Considerações sobre o Decreto nº 8.243/14 que cria a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social.

O Decreto nº 8.243/14 que cria a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social tem sido alvo de fortes críticas. A politização do debate mostra-se clara. No presente post no entanto pretendo realizar breves considerações sobre a juridicidade do Decreto, não adentrando nas questões políticas que circundam o debate.

A leitura do Decreto 8.243/14 permite verificar que o mesmo tem a finalidade de basicamente organizar instâncias de diálogo de natureza consultiva entre a sociedade civil e a Administração Pública Federal. As críticas sob o ponto de vista jurídico ao Decreto nº 8.243/14 se dividem em duas principais frentes.

A primeira delas consiste basicamente na acusação de que o Decreto subtrai poderes do poder legislativo, conferindo esses poderes à órgãos consultivos dominados por organizações sociais.

A segunda crítica afirma que o decreto ofende a isonomia, ao implementar uma desigualdade entres os cidadãos na participação da construção das políticas públicas.

Não obstante as críticas acima ventiladas, e a possibilidade do decreto ser criticado do ponto de vista político segundo o livre posicionamento de cada um, cremos que no que concerne ao campo jurídico o referido Decreto não padece dos vícios apontados.

Em relação a primeira crítica, de que poderes do Congresso Nacional foram subtraídos, é importante pontuar que o Decreto restringe sua disciplina aos órgãos da Administração Federal, cuja disciplina da organização e funcionamento é competência privativa do Presidente da República que pode dispor sobre a matéria mediante Decreto. Nossa Constituição disciplina a matéria em seu artigo 84, inc. VI, alínea a, vejamos:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VI – dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Assim a Constituição da República confere ao Presidente da República a possibilidade de disciplinar a organização e o funcionamento da Administração Pública Federal segundo critérios de conveniência e oportunidade.

Por sua vez o Capítulo I do Título IV da Constituição da República que trata do Poder Legislativo, não confere à esse poder a iniciativa para dispor sobre a gestão de políticas públicas, tampouco a prerrogativa de adentrar organização e funcionamento da Administração Pública Federal, competências essas privativas do Poder Executivo.

Pois bem, o que o Decreto nº 8.243/14 propõe é abrir instâncias de diálogo com a sociedade civil, de modo a considerar as deliberações dessas instâncias na formulação, execução, monitoramento e a avaliação de suas políticas públicas.

Assim o que se observa é a abertura de diálogo com a sociedade civil, no que tange a decisões que encontram-se na esfera de atribuição do poder executivo, tal ação é implementada através instâncias consultivas e sem poder decisório. Com a referida medida o poder executivo está tão somente abrindo instâncias de diálogo para implementar ações que poderia implementar sem consultar ninguém, nem mesmo o Congresso Nacional, desde que as medidas adotadas estejam de acordo com a Constituição e com as leis já aprovadas.

No que tange a crítica de que haveria uma desigual participação dos diversos grupos nos conselhos, fóruns e audiências públicas a serem realizadas, creio que se está diante de um problema inerente a própria ideia de democracia participativa em uma sociedade de massas. O presente post não permite uma exposição mais aprofundada sobre essa crise, no entanto as desigualdades existentes na participação direta dos cidadãos na gestão da coisa pública são um problema inerente a própria crise da democracia representativa.

Atualmente existem instâncias de participação desigual nos três poderes da República.

No âmbito do poder judiciário por exemplo é comum a participação do amicus curiae nos julgamentos mais relevantes realizados pelo STF, tal participação decorre da autorização veiculada pela Lei nº 9868/99 em seu artigo 7º, §2º, senão vejamos:

Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1o (VETADO)

§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Nem todos os interessados nas decisões veiculadas pelo STF participarão da construção dessa decisão, nem por isso a iniciativa de abertura à participação do amicus curiae pode ser tomada como ofensa a isonomia, pelo contrário, os juristas entendem como uma democratização do processo decisório.

No âmbito do poder legislativo da mesma forma é muito comum a ocorrência de audiências públicas, para que setores da sociedade sejam ouvidos a respeito de determinado projeto de lei que encontra-se em tramitação. A participação nessas audiências também é desigual, no entanto esse procedimento de abertura, ainda que implementado de forma desigual, mostra-se menos ofensivo a democracia do que um processo decisório sem nenhuma participação.

Assim também apesar do Decreto nº 8.243/14 prever claramente a possibilidade de a abertura para a participação das partes afetadas pela questão objeto de deliberação, parece lógico que essa participação sofrerá desigualdades advindas da própria dinâmica de forças existentes na sociedade.

No entanto assim como ocorre nos demais processos de participação, não creio  que tal fato possa se caracterizar como uma inconstitucionalidade advinda da ofensa à isonomia, uma vez que como abordado, essa participação desigual ocorre em várias esferas nos demais poderes, tratando-se não de uma ofensa ao ordenamento jurídico, mas sim de um problema inerente a própria crise da democracia representativa.

Portanto do ponto de vista jurídico, não creio que o Decreto nº 8.243/14 possa ser considerado como uma medida que afronta nossa ordem jurídica, podendo no entanto ser debatida a sua conveniência sob o ponto de vista estritamente político, o que é uma questão de disputa de forças entre os diversos atores envolvidos.

Dr. Alexandre de Oliveira Demidoff

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