Pedro Coelho é Defensor Público Federal
Professor da EBEJI
EBEJI
Prezados leitores,
Hoje iremos tratar de um polêmico assunto, inclusive os seus reflexos na seara jurisprudencial, com posições divergentes nas Cortes Superiores pátrias. Antes, contudo, de adentrar nas celeumas, é preciso compreender o que se entende por confissão qualificada.
Em primeiro lugar, temos que a confissão espontânea é circunstância atenuante (preponderante) da pena, prevista no artigo 65, III, “a” do CPB, razão pela qual quando o agente criminoso confessa espontaneamente a autoria de determinado fato delituoso, na presença da autoridade judicial durante a instrução processual, faz jus à redução da pena eventualmente fixada no bojo do decreto condenatório.
A essência da previsão legal encontra suas raízes em motivação de política criminal e finalidade processual, uma vez que intenta “beneficiar” aquele que contribui para a apuração da autoria do delito e auxiliar a prevenir eventual equívoco judiciário, conferindo maior grau de confiança à decisão do juízo criminal.
Lado outro, a doutrina afirma que há confissão qualificada quando o agente reconhecer espontaneamente (sem ser constrangido) a prática de um fato típico perante autoridade, porém, concomitantemente, alega motivo etiquetado como (i) excludente da ilicitude ou de (ii) culpabilidade em sua defesa.
Imagine-se, pois, uma situação em que Zeca reconhece que matou Antônio, mas assim atuou logo após ter sido ameaçado por Antônio, que mostrou uma arma municiada para ele. Percebe-se que, em nosso exemplo, Zeca confessou a autoria do delito, mas o fez acompanhado de arguição de excludente da ilicitude (legítima defesa), caracterizando-se a confissão qualificada.
O grande problema aqui é que, de acordo com a posição prevalente no Supremo Tribunal Federal, a confissão qualificada não pode ser compreendida como atenuante prevista no CPB, razão pela qual se o agente apresenta alguma excludente de culpabilidade ou de ilicitude acompanhando o reconhecimento espontâneo da autoria do fato típico, não faria jus à benesse legal.
Vejamos o posicionamento da 1ª Turma do STF (há precedentes também da 2ª Turma, por exemplo, o HC 74148 / GO):
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. (…). APLICAÇÃO DA PENA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO INCIDÊNCIA. TESE DA EXCLUSÃO DE ILICITUDE. CONFISSÃO QUALIFICADA. DECISÃO PLENAMENTE FUNDAMENTADA. (…). 1. A confissão qualificada não é suficiente para justificar a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (Precedentes: HC 74.148/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 17/12/1996 e HC 103.172/MT, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 24/09/2013). 2. In casu: a) O paciente foi condenado à pena de 16 (dezesseis) anos de reclusão em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e utilizando recurso que impossibilitou a defesa da vítima, em razão de ter efetuado disparos de arma de fogo contra a vítima, provocando-lhe lesões que deram causa à sua morte. b) Conforme destacou a Procuradoria Geral da República, “consoante se depreende da sentença condenatória, a atenuante da confissão não foi reconhecida porque ‘o réu admitiu a autoria apenas para trazer sua tese de exclusão de ilicitude’. Por sua vez, o Tribunal de Justiça ressaltou que ‘não houve (…) iniciativa do apelante em confessar o delito’, sendo assim, não há como falar em constrangimento ilegal manifesto”. 3. A aplicação da atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal não incide quando o agente reconhece sua participação no fato, contudo, alega tese de exclusão da ilicitude. 4. (…). (HC 119671, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-237 DIVULG 02-12-2013 PUBLIC 03-12-2013).
Apesar de majoritário o entendimento sufragado pelo STF, deve-se anotar que parcela da doutrina especializada refuta veementemente sua aplicação. Vejamos as ponderações de Paulo Queiroz:
“Mas confessar a autoria do crime não significa necessariamente confessar um fato típico, ilícito e culpável, e sim confessar-lhe a materialidade e autoria. Assim, por exemplo, se o agente, embora confessando a prática do fato e sua autoria, alega uma excludente de ilicitude ou culpabilidade (…), parece justo reconhecer a atenuante, se vier a ser condenado”.
Atendendo aos reclamos dessa parcela da doutrina, em bom momento o STJ ousou divergir do pensamento consolidado do Supremo Tribunal Federal e, através da 5ª Turma, asseverou que é possível sim o reconhecimento de atenuante, ainda que a confissão seja qualificada, desde que ela seja efetiva e concretamente utilizada na motivação do decisum como elemento de convicção do magistrado. Trata-se de excelente tese a ser adotada em concursos de Defensoria Pública! Vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. QUEBRA DE SIGILO FISCAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. (…). DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO EM RAZÃO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. FUNDAMENTOS CONCRETOS. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE.
A ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribui pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade vinculada. 2. O Tribunal a quo fixou a pena-base em 1 ano e 1 mês acima do mínimo legal diante da desfavorabilidade dos antecedentes, das consequências e da culpabilidade do agravante. 3. Logo, valendo-se de motivação concreta e dentro do critério de discricionariedade juridicamente vinculada, não se verifica a afronta ao art. 59 do Código Penal ou desproporcionalidade na fixação da pena básica. 4. A jurisprudência do STJ admite que mesmo a confissão dita qualificada enseje a aplicação da atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal. 5. Agravo regimental provido em parte somente para adequar a reprimenda do agravante em virtude da aplicação da atenuante da confissão espontânea. (AgRg no REsp 1198354/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2014, DJe 28/10/2014).
CUIDADO: A cobrança do entendimento de que a confissão qualificada não enseja a redução da atenuante da pena era muitíssimo frequente em certames públicos, sobretudo os organizados pelo CESPE.
Agora, o candidato deverá atentar para se a assertiva questiona o entendimento do STF (não enseja a redução), o entendimento do STJ (é possível a redução) ou se indicará a uniformidade de entendimento dos Tribunais Superiores (fato que deixaria a assertiva ERRADA, pois temos aqui uma controvérsia aparente entre as Turmas do STF e, ao menos, a 5ª Turma do STJ!).
Espero que tenham gostado!
Vamos em frente!
Abraços,
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