Quando é celebrado um contrato administrativo entre um particular e a Administração Pública a expectativa de ambas as partes é que ocorra o fiel cumprimento de todas as cláusulas pactuadas, sendo dever dos contratantes honrar com as suas prestações no tempo e no modo determinados no instrumento contratual.

Os contratos administrativos, da mesma forma que os contratos regidos exclusivamente pelo direito privado tem como características, entre outras, a bilateralidade (para sua formalização é necessária a manifestação de vontade das partes contratantes) e a comutatividade (as obrigações das partes contratantes são equivalentes e previamente estabelecidas). Ou seja, tanto a Administração Pública, como o particular devem arcar com a parcela que lhe cabe após a formalização do contrato administrativo.

Não obstante este dever de cumprimento dos contratos – em Latim Pacta Sunt Servanda – por vezes surgem conflitos entre a Administração Pública e o particular referente a algum ponto da avença, sendo necessário solucionar a divergência existente.

No ordenamento jurídico brasileiro, por força constitucional a jurisdição é inafastável, estando expressamente previsto no artigo 5º, XXXV que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito¸ sendo indiscutível que qualquer conflito envolvendo duas ou mais pessoas pode ser levado para apreciação e solução em juízo. Trata-se de uma solução heterocomposta do conflito, onde um terceiro imparcial – o juiz – empresta a solução que lhe parece justa e legítima para o caso.

A questão a ser definida é a possibilidade da utilização de mecanismos não judiciais de resolução de conflitos para as lides administrativas. Ou seja, é admissível a utilização de negociação, mediação, arbitragem e dispute boards para a solução de conflitos administrativos?

Antes de responder efetivamente a indagação supra realizada, é importante relembramos quais são os principais métodos de soluções de conflitos alternativos ao Poder Judiciário ou ADRs (Alternative Dispute Resolution). Neste ponto cabe destacar, de acordo com a doutrina de Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem.

Na negociação as próprias partes buscam a solução do conflito sem a participação de terceiros, entabulando por si só a melhor forma para a resolução do conflito.

Já na conciliação e na mediação há a presença de um ator externo atuando na questão conflituosa que, embora de formas diferentes, busca chegar na solução negociada para a questão.

Sendo mais específico na diferenciação dos institutos citados no parágrafo anterior, a mediação é conduzida por um mediador neutro e imparcial que tem a função de auxiliar as partes na composição de uma solução negociada, enquanto na conciliação o conciliador, mantida a sua neutralidade e imparcialidade, atua de forma mais ativa na condução do trabalho e do diálogo, apresentando sugestões na busca de finalizar extrajudicialmente o conflito.

Cabe destacar que com o advento da Lei 13.140/2015 fica institucionalizada a possibilidade de autocomposição dos litígios que envolvam pessoas jurídicas de direito público, com a finalidade de prevenir e resolver conflitos sem bater nas portas do Poder Judiciário.

ATENÇÃO: O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 125/2010, dispondo sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e trata da oferta pelos órgãos do Poder Judiciário de mecanismos para a solução de controvérsias através de meios consensuais (o texto da Resolução pode ser encontrado no link: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579). A Lei 13.140/2015 trouxe a obrigação para os Tribunais criarem centros judiciários de solução consensual de conflitos (Art. 24).

Além disso, no âmbito da Advocacia-Geral da União existe a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal (CCAF), que busca solucionar extrajudicialmente os conflitos existentes, evitando a judicialização das questões que possam ser resolvidas no âmbito da Câmara. Há previsão expressa dessas Câmara na Lei 13.140/2015 (art. 32 e seguintes).

Por sua vez, a arbitragem representa uma forma de heterocomposição de conflitos, onde a decisão final do litígio existente é decidida por um árbitro com experiência no assunto discutido e imparcial, escolhido por convenção das partes envolvidas, sem a participação do Estado-juiz.

A utilização da arbitragem nos contratos administrativos é alvo de intensa polêmica doutrinária e jurisprudencial. Destacam-se duas posições antagônicas que merecem atenção para as provas de concurso.

A primeira posição advoga pela impossibilidade do uso da arbitragem para a solução de controvérsias em contratos da Administração Pública. Trata-se de posição extremamente conservadora, que se fundamenta nos princípios da indisponibilidade do interesse público e na legalidade para concluir que não seria possível que um árbitro (particular) decidisse sobre o atendimento do interesse público no bojo de um contrato administrativo. Não é a posição recomendável de ser defendida em provas. Sugiro citar a sua existência, mas defender a segunda posição.

A segunda posição (dominante na doutrina) entende que a arbitragem é compatível com os contratos da Administração Pública, cabendo citar José dos Santos Carvalho Filho, Caio Tácito, Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Para essa linha doutrinária a admissão da arbitragem nos contratos administrativos atende às exigências do princípio constitucional da eficiência.

O Superior Tribunal de Justiça entende possível a aplicação da arbitragem em contratos administrativos como se verifica nos acórdãos que seguem:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. ARBITRAGEM. VINCULAÇÃO AO EDITAL. CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.

(…)

5. Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

6. O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.

7. A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame.

8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável.

9. A controvérsia estabelecida entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato – é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral. (REsp 904813 / PR – Ministra NANCY ANDRIGHI – 3ª Turma – DJe 28/02/2012)

Importante ressaltar que a arbitragem, em todos os contratos da administração só pode dizer respeito às questões predominantemente patrimoniais ou técnicas, ou seja, apenas direitos disponíveis do Estado.

Em importante alteração legislativa a Lei 13.129/2015, alterou a Lei 9.307/1996 estabelecendo de forma expressa que a Administração Pública poderá estabelecer convenção de arbitragem, por meio da autoridade competente para a realização de acordos e transações, para dirimir conflitos relativos a direitos disponíveis.

Assim consta no artigo 1º da Lei 9.307/1996:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

1oA administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

2oA autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.

Por último, é importante citar uma novidade importada do direito americano e que professores da envergadura de Arnoldo Wald buscam introduzir no direito nacional. Trata-se do dispute board ou Comitê de Resolução de Conflitos. Nos Estados Unidos, onde é utilizado de maneira pioneira desde 1970, este Comitê (órgão colegiado), formado por alguns experts indicados pelas partes no ato de celebração do contrato, tem por objetivo acompanhar a execução do contrato, podendo emitir recomendações – evitando possíveis conflitos – ou decisões para dirimir os conflitos existentes, evitando a sujeição da questão ao crivo do Poder Judiciário.

O tema de hoje é extremamente importante para quem objetiva concursos públicos de Advocacia Pública, sendo a solução negociada de conflitos tema quente para as próximas provas.

EBEJI

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