Olá, pessoal. Tudo certo?
No texto de hoje vou traçar um link entre processo civil e administrativo, a fim de analisar a possibilidade de intervenção amicus curiae no processo administrativo. Esse tipo de abordagem não é comum nos manuais de Direito e pode fazer muita diferença no seu preparo para uma prova discursiva ou oral.
O amicus curiae é o terceiro que, espontaneamente, a pedido da parte ou por provocação do órgão julgador, intervém no processo para fornecer subsídios que possam aprimorar a qualidade da decisão. Pode ser pessoa natural ou jurídica, e até mesmo órgão ou entidade sem personalidade jurídica.
Muito já se discutiu acerca da natureza jurídica da intervenção do amicus curiae. Com o CPC/15, findou-se a controvérsia, na medida em que tratada como intervenção de terceiro (art. 138), o que decorre do perfil que o amicus assumiu, ao longo do tempo, no direito brasileiro.
A propósito, a ampliação da participação do amicus curiae pelo CPC/15 se dá em razão do forte caráter cooperativo de sua intervenção, que intensifica o contraditório na busca por uma decisão mais justa e mais coerente com a realidade social. Além disso, a pluralização do debate amplia legitimação social dos julgamentos.
No que diz respeito ao processo administrativo, mesmo antes do CPC/15, parte da doutrina já afirmava a possibilidade de atuação do amicus, com base nos incisos III e IV do art. 9º da Lei 9.784/99, consoante os quais são legitimados como interessados no processo administrativo “as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos” (art. 9º, III) e “as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses coletivos” (art. 9º, IV).
Com efeito, com a positivação e ampliação da atuação do amicus curiae no processo civil pelo NCPC, restou mais evidente para a doutrina a possibilidade de admissão de sua intervenção em âmbito administrativo, na medida em que o artigo 15 do CPC/15 prevê a aplicação subsidiária e supletiva de suas regras ao processo administrativo.
Ademais, de acordo com Ada Pellegrini Grinover[1], corrobora com a extensão da participação do amicus curiae ao processo administrativo o princípio do diálogo das fontes, segundo o qual deve ser sempre possível a adoção de uma regra oriunda de outra disciplina jurídica, desde que compatível com as regras próprias de outro sistema.
A referida autora afirma, ainda, que também a analogia pode ser aplicada no caso da intervenção do amicus no processo administrativo, que apresenta frequentemente os requisitos indicados pelo art. 138 do CPC para sua aplicação: “A relevância da matéria, a especificidade do objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia”.
Desse modo, sob ótica doutrinária, é admitida a intervenção de amicus curiae no processo administrativo, com base nos seguintes fundamentos:
(i) 9º, III e IV da Lei 9.784/99: consoante os quais são legitimados como interessados no processo administrativo as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos e as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses coletivos;
(ii) NCPC: na medida em que prevê expressamente a figura do amicus (art. 138) e dispõe serem aplicáveis suas disposições ao processo administrativo em caráter subsidiário (art. 15, CPC);
(iii) Princípio do diálogo das fontes: segundo o qual deve ser sempre possível a adoção de uma regra oriunda de outra disciplina jurídica, desde que compatível com as regras próprias de outro sistema.
Em se tratando de concursos para a Advocacia Pública, é importante saber, ainda, que o TCU vem admitindo a participação de amicus curiae nos feitos processados perante a Corte de Contas, ex vi:
AGRAVO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE HABILITAÇÃO NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE RAZÃO LEGÍTIMA PARA INTERVIR NO PROCESSO. NÃO PROVIMENTO. ADMISSÃO DA ASSOCIAÇÃO DE TERMINAIS PORTUÁRIOS PRIVADOS COMO AMICUS CURIAE. CIÊNCIA. […] 9.2. indeferir o pedido da Associação de Terminais Portuários Privados de admissão nos autos como interessada, com o consequente indeferimento de seu pleito de exercício de outras prerrogativas processuais, admiti-la como amicus curiae, fixar prazo de 15 (quinze) dias para que apresente sua contribuição técnica para deslinde da questão tratada nestes autos e encaminhar-lhe cópia deste processo (AC-1659-25/16-P; Acórdão: 1659/2016; Plenário; Processo:014.624/2014-1)
[…] Em vista das diversas dificuldades levantadas pelos entes ambientais competentes para cumprimento das determinações em questão, o Relator ad quem facultou o acesso aos autos, como amicus curiae, às Confederações Nacionais da Indústria, da Agricultura e dos Transportes, respectivamente, CNI, CNA e CNT, para que se manifestassem acerca dos temas aqui tratados (peça 160). ( Acórdão 1004/2016; Plenário; Processo: 014.293/2012-9)
“[…] Considerando que esta Corte de Contas tem admitido o ingresso de associações em processos de interesse coletivo, na condição de amicus curiae, a exemplo do que foi decidido no Acórdão 1.659/2016-TCU-Plenário; Os Ministros do Tribunal de Contas da União, quanto ao processo a seguir relacionado, ACORDAM, por unanimidade […] não conhecer do recurso de reconsideração interposto pelo Sindicato dos Trabalhadores nos Serviços Portuários dos Portos do Estado do Rio de Janeiro (peça 70), por inexistência de legitimidade e de interesse recursal, admitindo a entidade como amicus curiae e, em consequência, recebendo a documentação por ela trazida a título de contribuição técnica para deslinde da questão tratada nestes autos;” (AC 9323/2016, Segunda Câmara, Processo 032.564/2011-2)
Pois bem. Espero ter cumprido a tarefa de apresentar a vocês uma abordagem interdisciplinar e objetiva acerca da intervenção do amicus curiae. Bons estudos e até a próxima!
[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. O amicus curiae no processo administrativo. In: Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 13, n. 75, p. 5-15, nov./dez. 2016.
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