Defensoria Pública e as novas mudanças com a aprovação da PEC Defensoria para todos

 No último dia 20 de maio de 2014, o Senado Federal aprovou, em dois turnos, a PEC 04/14, intitulada PEC Defensoria para todos, que deverá ser promulgada no próximo dia 05 de junho de 2014.

A PEC teve origem na Câmara dos Deputados, sob o nº 247/13, e deverá corresponder à Emenda Constitucional nº 80, alterando regras sobre a Defensoria Pública e fixando o prazo de 8 (oito) anos para que haja o número mínimo de 1 (um) Defensor por cada unidade jurisdicional.

Tive, como ex-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais, a oportunidade de acompanhar o nascedouro e o tramitar da PEC Defensoria para todos, na Câmara Federal e no Senado Federal, o que nos permite afirmar que o intuito da PEC é colocar um Defensor Público onde houver um juiz para julgar e um promotor para acusar, bem como dar um “status” constitucional à Defensoria Pública similar ao do Ministério Público, dotando a instituição destinada à proteção do direito dos menos abastados com instrumentos da autonomia administrativa, orçamentária, e financeira, e iniciativa de Lei, permitindo a paridade de armas.

A Constituição Federal não deixou dúvidas ao prever a Defensoria Pública como função essencial à justiça de que deveria haver um Defensor Público onde houver um juiz, um promotor e um advogado público; porém, a realidade fática e os fundamentos constitucionais do Poder Judiciário e Ministério Público fez com a Defensoria Pública ficasse para trás; e é justamente reaver esta diferença que foram aprovadas as novas mudanças, dando esperança a todo cidadão de que o acesso à justiça, previsto no art. 5º, LXXIV, c/c 134 da Constituição Federal, seja efetivamente implementado em nossa democracia.

O texto aprovado pelo Congresso Nacional, que inclui o art. 98 no Ato das Disposições Transitórios, dispõe que no prazo de 8 (oito) anos a União, os Estados e o Distrito Federal, deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observada à proporcionalidade com a efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. Durante o período de 8 (oito) anos, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.

Em resumo, em 8 (oito) deverá haver defensor público em toda Vara da Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça Trabalhista, Justiça Militar e Justiça Eleitoral. Com isso, novas vagas e novos concursos serão abertos.

Portanto, prezados alunos, teremos concurso para a Defensoria Pública durante os próximos 8 (oito) anos. Para a Defensoria Pública da União, além do provimento dos 700 (setecentos) cargos restantes da Lei nº 12.763/12 (ainda vagos) destinados à interiorização para a Justiça Federal, novos cargos terão que ser criados para lotar Defensores na Justiça Trabalhista e na Justiça Eleitoral.

A par da determinação constitucional para prover defensores em todas unidades jurisdicionais, novas disposições consolidam a Defensoria Pública no texto constitucional.

No Título IV, da Organização dos Poderes, Capítulo IV, das Funções Essenciais à Justiça, foi criada Seção específica à Defensoria Pública – Seção IV -, separando-a da seção III que antes previa “da Advocacia e da Defensoria Pública”. Neste ponto, relembramos que a ADI 4.636, protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que questiona também a desvinculação dos Defensores Públicos a seus quadros (art. 4º, §6º, da LC nº 80/94, que dispõe que a capacidade do cargo do Defensor decorre da posse no cargo) tem um de seus principais argumentos esvaziado; vejamos trecho da ADI:

Ora, se fosse intenção do legislador constitucional tratar a Advocacia e a Defensoria Pública como institutos diversos, o faria, tratando-as separadamente e, não, como fez, agrupando-as na mesma seção, sob o mesmo título “Da Advocacia e da Defensoria Pública‟.

(…)

Com efeito, se a intenção do legislador constitucional fosse desdobrar a Advocacia e a Defensoria Pública teria feito, como fez para o Ministério Público e a Advocacia Pública, nas Seções I (Do Ministério Público – artigos 127 e seguintes) e na II (Da Advocacia Pública – artigos 131 e seguintes), do mesmo Capítulo IV do Titulo IV.

Aparentemente, portanto, não há mais dúvidas, Advogado é Advogado, Defensor Público é Defensor Público, Ministério Público é Ministério Público e Advocacia Pública é Advocacia-Geral da União e Procuradorias dos Estados, o que reforça a constitucionalidade do dispositivo atacado pela OAB (§ 6º, art. 4º, da LC nº 80/94)..

Além das referidas novidades, o caput do art. 134 da Constitucional Federal foi alterado para constitucionalizar previsões da Lei Complementar nº 80/94, qualificando constitucionalmente a Defensoria Pública como função essencial à justiça como instituição permanente, como o faz o art. 127 da CF com o Ministério Público, incumbindo-a, como expressão e instrumento do regime democrático – nova redação -, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Para facilitar a visualização das alterações, segue texto comparativo elaborado pela Secretaria Geral da Mesa do Senado Federal:

Seção IVDa Defensoria Pública
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.  Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. 

 

Houve, portanto, alterações no texto constitucional dando a incumbência à Defensoria Pública da promoção dos direitos humanos, da tutela judicial e extrajudicial, da defesa dos direitos individuais e coletivos, anteriormente previstas na LC nº 80/94, alterada em 2009 pela LC nº 132, e que já faziam parte da realidade da Defensoria Pública.

Com o novo texto foram afastadas contestações à atuação da Defensoria Pública, por exemplo, na Ação Civil Pública, instrumento para o exercício da legitimidade extraordinária da Defensoria Pública em favor do direito coletivo de nossa sociedade.

Foram constitucionalizados os princípios institucionais da Defensoria Pública da unidade, indivisibilidade e independência funcional, aplicando-se a instituição, no que couber, o art. 93 (que regula a magistratura) e o art. 96, II, da CF, que dá iniciativa de Lei aos Tribunais.

No que diz respeito à aplicação do art. 93 da Constituição, passa a ser aplicado à Defensoria as regras de ingresso na carreira (3 anos de atividade jurídica), de promoção, previsão de cursos oficiais para aperfeiçoamento, distribuição de processos, subsídios escalonados entre 10% e 5% a partir daqueles fixados aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dentre outros.

Neste ponto, importante relembrar previsão idêntica ao Ministério Público no § 4º, do art. 129 da Constituição Federal, que inclusive originou a Resolução nº 133/11 do Conselho Nacional de Justiça, regulamentando a simetria constitucional da Magistratura e Ministério Público que a nosso ver, passa a ser aplicada aos membros da Defensoria Pública em seus direitos e vantagens, inclusive.

Ainda, foi dado o instrumento da iniciativa legislativa à Defensoria Pública para, assim como nos Tribunais e no Ministério Público, se possa propor diretamente ao Poder Legislativo as propostas legislativas para estruturação, organização, criação e extinção de cargos de servidores e membros, fixação de subsídios de membros e vencimentos da carreira dos servidores.

No âmbito da União, como não foi alterada a iniciativa legislativa do Presidente da República para organização do MPU e DPU, acredito que a interpretação a ser adotada deva ser similar a hoje adotada para o MPU: projeto de lei complementar dispondo sobre organização da DPU poderá ser de iniciativa concorrente do Defensor Público-Geral Federal e do Presidente da República; projeto de lei ordinária dispondo sobre criação e extinção de cargos, criação de carreira de apoio, fixação de subsídios dos membros e vencimentos dos servidores, será de competência exclusiva do Defensor-Público Geral Federal.

Com isso, a instituição passa a ter instrumentos para a valorização do elemento humano que a faz funcionar e, principalmente, para cumprir o objetivo maior da nova Emenda Constitucional que é dar acesso à justiça a todo cidadão que necessitar em toda a unidade jurisdicional, judicial ou extrajudicialmente, por meio da tutela individual ou coletiva.

Em conclusão, novas atribuições, novos desafios, novas prerrogativas e novo status à Defensoria Pública, tudo com objetivo maior de melhor atender a população que não pode pagar por um advogado e tornar, na Justiça, nosso Estado como efetivamente democrático e acessível a todos.

Dr. Gabriel Faria de Oliveira