Olá alunas e alunos da EBEJI! Como estão? Hoje vamos tratar de um julgado muito recente do STJ, veiculado no informativo 608, que trata da (ir)revogabilidade da adoção.

Conforme já falamos em post anterior aqui no blog, a adoção, segundo Arnold Wald, em Curso de Direito Civil Brasileiro, pag. 183, é “um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente”.

Tal instituto é modalidade de colocação em família substituta (art. 28 da Lei nº 8.069/90 – ECA), isto é, forma de inserção da criança ou adolescente no seio de família que não seja a natural, mas um novo núcleo familiar.

A adoção pode ser unilateral ou bilateral/ conjunta. No primeiro caso, a adoção altera apenas uma linha de parentesco do adotando, a saber, materna ou paterna. Ocorre nas hipóteses de adoção de um dos cônjuges ou companheiro do filho do outro e está prevista no art. 41, §1º do ECA. De outro lado, a adoção bilateral altera ambas as linhas de parentesco, materna e paterna, do adotando, atribuindo-se a condição de filho ao adotado a duas pessoas novas, não existentes em seu registro civil de nascimento. Tal forma encontra-se regulada no art. 42, §2º do ECA e, de regra, é permitida apenas entre cônjuges ou companheiros (conviventes em união estável).

Pois bem. Segundo o art. 39, §1º do ECA, “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.” A irrevogabilidade da adoção existe em prol do melhor interesse da criança, dando-se a esta um estado de filho permanente, perene, e não suscetível às variações comportamentais e de desejo dos adotantes.

Nesse diapasão, e pelo que se infere do dispositivo supracitado, a adoção é ato que, uma vez perfectibilizado, não se desfaz. É dizer, uma vez concluída a adoção, com atribuição definitiva do estado de filho aos adotantes, não se revoga tal decisão nem se desfaz tal status.

No entanto, segundo o STJ, essa vedação pode ser relativizada nos casos de adoção unilateral, quando há comprovado enfraquecimento de vínculo entre adotante e adotado, de sorte que o que viria antes para beneficiar o infante, passa a lhe ser desfavorável. Em outras palavras, a vedação prevista no ECA quanto à irrevogabilidade da adoção existe unicamente para proteger o menor adotado mas, verificado no caso concreto, mediante constatação de situação peculiar, que tal previsão vulnera os direitos do adotado em vez de reforçá-los ou garanti-los, deve esta ser flexibilizada. O que se tem em mente, portanto, é que o escopo maior é a proteção do superior interesse do menor, de sorte que tal princípio poderá afastar a aplicação indistinta da regra do art. 39, §1º, ECA de acordo com a análise profunda do caso concreto que indique que tais interesses estarão preservados com justamente com o afastamento.

O que preceitua o princípio em tela, do interesse superior da criança e do adolescente, é a primazia das suas necessidades como critério interpretador da lei, para deslinde de conflitos ou elaboração de regras futuras, segundo Andréa Rodrigues Amin. Ressalta ainda a autora, in Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos Teóricos e Práticos, 8a ed., p. 70, que:

na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do interesse superior, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens. Ou seja, atenderá o referido princípio toda e qualquer decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos fundamentais, sem subjetivismos do intéprete.” (grifo meu)

Daí a importância do julgado que segue:

No caso de adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser flexibilizada no melhor interesse do adotando. Restringe-se a controvérsia, exclusivamente, a definir se é possível flexibilizar o preceito do art. 39, § 1º, da Lei n. 8.069/1990, que atribui caráter irrevogável ao ato de adoção, em virtude do enfraquecimento do vínculo afetivo firmado entre adotado e adotante. Inicialmente, consigna-se que a adoção unilateral, ou adoção por cônjuge, é espécie do gênero adoção, que se distingue do caudal comum por possuir elementos que lhe são singulares, sendo o mais acentuado, a ausência de ruptura total entre o adotado e os pais biológicos, porquanto um deles permanece exercendo o poder familiar sobre o menor que será, após a adoção, compartilhado com o cônjuge adotante. Ela ocorre a partir do óbito de um dos ascendentes biológicos, após a destituição do poder familiar de um deles ou mesmo na ausência de pai registral. Tal adoção irá substituir, para todos os efeitos, a linha biológica originária do adotado e ocorre independentemente de consulta ao grupo familiar estendido, cabendo tão-só ao cônjuge supérstite decidir sobre a conveniência, ou não, da adoção do filho pelo seu novo cônjuge/companheiro. É de se salientar que hoje, procura-se prioritariamente colocar o menor como o foco central do processo de adoção, buscando-se, em prol dele, a melhor fórmula possível de superação da ausência parcial, ou total dos ascendentes biológicos. Essa opção é claramente expressa no artigo 43 do ECA (a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.), que pela sua peremptoriedade e capacidade de se sobrepor aos outros ditames relativos à adoção, pode ser considerada verdadeira norma-princípio. Assim, os elementos balizadores e constitutivos da adoção unilateral, bem como as prerrogativas do cônjuge supérstite de autorizar a adoção unilateral de seu filho, e mesmo a própria declaração de vontade do adotando, podem ser superados ou moldados em nome da inexistência de reais vantagens para o adotando no processo de adoção. O princípio do interesse superior do menor, ou melhor interesse, tem assim, a possibilidade de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação concreta onde se analisa. Em complemento a esse raciocínio, fixa-se que a razão de ser da vedação erigida, que proíbe a revogação da adoção é, indisfarçavelmente, a proteção do menor adotado, buscando colocá-lo a salvo de possíveis alternâncias comportamentais de seus adotantes, rupturas conjugais ou outras atitudes que recoloquem o menor adotado, novamente no limbo sócio emocional que vivia antes da adoção. Sob esse diapasão, observa-se que há espaço para, diante de situações singulares onde se constata que talvez a norma protetiva esteja, na verdade, vulnerando direitos do seu beneficiário, ser flexibilizada a restritiva regra fixada no art. 39 § 1º, do ECA. (REsp 1.545.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 6/6/2017, DJe 1/8/2017).

Note-se que nesta decisão, o STJ abstraiu-se de formular premissas concretas, balizando a situação de forma bastante genérica e passível de aplicação aos mais variados casos, desde que a situação analisada indique que o afastamento da norma de irrevogabilidade da adoção seja a medida que verdadeiramente premia o melhor interesse da criança.

A possibilidade de exclusão da paternidade e revogação da adoção é possível somente em situações excepcionais, quando inexiste qualquer vínculo afetivo entre as partes pois, inexistente a afetividade, o registro civil não irá retratar a realidade, já que não haverá nem paternidade biológica nem socioafetiva. Assim, não sendo este o caso, permanecerá a regra de impossibilidade de rever-se a adoção já concretizada e finalizada.

O tema é bastante e relevante pois aborda questão cuja previsão normativa é expressamente clara no sentido proibitivo. Assim, é de alta probabilidade a cobrança deste assunto em provas de segunda fase e, até mesmo, de forma objetiva na primeira etapa, em questão que mencione o entendimento recente do STJ.

Bons estudos a todos e até a próxima!