Comentários da Prova Dissertativa de Advogado da União – P2

Prezados,

Neste final de semana foram realizadas as provas dissertativas do concurso de Advogado da União, segunda etapa do certame e onde estão em disputa 300 pontos.

Trata-se de etapa fundamental para definir a aprovação para o cargo em disputa e para a definição da colocação final dos candidatos.

A EBEJI, visando auxiliar os candidatos nesta etapa tão relevante, através de seus professores, analisou as provas e traz comentários sobre as questões.

É importante destacar que na prova deste ano, diferentemente da anterior, o quesito apresentação (legibilidade, respeito às margens e indicação de parágrafo) e estrutura textual (organização das ideias em texto estruturado) valeu 3,5 pontos (no parecer, peça e dissertação) e 0,5 ponto nas demais questão, ou seja, 5% do valor total de cada questão.

Prova P2

Parecer

O parecer tratou da temática da reposição ao erário público de valor de diárias recebidas por servidor público federal. A controvérsia referente à reposição surgiu por conta da viagem a trabalho não ter ocorrido, dado a furto do passaporte do servidor.

O candidato deveria abordar no seu parecer os seguintes pontos:

  • – Obrigatoriedade de restituição do valor das diárias
  • – Discricionariedade da administração pública quanto à reposição do valor
  • – Procedimento administrativo de reposição ao erário
  • – Ocorrência de prescrição administrativa da pretensão da administração pública de reposição do erário.

O ideal era o candidato iniciar a sua resposta demonstrando conhecimento sobre a natureza jurídica das diárias e a sua previsão legal.

As diárias são devida ao servidor que, a serviço, afastar-se da sede do local onde desenvolve suas atividades profissionais, de maneira eventual ou transitória, para outro ponto do território nacional ou para o exterior, visando indenizar as parcelas de despesas extraordinárias do servidor com pousada alimentação e locomoção urbana. As diárias tem, portanto, caráter indenizatório, estando reguladas nos artigos 58 e 59 da Lei 8.112/90 e no Decreto 5.992/2006.

EBEJI

Ponto 1: Obrigatoriedade de restituição do valor das diárias

O primeiro ponto que o candidato deve responder é sobre a obrigatoriedade ou não da restituição dos valor das diárias.

Deve o candidato expor conhecimento sobre a regulamentação legal do caso.

A Lei 8.112/90 trata a questão da restituição das diárias não utilizadas da seguinte maneira:

Art. 59.  O servidor que receber diárias e não se afastar da sede, por qualquer motivo, fica obrigado a restituí-las integralmente, no prazo de 5 (cinco) dias.

O seja, há previsão legal obrigando o servidor que receber diárias e não se afastar da sede a restituir as diárias recebidas no praz de 05 dias. Destaco que a previsão legal é clara e diz que independe do motivo da não utilização, se esta situação ocorrer o servidor deve restituir o valor recebido no prazo acima exposto.

A primeira dúvida a ser superada diz respeito a aplicação da Súmula 34 da AGU com redação modificada pela súmula nº 71, in verbis:

“É incabível a restituição de valores de caráter alimentar percebidos de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração.”

Ao nosso ver esta súmula não impede a restituição dos valores de diárias recebidas pelo servidor e não utilizadas por conta da ausência de deslocamento para fora da sua sede. Explico.

A citada súmula da Advocacia-Geral da União, que consolida o entendimento jurisprudencial do STJ, traz duas condições cumulativas para que seja indevida a restituição:

1º) os valores devem ter sido recebidos de boa-fé pelo servidor;

2º)  o pagamento ocorreu  em virtude de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração.

No caso da questão o primeiro requisito para a não restituição está preenchido, entretanto o segundo não. A Administração Pública não pagou as diárias para o servidor interpretando erroneamente ou aplicando equivocadamente a lei, tampouco atuando em erro. O pagamento foi feito de maneira correta porque havia o fato gerador para tal dispêndio (viagem a serviço do servidor), que não ocorreu por fato estranho à qualquer ato administrativo.

Desta forma há a obrigatoriedade na restituição dos valores recebidos de diária, devendo o mesmo ser feito no prazo de 05 dias, com fincas nos artigos 58 e 59 da Lei 8.112/90. 

EBEJI

Ponto 2: Discricionariedade da administração pública quanto à reposição do valor

A Lei 8.112/90 é clara ao dispor sobre a obrigatoriedade da restituição dos valores de diárias recebidos pelo servidor que não tenha se afastado da sede por qualquer motivo, fixando o prazo de 05 dias para tanto.

Ou seja, há obrigação legal do servidor em efetuar a devolução e se tal devolução não for feita voluntariamente deve a Administração, em atenção aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, efetuar a cobrança dos valores pagos, não havendo discricionariedade nesta atuação

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento ao disposto na lei, por isso, conforme determinam as disposições legais supramencionadas, o servidor deve restituir o valor recebido a título de diária, não havendo discricionariedade administrativa neste caso.

Cabe citar o comentário de Paulo de Matos Ferreira Diniz in Lei 8112/90 Comentada, 8ª edição, Ed. Brasília:

A obrigação de restituir o pagamento excessivo configura-se à luz do art. 46. Todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. A Lei nº 9.527/97 faz distinção entre indenizações e reposições. Indeniza-se por danos causados, cuja reparação é de responsabilidade do servidor e repõe-se o que ele recebeu a maior. (…) Quando ocorrido o pagamento indevido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente em uma única parcela. O mesmo critério de reposição em parcela única aplicam-se à reposição de valores recebidos em cumprimento à decisão liminar, à tutela antecipada, ou à sentença, as quais que venham a ser revogadas ou rescindidas. Pagamento de vencimentos ou remuneração feito a servidor e, por extensão, proventos, pois este decorre daquele, devido à revisão na interpretação da lei ou mudança de critérios da Administração, quando recebido de boa-fé, tem caráter alimentar e não está sujeito à repetição do indébito e produzirá efeitos após a revisão do ato concessório”.

Além disso, deixar a Administração de buscar a reposição ao erário gerará o enriquecimento sem causa do servidor em detrimento do erário público e de todos os cidadãos que contribuíram para a sua formação.

EBEJI

Ponto 3: Procedimento administrativo de reposição ao erário

O primeiro ponto que reputo necessário constar é demonstrar para a banca conhecimento sobre a diferença entre indenização ao erário (tendo por fundamento um ato culposo ou doloso do servidor que gerou prejuízo ao erário ou a terceiros) e reposição ao erário (quando a Administração faz um pagamento indevido, mas não há conduta culposa ou dolosa imputável ao servidor).

A questão foi clara ao definir a data do pagamento das diárias (01/06/2010) e dizer que a época dos fatos o servidor foi provocado a efetuar o pagamento das diárias recebidas e o mesmo se negou a restitui-las.

Deve ser exposto no parecer a inaplicabilidade do §2º do artigo 46, uma vez que o desconto integral deveria ter sido feito já no mês seguinte ao pagamento (folha de 07/2010), o que não ocorreu.

A questão não deixa claro se o servidor foi instado a restituir valor nos termos do artigo 46 da Lei 8.112/90. Desta forma o procedimento a ser adotado no caso é o previsto na Lei 8.112/90, devendo a Administração comunicar o servidor para que efetue a restituição no prazo de 30 dias, facultando-lhe a possibilidade de parcelar o débito, em tantas parcelas quanto forem necessárias, desde que o valor de cada uma delas não seja inferior a 10% do montante recebido de remuneração, sempre respeitando o devido processo legal.

O servidor deverá dar a sua anuência expressa para que ocorra o desconto dos valores cobrados pela Administração em seu contracheque, sendo esta a primeira medida a ser adotada pela Poder Público para a restituição dos valores.

Cabe lembrar que o artigo 45 deixa claro que salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento. Desta forma, caso não haja expressa autorização por parte do servidor não caberá outra alternativa à Administração a não ser a judicialização da questão.

Para tanto, nos termos do entendimento consolidado na AGU (PARECER nº 1/2009/AGU/PGF/CGCOB/DIGEVAT, de 12 de maio de 2009), após esgotadas as tentativas de recebimento dos valores deve o débito ser inscrito em dívida ativa não tributaria (Art. 39, caput e §2º da Lei 4.320/64) e executado na forma prevista na Lei 6.830/80.

EBEJI

Ponto 4: Ocorrência de prescrição administrativa da pretensão da administração pública de reposição do erário

Neste ponto o candidato deve demonstrar conhecimento da literalidade do artigo 37, §5º da CF:

5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

O STF reconheceu a repercussão geral do tema e está julgando o assunto no RE 669069, sendo até então este o entendimento do STF:

“O Plenário do STF, no julgamento do MS 26.210, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, decidiu pela imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário” (RE 578.428-AgR, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 13-9-2011, Segunda Turma, DJE de 14-11-2011.) No mesmo sentidoAI 712.435-AgR, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 13-3-2012, Primeira Turma, DJE 12-4-2012.

Logo, não há que se falar em prescrição administrativa da pretensão de ressarcimento ao erário.