Daniela CarvalhoProcuradora Federal

Aprovada na 10a colocação no concurso da AGU em 2013

EBEJI

Olá, meus caros!!!

Hoje vamos estudar um tema muito complexo, que despertou a minha vontade de aprofundamento após o Atentado no Club em Orlando, em que um atirador ceifou a vida de 50 pessoas em uma boate LGBT. Do mesmo modo que o tema me chamou a atenção, pode ter chamado a atenção do nosso examinador e ser cobrado em provas, especialmente discursivas, tanto de Direito Constitucional, como de Direitos Humanos, tanto nas carreiras da AGU, como DPU e, principalmente, MPF. Mãos à obra?

O Reconhecimento já podia ser encontrado em Hegel, na sua obra Fenomenologia do Espírito, em que este autor destaca o caráter dialógico da construção da identidade. O olhar do outro sobre nós reflete diretamente na autoestima do sujeito, de modo individual e, também, coletivo. Importante ressaltar que o reconhecimento não se limita à mera identificação do outro. Outrossim, o reconhecimento denota respeito e valorização de pessoas e segmentos da sociedade.

Para Daniel Sarmento, a falta de reconhecimento ou o reconhecimento deturpado importa na diminuição do sujeito, em adoção de postura desrespeitosa, que o degrada e compromete a sua possibilidade de participar, como um igual nas relações sociais.

Nesse sentido, temos que grupos que desenvolvam comportamentos, seja em razão de sua origem, etnia, orientação sexual ou cultural diversa da dominante no meio em que está inserido, buscam o reconhecimento de forma coletiva, unindo-se a este importante passo para a humanidade. É o caso das comunidades tradicionais, como as etnias indígenas, e.g.

Podemos exemplificar o feminismo não-radical de Nancy Fraser[1], que destaca a segregação da mulher. No Brasil, até 1962, as mulheres casadas eram consideradas relativamente incapazes, bem como o Código Civil de 1916 dizia que o homem era o chefe do lar. Tais normas podem causar espanto nos dias hodiernos. Contudo, já foram legitimadas. Assim, é importante que o Direito aja para não legitimar a diminuição subjetiva de determinados grupos. Fraser sugere como solução a paridade na participação, por este critério, a distribuição de recursos materiais deve assegurar aos participantes independência e voz, bem como, os padrões institucionalizados de valor cultural devem expressar igual respeito a todos os participantes da sociedade, garantindo-lhes oportunidades iguais para conquistar a estima social.

O ponto sensível de toque está no equilíbrio entre o direito ao reconhecimento e as liberdades individuais. No Brasil, temos o caso emblemático do HC 82.424, em que o discurso do ódio (hate speech) foi validado pelo Supremo Tribunal Federal como CRIME DE RACISMO. O autor do fato era um editor de livros especializado na divulgação de obras antissemitas. Num exercício da ponderação de princípios, naquele caso concreto, nossa Suprema Corte entendeu que a dignidade da pessoa humana prevalecia sobre a liberdade de expressão.

Tutelar o reconhecimento é tarefa árdua e demanda, tanto dos Legisladores, quanto do aplicador do direito, extrema sensibilidade na ponderação de princípios, a fim de não esmagar a liberdade de expressão. Assim, não podemos banalizar toda e qualquer opinião contrária como qualificada por “discurso do ódio”, deixando a tutela jurídica para os casos em que a dignidade da pessoa humana seja, de fato, infligida.

Por fim, sem qualquer pretensão de resumir este tema tão profundo e complexo, podemos afirmar que o direito ao reconhecimento tem previsão na ordem jurídica brasileira?

A resposta é afirmativa. Apesar de não haver previsão expressa, “O princípio da dignidade da pessoa humana tem no reconhecimento intersubjetivo uma dimensão muito importante.”[2] Outros autores (por todos, Flavia Piovesan)[3] o enxergam imerso nos princípios da igualdade e da solidariedade, o que, também, é aceitável. Assim, seja na igualdade, na solidariedade ou na dignidade da pessoa humana, o reconhecimento está presente, ainda que de forma implícita, na nossa Constituição.

O Direito ao reconhecimento ganhou especial atenção do mundo com o chocante atentado de Orlando, e tem sido levantado pelo movimento LGBT. A comunidade homossexual clama o seu reconhecimento enquanto sujeitos de direito, almejando liberdade à sua orientação sexual diversa da maioria e proteção ao discurso do ódio. O reconhecimento traduz o respeito ao outro e não imposição da cultura majoritária, ou melhor: que o fato de o outro pensar ou agir ou sentir de modo diverso não seja motivo para que seja desrespeitado, sendo sujeito de direitos, merecedor de oportunidades paritárias na sociedade em que vive.

Não deve ser ceifado o direito de liberdade de cada pessoa, por exemplo, pensar de modo diverso. A liberdade é, do mesmo modo, valor supremo, merecedor de proteção. Contudo, o direito à liberdade de expressão não legitima o discurso do ódio. Ao menos, no Direito Comparado, essa tem sido a posição dos Tribunais, principalmente europeus. A exceção fica por conta da Suprema Corte Norte Americana, país no qual prevalece a liberdade de expressão sobre os demais valores. Um exemplo foi o caso com grande repercussão Brandenburg v. Ohio (395 U.S. 444 – 1969), em que a Corte invalidou decisão que condenara integrante da Ku Klux Klan por transmitir ao público imagem em que, encapuzado, dizia que niggers deveriam ser devolvidos para a África e os judeus para Israel.[4]

Um exemplo muito fácil de entender o reconhecimento é o pleito de alguns segmentos do movimento LGBT ao reconhecimento do CASAMENTO entre pessoas do mesmo sexo. Ainda que a união estável garanta direitos semelhantes patrimoniais, é importante o RECONHECIMENTO do casamento para muitos homossexuais, pois, este instituto ainda é o ícone máximo de representação social de comprometimento afetivo entre duas pessoas. Acredito que esse exemplo clarifique muito o RECONHECIMENTO como direito intersubjetivo, com aspectos psicológicos importantes[5].

Nesse sentido, apesar de no momento falar-se em punição de culpados, o que é comum após atos de tamanha atrocidade ocorridos em Orlando, acredito, humildemente, ter-se aberto o espaço para discussões mais profundas em termos de Direitos Humanos. Urge-nos discutir o diferente e seu RECONHECIMENTO enquanto sujeito de direitos e merecedores de respeito, em harmonia com a sua dignidade mais íntima e, ao mesmo tempo, coletiva. Entendo que meu dever, enquanto professora, é o de difundir o conhecimento. Ao menos, agora, o tema já não será inédito para muitos de vocês. Por isso, meus alunos, peço-lhes que aprofundem seus estudos neste tema tão rico e continuem se preparando para as nossas provas! O sucesso os espera!

Abraços,

Daniella Carvalho – Procuradora Federal

Rio de Janeiro, 16 de junho de 2016.

[1] FRASER, Nancy e HONNETH, Alex. “From Redistribution to Recognition? Dilemmas of Justice in a ‘Post-Socialist’ Age”New Left Review I/212, julho-agosto de 1995.

[2] SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana – Conteúdo, Trajetórias e Metodologia. Belo Horizonte, Editora Forum, 2016.

[3] PIOVESAN, Flávia. Igualdade, Diferença e direitos humanos: perspectiva global e regional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008.

[4] SARMENTO, Daniel. Ibidem.

[5] TAYLOR, Charles. (Org.). Multiculturalismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.