Olá, pessoal. Firmes nos estudos?

Imagine a seguinte situação: um bem público inutilizado é ocupado por particular e você como Procurador do Poder Público a que pertence o bem deve adotar a medida cabível. A princípio, vem a sua mente a utilização de ação possessória, certo? Mas para o manejo de tal ação há que ser comprovado o exercício da posse sobre o bem. Como fazer isso em se tratando de bem não afetado?

Bom, a situação instiga e me foi brilhantemente esclarecida pelo Professor Ubirajara Casado, na linha da jurisprudência sustentada por vários Tribunais de Justiça, com base em fundamentos que passo a compartilhar com vocês, os quais são de extrema valia em provas subjetivas da Advocacia Pública e não se extraem da leitura de manuais.

De acordo com o art. 98 do CC, “são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

Considera-se bem público afetado aquele que está sendo utilizado para a concretização de um serviço público, enquanto que um bem público não afetado é aquele que não está sendo usado para um fim público específico, conservando apenas o seu valor patrimonial.

Nesse contexto, especificamente no que tange aos bens públicos não afetados, pertencem ao acervo estatal, mas sem destinação especial e sem finalidade pública, razão pela qual não há o efetivo exercício da posse pelo Poder Público, porquanto ausente a exteriorização de qualquer dos poderes inerentes à propriedade, conforme previsão do art. 1.196 do Código Civil.

Sem embargo, no caso de terras públicas, o Poder Público exerce a posse sobre seus imóveis de maneira permanente, como decorrência necessária de sua própria autoridade. Assim, é indiferente a afetação ou não do bem público para que se conclua haver a posse sobre ele, porquanto não há como se presumir seu abandono, tal como ocorre quanto aos bens particulares, haja vista a impossibilidade de tal conclusão em razão do interesse público que permeia a relação de propriedade.

Nesse contexto, em se tratando de bem público, a posse decorre do domínio, isto é, ainda que não exteriorize qualquer poder inerente à posse do imóvel, o Poder Público exerce a posse permanente sobre o mesmo, a qual se presume. Assim, é cabível ao titular do bem público estar em juízo objetivando tutela possessória, ainda que se cuide de bem não afetado.

Nesse sentido, alguns julgados de Tribunais pátrios:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. MUNICÍPIO DE ELDORADO DO SUL. INVASÃO A ÁREA PÚBLICA. PEDIDO LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DEFERIDO NA ORIGEM. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 561 DO NCPC.
– Presentes os requisitos para a concessão do deferimento da liminar de reintegração de posse, em caráter de cognição sumária, imperiosa a manutenção da decisão agravada, em atenção aos requisitos do art. 561 do NCPC.
Tratando-se de imóvel público, a posse do ente público é inerente ao domínio, sendo presumida à vista dos documentos comprobatórios da propriedade imobiliária acostados aos autos na origem. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070485735, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 15/12/2016)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO – ÁREA OCUPADA EM ALEGADO “PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO” – BEM PÚBLICO – OCUPAÇÃO DE NATUREZA PRECÁRIA – AUSÊNCIA DE POSSE – ARTIGO 1208 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA – ARTS. 527, INCISO I E 557, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, C/C ART. 66, IX DO RITJDFT- DECISÃO MANTIDA.

1 -Os agravantes mencionam que a área ocupada está em “processo de regularização”. Assim, em se tratando de terra pública, a ocupação não induz posse, mas mera detenção de caráter precário.

2 – É de se ver que o Poder Público exerce a posse indireta sobre seus imóveis de maneira permanente, como decorrência necessária de sua própria autoridade. Os agravantes, na situação fática que ora se apresenta, ocupam a área sob litígio por mera tolerância do Poder Público. Dessa feita, tal permanência possui natureza precária e não induz a posse, mormente quando a ocupação é exercida sobre bens pertencentes ao domínio público a teor do que dispõe o art. 1.208 do Código Civil atual.

3 – Os recorrentes não têm o domínio dos imóveis, nem posse, e o uso dessas áreas só é possível no modo estabelecido em lei, mediante autorização expressa e nas condições impostas no ato de autorização, permissão, cessão, concessão ou concessão de direito real de uso.

4 – Segundo o art. 557, caput do CPC, o relator negará seguimento a recurso em confronto com a jurisprudência.

5 – Não se vislumbrando fundamento para modificar a decisão agravada, não trazendo as razões do agravo regimental fatos capazes de infirmar a justificativa pela qual se negou seguimento a agravo de instrumento por decisão monocrática prevista no art. 557 do CPC, o não provimento do recurso é medida que se impõe.

6 – Agravo regimental conhecido e não provido.

(Acórdão n.917826, 20150020332975AGI, Relator: MARIA IVATÔNIA 5ª TURMA CÍVEL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Data de Julgamento: 03/02/2016, Publicado no DJE: 12/02/2016. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Trata-se de tese a ser sustenta em concursos da Advocacia Pública, a qual, com certeza, constituirá diferencial do candidato, haja vista se cuidar de tese favorável à Fazenda Pública, embora não seja usualmente objeto de estudo.

Por fim, importa lembrar que, em decorrência do §3º do art. 183 da CF, que veda a usucapião de bem público, entende o STJ, consoante julgado mais recente publicado em informativo da Corte, que, perante o Poder Público, o particular será SEMPRE mero detentor, não havendo que falar em proteção possessória, podendo, contudo, defender sua posse em litígio entre particulares, caso se trate de bem dominial (REsp 1.296.964-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 18/10/2016, DJe 7/12/2016)

Bons estudos a todos!