Danilo Paz é Defensor Público no Espírito Santo

Nomeado na  DPU e aprovado na DPE-CE

Ex-aluno EBEJI

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O Caso “Instituto de Reeducação do Menor Vs. Paraguai” é, sem dúvida, paradigmático na proteção interamericana dos direitos de jovens privados de liberdade. Publicada em 02 de setembro de 2004, a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu por punir o Estado do Paraguai pelas constantes violações de direitos que culminaram em mortes e gravíssimas lesões de dezenas de adolescentes entre os anos de 1996 e 2001. Além das ofensas aos dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos, várias Regras de Beijing (Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores) foram desrespeitadas. Vamos entender o caso e como as citadas Regras a ele se aplicam.

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  1. Entendendo o Caso

O Instituto de Reeducação Panchito López abrigava, em condições precárias e operando em superlotação, de 250 a 300 adolescentes em conflito com a lei. A estrutura do Instituto estava totalmente comprometida, sem condições mínimas de higiene (as comidas eram feitas no chão pelos próprios internos, a cozinha ficava em frente aos banheiros, os banheiros não possuíam divisórias etc) ou de espaço físico (os alojamentos de 5 metros de largura por 5 de profundidade abrigavam cerca de 50 adolescentes cada). Além disso, as torturas e agressões por parte dos agentes socioeducativos eram frequentes: havia um porão onde os internos eram levados para serem agredidos e permaneciam de ponta-cabeça durante horas, como foma de disciplina). Ainda, há relatos de estupros entre os internos e venda de substâncias entorpecentes por parte dos agentes.

Em 14 de agosto de 1996, a Secretaria da Comissão de Direitos Humanos recebeu denúncia sobre as condições do Instituto. Durante os anos de 2000 e 2001, três incêndios ocorreram em Panchito López, provocando mortes em diversos socioeducandos e lesões em numerosos outros. Como não houve solução no Direito Interno, a Comissão submeteu o caso à Corte em 20 de maio de 2002 que, após regular instrução processual, proferiu sentença condenando o Estado do Paraguai.

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  1. O que a Corte decidiu?

A Corte condenou o Estado do Paraguai, obrigando-o a:

  • Publicar, no prazo de seis meses, no diário oficial e em outro jornal de circulação nacional, ao menos por uma vez, o capítulo relativo aos fatos provados da sentença.
  • Realizar, em consulta com a sociedade civil, no prazo de seis meses, um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e de declaração que contenha a elaboração de uma política de estado de curto, médio e longo prazo em matéria de crianças em conflito com a lei que seja plenamente consistente com os compromissos internacionais do Paraguai.
  • Oferecer tratamento psicológico a todos os ex-internos do instituto entre 14 de agosto de 1996 e 25 de julho de 2001; tratamento médico e/ou psicológico aos ex-internos feridos nos incêndios, e tratamento psicológico aos familiares dos internos falecidos e feridos.
  • Oferecer assistência vocacional, bem como um programa de educação especial destinado aos ex-internos do instituto entre 14 de agosto de 1996 e 25 de julho de 2001.
  • Oferecer à senhora María Teresa de Jesús Pérez, no prazo de 15 dias contado a partir da notificação da sentença, um espaço para depositar o cadáver de seu filho, Mario del Pilar Álvarez Pérez, em um cemitério próximo à sua residência.
  • Ocupar-se particularmente de garantir a vida, integridade e segurança das pessoas que prestaram declaração perante a Corte e de suas famílias, e prover-lhes a proteção necessária frente a quaisquer pessoas, levando em consideração as circunstâncias do caso.
  • Pagar a quantia total de US$ 953.000,00 (novecentos e cinquenta e três mil dólares dos Estados Unidos da América) ou seu equivalente em moeda nacional do Estado, a título de dano material aos lesados.
  • Pagar a quantia de US$ 2.706.000,00 (dois milhões, setecentos e seis mil dólares dos Estados Unidos da América) ou seu equivalente em moeda nacional do Estado, a título de indenização por dano imaterial aos lesados.

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  1. Dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos violados

Segundo a Corte Interamericana, foram violados os seguintes dispositivos do Pacto San José da Costa Rica:

Artigo 1º – Obrigação de respeitar os direitos

1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 

Artigo 2º – Dever de adotar disposições de direito interno

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. 

Artigo 4º – Direito à vida

  1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 

Artigo 5º – Direito à integridade pessoal

  1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
  2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
  3. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. 

Artigo 8º – Garantias judiciais

  1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 

Artigo 19 – Direitos da criança

Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.

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  1. Regras de Beijing violadas

Ainda que nos Pontos Resolutivos (que corresponderiam, no Direito Brasileiro, ao dispositivo da decisão) a Corte não tenha feito referência expressa às Regras de Beijing, ao longo da decisão, em alguns momentos, afirmou-se claramente que as Regras foram violadas.

A Corte afirmou que o Paraguai não forneceu assistência à saúde e educação dos internados, violando a Regra 13.5: Enquanto se encontrem sob custódia, os jovens receberão cuidados, proteção e toda assistência – social, educacional, profissional, psicológica, médica e física que requeiram, tendo em conta sua idade, sexo e características individuais.

Ainda, o Estado do Paraguai não forneceu margem suficiente para o exercício de faculdades discricionárias, principalmente devido à superlotação e ausência de estrutura compatível, afrontando a Regra 6.1: Tendo-se em conta as diversas necessidades especiais dos jovens, assim como a diversidade de medidas disponíveis, facultar-se-á uma margem suficiente para o exercício de faculdades discricionárias nas diferentes etapas dos processos e nos distintos níveis da administração da Justiça da Infância e da Juventude, incluídos os de investigação, processamento, sentença e das medidas complementares das decisões.

Além disso, não houve preparação ou capacitação suficiente dos titulares dessas faculdades sobre os direitos humanos da criança e em psicologia infantil para evitar abuso da discricionariedade e assegurar que as medidas ordenadas em cada caso fossem idôneas e proporcionais, o que constituiu ofensa à Regra 6.3: Quem exercer tais faculdades deverá estar especialmente preparado ou capacitado para fazê-lo judiciosamente e em consonância com suas respectivas funções e mandatos.

O Paraguai também manteve muitos adolescentes em situação de internação preventiva (sem sentença) por tempo indeterminado, lesando a Regra 13.2: Sempre que possível, a prisão preventiva será substituída por medidas alternativas, como a estrita supervisão, custódia intensiva ou colocação junto a uma família ou em lar ou instituição educacional.

Por fim, não houve oportunidade de substituição da internação preventiva por medida menos gravosa, em atenção ao caráter excepcionalíssimo daquela, o que infringiu a Regra 13.1: Só se aplicará a prisão preventiva como último recurso e pelo menor prazo possível.

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  1. Conclusão

Muito se diz que as Regras de Beijing não possuem força cogente e, como mera manifestação do soft law, seriam desnecessárias. A sentença da Corte no caso “Instituto de Reeducação do Menor Vs. Paraguai” desmente essa afirmação. Se é verdade que as Regras não possuem caráter vinculante, também é igualmente correto afirmar que servem como vetor axiológico para as decisões de cortes internacionais e para obrigações a serem assumidas e cumpridas pelos Estados membros, fortalecendo o sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente.

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Bons estudos, Danilo Paz.

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