desarquivamento das investigações.

Conclusão 3: Teremos que aguardar como se comportará a jurisprudência do STJ, pois é possível que venha a aderir ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que por sua vez (por ora) não é vinculante!

Espero que tenham gostado! Com a certeza de que estou vivo, posso afirmar que isso será questão de próximas provas! Sendo assim, redobrar a atenção é imprescindível!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

https://www.facebook.com/Profpedrocoelho/

[1] Art. 28.  Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

[2] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. Editora Elsevier, 2ª edição, 2014, pág. 88.