Samuel Sales Fonteles é Promotor de Justiça

Professor da EBEJI e autor de obras jurídicas

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Há cerca de dez anos, este que vos escreve assistiu à memorável palestra proferida pelo então advogado Luís Roberto Barroso, nos átrios da Escola Superior da Magistratura do Ceará, cujo tema foi a Constitucionalização do Direito. Os anos se passaram e, na segunda fase do concurso para Promotor de Justiça do Ministério Público de Rondônia (CESPE/UnB–2013), exigiu-se dos candidatos uma dissertação acerca da constitucionalização do Direito Administrativo, que deveria contemplar alguns aspectos indicados na questão.

A incidência da temática em provas, julgados e textos doutrinários é altíssima. Mas, afinal, o que se entende por constitucionalização do Direito?

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1. Terminologia adequada

Em primeiro lugar, a palavra Direito deve ser grafada com inicial maiúscula. Se escrita com inicial minúscula, fazemos alusão ao direito de alguém, isto é, a um direito subjetivo. Diferentemente, quando a escrevemos com inicial maiúscula, a referência é ao ordenamento jurídico, vale dizer, ao direito objetivo. Como lembra Hans Kelsen,o Direito (com “D” maiúsculo) é a “…ordenação coercitiva da conduta humana“. Logo, em provas discursivas, o candidato deve escrever “constitucionalização do Direito“. Não se trata, absolutamente, de um perfeccionismo inútil. Há uma distinção semântica, assim como, nos domínios do Direito Administrativo, administração pública indica a função administrativa (em sentido funcional, objetivo ou material) e Administração Pública (com iniciais maiúsculas) revela quem a exerce (em sentido orgânico, subjetivo ou formal).

Pois bem. É hora de examinarmos o significado da expressão em estudo.

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2. Divergência doutrinária?

Na lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto (obra de inegável predileção da Sra. Deborah Duprat, examinadora dos concursos para procurador da república), o fenômeno da constitucionalização se bifurca em duas vertentes de compreensão, quais sejam, a constitucionalização-inclusão e a constitucionalização releitura.

a) A chamada constitucionalização-inclusão consiste no “tratamento pela Constituição de temas que antes eram disciplinados pela legislação ordinária ou mesmo ignorados”[1]. Exemplo: a tutela constitucional do meio ambiente e do consumidor, algo até então inédito nas Constituições pretéritas. : essa inflação de assuntos no texto constitucional, marca das constituições analíticas, faz com que qualquer disciplina jurídica, ainda que dotada de autonomia científica, encontre um ponto de contato com a Constituição, cuja onipresença foi cunhada pela doutrina de ubiquidade constitucional. 

b) A constitucionalização releitura traduz “a impregnação de todo o ordenamento pelos valores constitucionais”. Neste caso, os institutos, conceitos, princípios e teorias de cada ramo do Direito sofrem uma releitura, para, à luz da Constituição, assumir um novo significado. Portanto, a Constituição, que era mera coadjuvante, se torna protagonista na interpretação do direito infraconstitucional. Na feliz expressão de Paulo Bonavides, “Ontem, os Códigos; hoje, a Constituição”[2]. 

Outros juristas adotaram uma classificação diferenciada para o fenômeno da constitucionalização do Direito. Não existe classificação certa ou errada, mas sim classificação útil ou inútil. Em provas de concursos públicos, devemos conhecer as principais. Quando se trata da constitucionalização do Direito, uma das mais célebres classificações é trazida por Louis Favoreu. O jurista francês elenca três grupos: 

c) constitucionalização-elevação: aquela pela qual opera-se um deslizamento de assuntos, até então confinados no compartimento infraconstitucional, para elevarem-se ao texto constitucional.

d) constitucionalização-transformação aquela que impregna e transforma os demais ramos do Direito, para convertê-los em um Direito Constitucional Civil, Direito Constitucional Ambiental

 e) constitucionalização juridicização: traduz o surgimento da força normativa da Constituição. Crítica: a força normativa da Constituição é um pressuposto para a constitucionalização do Direito, não exatamente uma categoria autônoma desse fenômeno.

A compilação pode ser encontrada na excelente monografia de Virgílio Afonso da Silva (A Constitucionalização do Direito. Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 46-48).

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3. Facilitando as coisas

O aluno deve perceber que, na essência, a constitucionalização-elevação de Louis Favoreu é exatamente aquilo que Daniel Sarmento cunhou de constitucionalização-inclusão. Por sua vez, a constitucionalização-transformação do jurista francês, substancialmente, corresponde à constitucionalização releitura de Sarmento.

Constitucionalização do Direito
Constitucionalização-inclusão (Sarmento) = constitucionalização-elevação (Favoreu) constitucionalização releitura (Sarmento) = constitucionalização-transformação (Favoreu)
Consiste na inserção de matérias infraconstitucionais na Constituição. Consiste na influência da Constituição sobre todos os demais ramos do Direito, exigindo do intérprete, por ocasião da leitura das leis infraconstitucionais, uma filtragem constitucional e uma interpretação conforme.

Com essa sistematização, ao que me parece, facilitamos as coisas.

Um abraço fraterno do articulista.

[1]Direito Constitucional. Teoria, História e Métodos de Trabalho. 2ª Ed. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2014. p. 44.

[2]Frase proferida por ocasião da solenidade de recebimento da Medalha Teixeira de Freitas, no ano de 1998.

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Samuel Sales Fonteles