Entenda a decisão do STJ, em REsp repetitivo, que admite o bloqueio de verba pública para fornecimento de medicamento.

 

1. A DECISÃO:

Foi noticiado hoje, no site do STJ (https://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112147&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=fazenda%20p%FAblica), a decisão da Corte do REsp repetitivo nº 1.069.810-RS que entende possível o bloqueio de verba pública para fornecimento de medicamento a pessoa hipossuficiente.

A ementa da decisão está assim redigida:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5o. DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/2008 DO STJ.

1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. (grifo apócrifo)

2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 08/2008 do STJ

Contudo, a decisão é muito mais complexa do que sugere a ementa do julgado. Analisemos.

2. O PROBLEMA JURÍDICO ENVOLVIDO:

A principal questão envolvida no julgamento do REsp citado está em saber se pode o Poder Judiciário, sem previsão legal, determinar o bloqueio e verbas públicas para pagamento e fornecimento de medicamento a pessoa necessitada. Registre-se, ainda, que o pagamento mencionado se faz, normalmente, em espécie, com depósito em conta corrente.

Estar-se, portanto, diante de um conflito entre direito fundamental à saúde e o da impenhorabilidade dos recursos da Fazenda Pública.

3. O QUE ENTENDE O STJ:

O STJ, por sua primeira seção, entendeu que o conflito mencionado é inconciliável, razão pela qual o direito à saúde se sobrepõe ao da impenhorabilidade de verbas públicas. Igual entendimento mantem o STF no RE 393.175 – Min. Celso de Mello, de 1º/02/06.

Para tanto, a Corte Superior, encontrou, no CPC (art. 461, § 5º), base para a sua fundamentação, diz que: “o legislador possibilitou ao Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a medida que, ao seu juízo, mostrar-se mais adequada para tornar efetiva a tutela almejada. A norma apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração.

O dispositivo legal está assim redigido:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(…)

§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Entende o STJ, portanto, que o bloqueio de verbas públicas está autorizado pelo art. 461, § 5º do CPC, quando o dispositivo lista, a título de exemplo, as medidas que o magistrado pode adotar para a efetivação da tutela específica. Assim, nos termos da decisão, a ausência de previsão expressa para o bloqueio de verbas não é óbice legal.

Referido entendimento, guarda coerência com a jurisprudência do STJ em casos semelhantes:

“a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados (AgRg no REsp 1002335/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 22.09.2008).

4. DA EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA:

Contudo, o STJ, em suas razões de decidir, teve o cuidado de exigir do magistrado prolator da decisão que o bloqueio de verbas públicas se dê apenas em casos excepcionais, quando nenhuma outra medida judicial seja útil à efetivação da tutela específica, no caso, fornecimento de medicamento e quando haja nos autos comprovação de que o Estado não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e a demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante.

5. DA POSSIBILIDADE DE REFORMA DA DECISÃO:

A decisão tomada no REsp mencionado não transitou em julgado, o Estado do Rio Grande do Sul ainda pode se insurgir. O processo tem a União atuando como amicus curie de forma que ainda devem ser travados debates sobre o tema até a formação da coisa julgada.

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Grande abraço e até a próxima.

Ubirajara Casado.