Em importante decisão tomada nesta segunda feira, dia 12 de março de 2018, o Min. Alexandre de Moraes (STF) determinou que os pedidos de aposentadoria especial de quatro servidores públicos municipais, ocupantes do cargo de Guarda Municipal, sejam analisados pelos respectivos Entes Políticos, aplicando, no que couber, os termos da lei complementar n. 51, de 20 de dezembro de 1985, que dispõe sobre a aposentadoria do servidor público policial, nos termos do §4º, do art. 40, da Constituição Federal de 1988. A determinação adveio após julgamento de quatro Mandados de Injunção, outrora impetrados por guardas municipais de Barueri (SP), Indaituba (SP) e Montenegro (RS).

Pois bem, com esta decisão é possível afirmar que todos os guardas municipais terão, automaticamente, direito à obtenção de aposentadoria especial nos moldes da lei complementar n. 51/85? Em outras palavras, a eficácia da decisão tomada nos Mandados de Injunção n. 6770, 6773, 6780 e 6874, julgados no último dia 12, tem eficácia erga omnes ou se limita as partes envolvidas nestas demandas?

Com efeito, aduz o atual inciso LXXI, do art. 5º, da Constituição Federal, que “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Assim, o Mandado de Injunção, consoante sua clara definição constitucional, “constitui ação especial de controle concreto ou incidental de constitucionalidade das omissões do poder público quando a inércia estatal inviabiliza o desfrute de algum direito fundamental. Condiciona-se, portanto, à existência de uma relação de causalidade entre a omissão do poder público e a impossibilidade do gozo de um direito fundamental. Desse modo, só se admite a impetração desse writ se, em decorrência da falta regulamentadora (causa), tornar-se inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade e à cidadania (efeito).”[1] Ele é, inegavelmente, uma criação do direito brasileiro.

Mas, atualmente, qual é a eficácia da decisão proferida em Mandado de Injunção?

A doutrina[2] aponta quatro teorias principais que fixam a eficácia da decisão em Mandado de Injunção, quais sejam: (i) Teoria da Subsidiariedade; (ii) Teoria da Independência Jurisdicional; (iii) Teoria da Resolutividade e, por fim, (iv) Teoria Intermediária.

Em breves palavras, a Teoria da Subsidiariedade defende ser o Mandado de Injunção ação meramente declaratória, de forma que apenas enseja a cientificação, pelo Poder Judiciário, do Legislador responsável pela omissão para que afaste seu estado de inércia. De fato, é uma teoria que limita o papel do Poder Judiciário ao declarar a mora legislativa.

Já a Teoria da Independência Jurisdicional defende uma postura mais ativa do Poder Judiciário, autorizando-o a suprir a omissão, editando regra geral, com eficácia contra todos, em verdadeiro exercício de regulamentação do caso concreto, até o fim da mora legislativa.

Por sua vez, a Teoria da Resolutividade caminha no mesmo sentido da Teoria da Independência Jurisdicional, porém, apontando que a regra criada pelo Poder Judiciário se limita a solucionar o caso concreto. Em outras palavras, a eficácia da decisão será pontual, entre as partes e não erga omnes.

Por fim, a Teoria Intermediária defende que o Poder Judiciário fixe prazo para o órgão inerte espancar a mora legislativa, findo o qual, a parte autora do Mandado de Injunção, diante da manutenção da mora pelo órgão responsável, fica autorizada a exercer o direito invocado até a edição, finalmente, do ato que torne viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania da pessoa do impetrante. Há uma verdadeira concretização do direito!

À evidência, ao julgar o Mandado de Injunção n. 107, o Supremo Tribunal Federal — STF entendeu, de forma tímida, que a ação constitucional, forte na Separação dos Poderes, teria o efeito, tão somente, de produzir a comunicação ao Ente responsável pela norma de sua omissão. Vejamos:

“Mandado de Injunção. Questão de ordem sobre a sua auto-aplicabilidade ou não. Em face dos textos da Constituição Federal relativos aos mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por porte do Poder, órgão, entendida ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, §2º da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão fixada.”

Evoluindo em seus posicionamentos, a Suprema Corte passou a não só reconhecer a mora legislativa, mas também a fixar prazo para que a lacuna fosse suprimida. Referido posicionamento fora inicialmente firmado no Mandado de Injunção n. 283, para quem a Corte ementou o acordão da seguinte forma:

Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. 1. O STF admite – não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 – QO) – que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contém o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232). 2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. – “Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” – vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável. (MI º 283, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991).

Já em 2006 a Corte Constitucional modificou completamente sua jurisprudência, passando, incialmente, a adotar um caráter concretista individual em suas decisões (em MI), de sorte a criar solução para o caso concreto. Neste prisma, o STF passou a aceitar a posição concretista intermediária individual, fixando, assim, prazo para a manifestação do Ente Político competente, findo o qual, o direito já passa a ser garantido ao Impetrante independentemente da supressão da mora legislativa. Ao evoluir ainda mais, passou a Corte a adotar uma posição concretista geral, caracterizada pela criação, através do Poder Judiciário, com eficácia erga omnes, de solução visando suprimir omissão vergastada.

A posição concretista individual fora tomada no MI n. 721, onde o STF assegurou a uma servidora pública vinculada ao Regime Próprio de Previdência Social – RPPS o gozo de benefício de aposentadoria especial nos moldes da legislação do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, ainda que ausente regulamentação legal do art. 40, §4o da CF/88, que trata desse direito por parte dos servidores públicos. Na ocasião, o Min. Marco Aurélio consignou que “impetra-se mandado de injunção não para lograr-se de certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas consequências da inércia do legislador.”

Por consecutivo, no julgamento do MI 562/RS, o Supremo Tribunal Federal adotou a vertente concretista intermediária individual ao determinar a ciência do Poder competente acerca de sua inércia, fixando, outrossim, prazo para que a omissão fosse suprida.

No emblemático caso envolvendo a aplicação da lei de greve do setor privado – lei 7.783/89 – aos servidores públicos, porquanto a mora do Legislador em regulamentar o art. 37, VII, da CF/88 – MI’s n. 670, 708 e 712 –, o Supremo Tribunal Federal aplicou a vertente concretista geral, regulamentando aplicação de norma constitucional de forma erga omnes, entendendo, na ocasião, que a inércia do Congresso Nacional resultava em uma espécie de fraude a vontade da Constituição.

Neste cenário de inúmeras teses doutrinárias e os mais diversos julgados proferidos pelo STF, finalmente, quase vinte e oito anos depois da promulgação da Constituição Federal, veio a ser sancionada a lei n. 13.300, de 23 de junho de 2016, que passou a regulamentar o processo e o julgamento dos Mandados de Injunção individual e coletivo. Nesta toada, o legislador aplicou, como regra geral, a teoria concretista intermediária individual, a teor da dicção do art. 8º da norma. In verbis:

Art. 8o  Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:

I – determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;

II – estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.

Parágrafo único. Será dispensada a determinação a que se refere o inciso I do caput quando comprovado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido para a edição da norma.

Noutra esteira, o Legislador adotou a teoria concretista intermediária geral quando a eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração (art. 9º, 1º, da lei 13.300/16).

Assim sendo, a decisão tomada no último dia 12 pelo Min. Alexandre de Moraes (STF) no bojo dos MI’s n. 6770, 6773, 6780 e 6874 não tem, automaticamente, eficácia erga omnes, de sorte a não atingir, de plano, todos os guardas municipais dos mais diversos Entes Políticos, mas, tão só, àqueles que impetraram as aludidas ações constitucionais e tiveram, neste momento, seus direitos reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Wellington Fernandes de O. Júnior

Procurador do Município de Goiânia

Pós-graduado em Direito Constitucional

Professor de Direito Ambiental e Urbanístico

[1] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional / Dirley da Cunha Júnior – 11 ed. rev. ampl. E atual. – Salvador : JusPODIVM, 2017, p.755.

[2] MAZZEI, Rodrigo Reis (apud, SABRA. Paula Rodrigues. Mandado de injunção: a relação entre os poderes judiciária e legislativo. 2008. 75 f. Dissertação (Trabalho de Conclusão de Curso). Faculdade de Direito, Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo.)