Comentários da questão 74 da prova da PFN/2012 sobre teorias da ação

Olá, saudações a todos.

Iniciando uma nova série de postagens, não necessariamente contínua, passarei a comentar algumas questões interessantes de provas de concursos públicos. Não me aterei necessariamente às carreiras federais, mas buscarei questões interessantes para debate nesse espaço.

No presente post, buscarei comentar uma questão de Processo Civil que foi cobrada no último concurso da PFN (2012), em que foram exigidos conhecimentos acerca de teoria da ação, inclusive com menção a correntes doutrinárias e seus autores.

Obviamente, se o candidato souber as teorias da ação, desde as concretistas até a teoria da asserção e os principais expoentes de cada uma delas, a questão se torna bem mais fácil.

Todavia, na resolução dessa questão, é possível utilizar de técnicas de resolução de questões para chegar à resposta, sem conhecer necessariamente todas as teorias da ação.

Antes dos comentários, segue a questão:

O direito de ação sempre foi um dos mais polêmicos temas da ciência processual, proliferando-se, ao longo da história, inúmeras teorias para explicá-lo. Sua importância se destaca, em especial, pois corresponde a um iniludível ponto de contato entre a relação jurídica material e a relação jurídica processual, sobretudo quando analisado sob a ótica do ato que dá início ao processo e delimita seu objeto litigioso. No Brasil, o direito positivo sofreu nítida influência da doutrina de Enrico Tullio Liebman, que, com sua teoria eclética da ação, propôs a categoria das condições da ação, alocadas entre os pressupostos processuais e o mérito da demanda. Sobre o tema, identifique a opção correta.

a) O direito de ação pode ser atualmente identificado como um direito público subjetivo, abstrato, autônomo da relação jurídica material, cuja existência dependerá da procedência da demanda proposta em juízo.

b) Friedrich Carl Von Savigny, notável jurista alemão que se dedicou ao estudo profundo do direito romano, é citado pela doutrina como um adepto da teoria abstrativista, em decorrência da concepção de que se opera uma metamorfose no direito material quando lesado, transformando-se, assim, na actio.

c) É da famosa polêmica entre Windscheid e Muther que percebemos significativo avanço na ciência processual. Associou-se a ideia da actio romana com a da pretensão de direito material, o que definiu a autonomia entre o direito material e o direito de ação, consubstanciando, assim, definitiva passagem da teoria concreta para a teoria abstrata da ação.

d) Enrico Tullio Liebman propôs a categoria das condições da ação, afirmando que, se não fossem preenchidas as três condições inicialmente formuladas, o autor seria carecedor do direito de ação. Para Liebman, essa ideia deveria ser interpretada à luz da teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação são examinadas a partir das alegações do autor (in status assertionem). Caso fosse necessária a dilação probatória para aferir a presença das condições da ação, estaríamos diante de um julgamento de mérito e não mais de pura carência de ação.

e) Um dos maiores expoentes da teoria do direito concreto de agir foi Adolf Wach, desenvolvendo suas ideias a partir da teorização da ação declaratória. Para nosso autor, o direito de ação efetivamente é autônomo em relação ao direito material, porém só existirá se a sentença ao final for de procedência.

Para analisar os itens, é preciso ter em mente os seguintes conceitos, sem qualquer menção aos autores clássicos:

– direito de ação como direito público subjetivo, autônomo e abstrato.

– teoria eclética e teoria da asserção

Em rápidas palavras, direito de ação é um direito público subjetivo, constitucionalmente previsto. Ele é autônomo porque decorre da própria autonomia do Direito Processual, sendo independente da relação jurídica material.

É abstrato porque pode ser exercido mesmo que não haja relação de direito material entre os sujeitos da relação processual. Ou seja, eu posso ingressar com uma demanda (ação) independentemente da existência de qualquer relação com outra pessoa. A procedência ou improcedência da demanda não importa para o exercício da ação. É claro que, não existindo tal relação de direito material, é bem provável que haja a configuração de abuso de direito, mas existe sim essa possibilidade de ajuizar demandas “absurdas”.

Quanto à teoria eclética e teoria da asserção, é preciso saber que a teoria eclética trouxe a figura das condições da ação (interesse de agir, legitimidade das partes e possibilidade jurídica do pedido/demanda) e que, para a teoria eclética, as condições da ação podem ser aferidas a qualquer momento.

Para a teoria da asserção, que foi posterior à teoria eclética de Liebman, o momento de avaliação das condições da ação é no início do processo (quando do recebimento da inicial), sendo avaliadas as condições de acordo com o que o autor menciona (in statu assertionis), tendo como válidas suas alegações iniciais.

Com base nos referidos conceitos, passemos à avaliação dos itens:

a) O direito de ação pode ser atualmente identificado como um direito público subjetivo, abstrato, autônomo da relação jurídica material, cuja existência dependerá da procedência da demanda proposta em juízo.

A primeira parte do quesito está correta. Direito público subjetivo, abstrato e autônomo. Entretanto, a segunda parte está errada, pois a existência do direito de ação independe da procedência da demanda, tendo em vista que é abstrato. Item errado!

b) Friedrich Carl Von Savigny, notável jurista alemão que se dedicou ao estudo profundo do direito romano, é citado pela doutrina como um adepto da teoria abstrativista, em decorrência da concepção de que se opera uma metamorfose no direito material quando lesado, transformando-se, assim, na actio.

Primeira parte também ok. Savigny é notável romanista. Entretanto, independentemente da teoria que ele adota (que, na realidade, era a teoria imanentista[1]), pela concepção abstrativista, ou seja, defender que a ação é abstrata, o exercício do direito de ação não está condicionado à lesão do direito material (que seria a pretensão). Item errado!

c) É da famosa polêmica entre Windscheid e Muther que percebemos significativo avanço na ciência processual. Associou-se a ideia da actio romana com a da pretensão de direito material, o que definiu a autonomia entre o direito material e o direito de ação, consubstanciando, assim, definitiva passagem da teoria concreta para a teoria abstrata da ação.

A ESAF, nessa questão, gostou de trazer informações corretas na primeira parte. De fato, a polêmica Windscheid-Muther foi muito importante para a evolução do Direito Processual, realmente chegando à autonomia do Direito Processual, separando os conceitos de ação do de pretensão de direito material.

Entretanto, na segunda parte do quesito, a afirmação está equivocada. A polêmica entre Windscheid-Muther decretou a passagem das teorias imanentista para as teorias autonomistas. Em outras palavras, foi importante para decretar a autonomia do direito processual e consequentemente do direito de ação[2].

A divisão entre as teorias concreta e abstrata não é isso. A abstratividade está mais ligada ao resultado do processo. Assim, outro item errado!

d) Enrico Tullio Liebman propôs a categoria das condições da ação, afirmando que, se não fossem preenchidas as três condições inicialmente formuladas, o autor seria carecedor do direito de ação. Para Liebman, essa ideia deveria ser interpretada à luz da teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação são examinadas a partir das alegações do autor (in status assertionem). Caso fosse necessária a dilação probatória para aferir a presença das condições da ação, estaríamos diante de um julgamento de mérito e não mais de pura carência de ação.

Esse item dá para resolver mais rápido. Liebman defendia a teoria eclética da ação. A teoria da asserção surgiu em outro momento histórico. Para Liebman, as condições da ação podem ser avaliadas a qualquer momento. Assim, item errado!

Por conseqüência, o item certo é o constante na letra “e”:

e) Um dos maiores expoentes da teoria do direito concreto de agir foi Adolf Wach, desenvolvendo suas ideias a partir da teorização da ação declaratória. Para nosso autor, o direito de ação efetivamente é autônomo em relação ao direito material, porém só existirá se a sentença ao final for de procedência.

A teoria concretista é exatamente baseada no resultado do processo: existe ação se a demanda for procedente; se improcedente, não existiria ação.

Assim, sem saber necessariamente sobre a doutrina de Adolf Wach ou dos outros autores clássicos, era possível resolver a questão, tendo em mente os conceitos de autonomia e abstratividade do direito de ação e certo conhecimento sobre teoria eclética e teoria da asserção.

Abraços a todos, bons estudos e até a próxima!

Rodrigo Bentemuller (@rodrigoppb)

[1] Sobre o imanentismo, veja o meu post aqui no Blog da Ebeji sobre Evolução do Direito Processual Civil – parte 1: https://blog.ebeji.com.br/evolucao-do-direito-processual-civil-parte-1/

[2] Mais sobre o autonomismo em Evolução do Direito Processual Civil – parte 2: https://blog.ebeji.com.br/evolucao-do-direito-processual-civil-parte-2/

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