Efeitos dos embargos à execução fiscal e o art. 739-A, do CPC

No mês passado, fora publicada notícia, no site do Supremo Tribunal Federal [1], acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5165 ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), questionando a aplicação de rito previsto no artigo 739-A e seus respectivos parágrafos, do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei 11.382/2006, às execuções fiscais.

Referida ação acabou por reviver a grande discussão que existia, em âmbito doutrinário e jurisprudencial, acerca dos efeitos em que são recebidos os embargos à execução fiscal, o que, por consequência, pode vir a ser objeto de questionamento nos próximos concursos.

EFEITO SUSPENSIVO DOS EMBARGOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O Código de Processo Civil, desde a sua redação original, previa, em seu artigo 737, como condição de admissibilidade à oposição de embargos à execução, a prévia necessidade de garantia do juízo, a exemplo do depósito ou da penhora. Posteriormente, com advento da Lei nº 8.953/94, fora acrescido o §1º ao artigo 739, dispondo que os embargos deveriam, sempre, ser recebidos com efeito suspensivo, sobrestando, assim, o andamento da execução.

Dentre as diversas alterações promovidas no regime executório pela Lei nº 11.382/06, a legislação processual civil passou a permitir a oposição dos embargos à execução de título extrajudicial independentemente de penhora, depósito ou caução, nos termos do artigo 736, do CPC. Em contrapartida, o efeito suspensivo deixou de ser a regra. Assim, nos termos do artigo 739-A, do CPC, a oposição dos embargos à execução não gera a automática suspensão da execução.

Para concessão do referido efeito, dispõe o parágrafo primeiro do artigo 739-A, do CPC, que “o juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes”. Destarte, são requisitos necessários à atribuição do efeito suspensivo: a) possível dano grave e de difícil ou incerta reparação ocasionado pelo prosseguimento da execução (periculum in mora); b) execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes; c) requerimento da embargante; d) fundamentos relevantes (fumus bonis iuris); e) decisão judicial.

O artigo 739-A, do CPC, e seus parágrafos,são aplicáveis à Execução Fiscal?

EFEITO SUSPENSIVO DOS EMBARGOS NA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL

A Lei n 6.830/80, que regulamenta a execução fiscal, não possui disposição expressa acerca dos efeitos em que devem ser recebidos os embargos, embora preveja a necessidade de prévia garantia do juízo para sua oposição.Por esta razão, discute-se muito, em âmbito doutrinário e jurisprudencial, acerca dos efeitos em que devem ser recebidos os embargos. Neste sentido, nascem dois entendimentos, a seguir descritos de forma bastante sintética:

PRIMEIRO ENTENDIMENTO (FAVORÁVEL À FAZENDA): considerando a inexistência de previsão expressa da Lei n 6.830/80 acerca dos efeitos em que devem ser recebidos os embargos à execução fiscal, deve-se aplicar, pela própria disposição do artigo 1º, da referida lei, subsidiariamente, o Código de Processo Civil. Assim, para a execução fiscal, vigoram as seguintes regras: a) necessidade de garantia da execução fiscal (art. 16, §1º, da Lei nº 8.630/80); b) inexistência de efeito suspensivo automático dos embargos à execução (739-A); c) necessidade de requerimento fundamentado e preenchimento dos requisitos do 739-A, §1º, para concessão do efeito suspensivo.

SEGUNDO ENTENDIMENTO (FAVORÁVEL AO CONTRIBUINTE): deve-se realizar uma interpretação sistemática da Lei nº 6.830/80, não sendo necessária a aplicação subsidiária do CPC. Neste sentido, por decorrência de disposições como a dos artigos 18, 19, e 32, §2º; da lei acima mencionada, bem como da própria necessidade de garantia prévia do juízo, deve-se compreender que a Lei de Execuções Fiscais, de forma implícita, previu a necessidade de sobrestamento dos autos executivos, atribuindo-se efeito suspensivo aos embargos.

Qual o entendimento que prevalece na jurisprudência?

ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL – RECURSO REPETITIVO RESP 1.272.827/PE

Pacificando toda a discussão acima narrada, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou em favor do primeiro entendimento, quando do julgamento do Recurso Repetitivo REsp 1.272.827/PE, que, em síntese, reconheceu o caráter especial da Lei 6.830/80 e a aplicação subsidiária do artigo 739-A, do CPC, aos embargos à execução fiscal, exigindo-se, portanto, para concessão do efeito suspensivo, a apresentação de garantia; verificação, pelo juiz, da relevância da fundamentação (fumus boni juris); e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).

Destacam-se, a seguir, os principais trechos da ementa:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. APLICABILIDADE DO ART. 739-A, § 1º, DO CPC ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. NECESSIDADE DE GARANTIA DA EXECUÇÃO E ANÁLISE DO JUIZ A RESPEITO DA RELEVÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO (FUMUS BONI JURIS) E DA OCORRÊNCIA DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO (PERICULUM IN MORA) PARA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS EM EXECUÇÃO FISCAL. 1. A previsão no ordenamento jurídico pátrio da regra geral de atribuição de efeito suspensivo aos embargos do devedor somente ocorreu com o advento da Lei n. 8.953, de 13, de dezembro de 1994, que promoveu a reforma do Processo de Execução do Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – CPC/73), nele incluindo o § 1º do art. 739, e o inciso I do art. 791. 2. Antes dessa reforma, e inclusive na vigência do Decreto-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, que disciplinava a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública em todo o território nacional, e do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei n. 1.608/39), nenhuma lei previa expressamente a atribuição, em regra, de efeitos suspensivos aos embargos do devedor, somente admitindo-os excepcionalmente. Em razão disso, o efeito suspensivo derivava de construção doutrinária que, posteriormente, quando suficientemente amadurecida, culminou no projeto que foi convertido na citada Lei n. 8.953/94, conforme o evidencia sua Exposição de Motivos – Mensagem n. 237, de 7 de maio de 1993, DOU de 12.04.1994, Seção II, p. 1696. 3. Sendo assim, resta evidente o equívoco da premissa de que a LEF e a Lei n. 8.212/91 adotaram a postura suspensiva dos embargos do devedor antes mesmo de essa postura ter sido adotada expressamente pelo próprio CPC/73, com o advento da Lei n. 8.953/94, fazendo tábula rasa da história legislativa. 4. Desta feita, à luz de uma interpretação histórica e dos princípios que nortearam as várias reformas nos feitos executivos da Fazenda Pública e no próprio Código de Processo Civil de 1973, mormente a eficácia material do feito executivo a primazia do crédito público sobre o privado e a especialidade das execuções fiscais, é ilógico concluir que a Lei n. 6.830 de 22 de setembro de 1980 – Lei de Execuções Fiscais – LEF e o art. 53, § 4º da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, foram em algum momento ou são incompatíveis com a ausência de efeito suspensivo aos embargos do devedor. Isto porque quanto ao regime dos embargos do devedor invocavam – com derrogações específicas sempre no sentido de dar maiores garantias ao crédito público – a aplicação subsidiária do disposto no CPC/73 que tinha redação dúbia a respeito, admitindo diversas interpretações doutrinárias. 5. Desse modo, tanto a Lei n. 6.830/80 – LEF quanto o art. 53, § 4º da Lei n. 8.212/91 não fizeram a opção por um ou outro regime, isto é, são compatíveis com a atribuição de efeito suspensivo ou não aos embargos do devedor. Por essa razão, não se incompatibilizam com o art. 739-A do CPC/73 (introduzido pela Lei 11.382/2006) que condiciona a atribuição de efeitos suspensivos aos embargos do devedor ao cumprimento de três requisitos: apresentação de garantia; verificação pelo juiz da relevância da fundamentação (fumus boni juris) e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). 6. Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 – artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, § 1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal. 7. Muito embora por fundamentos variados – ora fazendo uso da interpretação sistemática da LEF e do CPC/73, ora trilhando o inovador caminho da teoria do “Diálogo das Fontes”, ora utilizando-se de interpretação histórica dos dispositivos (o que se faz agora) – essa conclusão tem sido a alcançada pela jurisprudência predominante, conforme ressoam os seguintes precedentes de ambas as Turmas deste Superior Tribunal de Justiça. (…)8. Superada a linha jurisprudencial em sentido (…)9. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.(STJ, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 22/05/2013, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO).

E como fica a presente questão no STF?

ADI 5165

Na ADI em comento, em síntese, busca a OAB a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 739-A e parágrafos, do CPC, com o intuito de somente serem aplicados às execuções no âmbito cível, e não mais às execuções fiscais.

Conforme defende a OAB, nas execuções de natureza privada, tem-se o consentimento do devedor, enquanto nas fiscais a certidão de dívida ativa tributária é constituída de forma unilateral pelo credor,o que justificaria a supressão do efeito suspensivo na esfera cível, pois só mesmo razões excepcionais podem sustar a cobrança de dívida livremente assumida, e, por outro lado,a repulsão na seara fiscal, posto que não houve concordância do devedor quanto à divida em cobrança. Ademais, a ausência de efeito suspensivo, no âmbito fiscal, violaria os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, por continuar a execução, expropriando bens do contribuinte, sem que o Poder Judiciário aprecie o mérito de seus embargos.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 626.468, interposto contra acórdão que não atribuiu efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal por entender ser aplicável às execuções fiscais o art. 739-A do CPC, sob o argumento de violação ao art. 5º, XII, LIV, LV da Constituição Federal, concluiu pela ausência de repercussão geral, uma vez que a matéria seria eminentemente infraconstitucional, e que eventual ofensa à Constituição seria reflexa.

Apenas com o julgamento da ADI nº 5165 que se poderá cogitar em eventual mudança de entendimento jurisprudencial. No momento, deve-se, apenas, considerar o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Repetitivo supramencionado, com a possibilidade de aplicação do artigo 739-A, do CPC, às execuções fiscais.

Grande abraço e até a próxima.

Rodolfo Cursino, Procurador da Fazenda Nacional.

[1] https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=275922