Olá alunas e alunos da EBEJI!

O tema a ser tratado neste texto de hoje é sobre Direito do Consumidor e os contratos de transporte aéreo. Quem comumente faz viagens de avião ou convive com quem faça com frequência sabe que é bastante rotineira a ocorrência de atrasos e cancelamentos nos voos, pelas mais variadas justificativas. E ai, podemos aplicar o Código de Defesa do Consumidor a estas hipóteses? Em caso positivo, são essas condutas consideradas práticas abusivas?

Vamos por partes. Primeiramente, precisamos saber se o contrato de transporte aéreo é regido pelo CDC. De forma geral, para responder se alguma relação negocial é consumerista precisamos verificar a presença dos elementos subjetivos e objetivos, isto é, a existência de um fornecedor e um consumidor e o produto ou serviço, na forma delineada pelos arts. 2o e 3o do CDC.

Assim, podemos concluir com tranquilidade que no transporte aéreo de passageiros há a presença de todos estes pressupostos, de forma que o CDC é sim diploma normativo incidente para regulamentação de tais contratos.

Há que se mencionar, porém, a existência da Convenção de Montreal, que sucedeu à Convenção de Varsóvia,  promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006, e que estipula algumas regras para o transporte aéreo internacional. Em muitos aspectos estes dois regramentos (CDC e Convenção) divergem entre si (especialmente no que concerne à indenização pelo extravio de bagagem).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor do CDC, não é mais regulada pela Convenção, mas sim por aquele diploma. Contudo, o STF ainda não pacificou a questão, sendo aguardado o julgamento do RE 636331 no qual a controvérsia cinge-se exatamente acerca da definição de qual o regramento incidente nessas relações de consumo.

De toda sorte, nos aspectos em que não se contrariam, o contrato de transporte aéreo sofre a incidência do CDC, uma vez que há efetivamente uma relação de consumo entre as partes.

Dito isso, nos casos em que a companhia aérea cancela um determinado voo sem que haja para tanto qualquer justificativa técnica ou de segurança, isto é, razão de ordem maior que imponha o cancelamento, pratica ela conduta verdadeiramente abusiva.

Vamos entender. As práticas abusivas estão elencadas num rol exemplificativo contido no art. 39 do CDC. Em verdade, a prática é um gênero do qual são espécies as cláusulas e a publicidade abusiva. De forma genérica, pode-se dizer que a prática abusiva é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor, e ela pode ela ser caracterizada como uma prática injusta tanto pelo excesso quanto pela omissão. O que é preciso analisar é se a prática desfavorece o consumidor e gera desequilíbrio na relação contratual e, em se verificando tanto, poderá o fornecedor sofrer sanções administrativas e penais, bem como ser obrigado a reparar o dano causado.

Assim, voltando à hipótese em estudo, o cancelamento imotivado de voo, ou sem razão de segurança ou técnica que o justifique, é tido pela jurisprudência como prática injusta pelo fornecedor, uma vez que desconsidera o consumidor, desequilibrando a relação contratual travada entre as partes.

Ademais, tal entendimento é fixado reconhecendo-se que o transporte aéreo é serviço público essencial, prestado pelas companhias através de contrato de concessão. A ele, portanto, se aplicam as regras do art. 22 do CDC especialmente no que diz respeito à continuidade do serviço. Desta forma, a suspensão deste de maneira imotivada e desarrazoada, além de violar o artigo mencionado, revela-se como injusta e abusiva, de sorte que nos casos em que houver o cancelamento é imperioso que a transportadora informe aos consumidores por escrito e justificadamente.

A ausência de tal informação também é considerada pela jurisprudência como prática abusiva, pois viola o próprio dever de informar e de transparência que devem nortear a relação.

Neste sentido, julgado do STJ abordando a questão:

REsp 1.469.087-AC, Rel. Min. Humberto Martins, por unanimidade, julgado em 18/8/2016, DJe 17/11/2016.

O transporte aéreo é serviço essencial e pressupõe continuidade. Considera-se prática abusiva tanto o cancelamento de voos sem razões técnicas ou de segurança inequívocas como o descumprimento do dever de informar o consumidor, por escrito e justificadamente, quando tais cancelamentos vierem a ocorrer. O debate diz respeito à prática no mercado de consumo de cancelamento de voos por concessionária de sem comprovação pela empresa de razões técnicas ou de segurança. As concessionárias de serviço público de transporte aéreo são fornecedoras no mercado de consumo, sendo responsáveis, operacional e legalmente, pela adequada manutenção do serviço público que lhe foi concedido, não devendo se furtar à obrigação contratual que assumiu quando celebrou o contrato de concessão com o Poder Público nem à obrigação contratual que assume rotineiramente com os consumidores, individuais e (ou) plurais. Difícil imaginar, atualmente, serviço mais “essencial” do que o transporte aéreo, sobretudo em regiões remotas do Brasil. Dessa forma, a ele se aplica o art. 22, caput e parágrafo único, do CDC e, como tal, deve ser prestado de modo contínuo. Além disso, o art. 39 do CDC elenca práticas abusivas de forma meramente exemplificativa, visto que admite interpretação flexível. As práticas abusivas também são apontadas e vedadas em outros dispositivos da Lei 8.078/1990, assim como podem ser inferidas, conforme autoriza o art. 7º, caput, do CDC, a partir de outros diplomas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiros. Assim, o cancelamento e a interrupção de voos, sem razões de ordem técnica e de segurança intransponíveis, é prática abusiva contra o consumidor e, portanto, deve ser prevenida e punida. Também é prática abusiva não informar o consumidor, por escrito e justificadamente, quando tais cancelamentos vierem a ocorrer. A malha aérea concedida pela ANAC é uma oferta que vincula a concessionária a prestar o serviço concedido nos termos dos arts. 30 e 31 do CDC. Independentemente da maior ou da menor demanda, a oferta obriga o fornecedor a cumprir o que ofereceu, a agir com transparência e a informar o consumidor.

Portanto, na seara consumerista, considerando-se os inúmeros casos de contrato de transporte aéreo de passageiro que chegam aos tribunais, o tema se destaca, ao lado da definição, que deve ocorrer em breve, pelo STF, acerca da prevalência ou não da Convenção de Montreal. Recomendo que vocês fiquem atentos ao julgamento do RE 636331, o qual está próximo de ser incluído em pauta, pois paralisado desde 2014, oportunidade em que a definição da questão posta irá, certamente, ser tema recorrente nos concursos que abordam Direito do Consumidor.

Bons estudos!