Olá pessoal, tudo certo?

Começaremos o ano de 2017 aqui no blog da EBEJI com um tema que promete cair demais em provas subjetivas e orais, sobretudo (mas não exclusivamente) do Ministério Público. Trata-se do chamado garantismo hiperbólico monocular.

Antes, porém, de adentrarmos nesse relevante conceito, curial se apresenta a devida contextualização sobre o garantismo penal. Não há como compreender esse “movimento garantista” sem assinalar a relevância dos estudos e obra do professor italiano Luigi Ferrajoli, para quem o garantismo nada mais seria do que a observância de direitos e proteções previstos na Constituição, mormente durante toda a persecução penal e também na interpretação e aplicação de normas criminais. Para o professor, a Constituição não poderia ser compreendida de maneira exclusivamente normativa, mas sim deveria viabilizar a produção do seu conteúdo formador, do seu ideal e modelo de sociedade desejado, inclusive na seara punitiva-penal.

Nesse contexto, para que as sanções possam se legitimar democraticamente, o Estado precisa respeitar os Direitos Fundamentais, apoiando-se em uma cultura igualitária e sujeita à verificação de suas motivações, porque o poder estatal deve ser limitado, a saber, somente pode fazer algo quando expressamente autorizado.

Há quem entenda que é necessária a classificação do garantismo em (i) garantismo positivo e (ii) garantismo negativo. Apesar de essa nomenclatura e a própria classificação em si serem polêmicas, essa divergência será analisada em outra postagem, em momento oportuno. No momento, vale anotar que essa dicotomia é pautada a partir de compreensões extraídas do princípio da proporcionalidade. É que, a partir desse postulado interpretativo, indica-se o garantismo negativo como aquele que traz ínsita a proibição do excesso. Contudo, parte da doutrina processual penal entende que está havendo uma desvirtuação da concepção garantista, flertando com a defesa da impunidade.

Assim, entendeu-se necessário também trabalhar com a concepção “positiva” do garantismo, fulcrada na proibição da proteção deficiente. O sistema de proteção dos direitos fundamentais se expressa em proteção negativa (proteção do indivíduo frente ao poder do Estado) e proteção positiva (proteção, por meio do Estado, dos direitos fundamentais contra ataques e ameaças provenientes de terceiros). Pelo princípio da proibição de proteção insuficiente (proibição de não-suficiência ou proibição por defeito), o Estado também será omisso quando não adota medidas suficientes para garantir a proteção dos direitos fundamentais.

O ministro do STF e eminente constitucionalista Gilmar Mendes, refletindo sobre o tema, já apontou que “os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção […], expressando também um postulado de proteção […]. Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de omissão (Untermassverbot). Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção: […]  (b) Dever de segurança […], que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante adoção de medidas diversas; […] Discutiu-se intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou por reconhecer esse direito, enfatizando que a não-observância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental.”[1].

O professor e Procurador da República Douglas Fischer (examinador dos últimos concursos para ingresso no MPF) vem trabalhando incisivamente o tema, a partir dessa noção de proteção positiva e negativa (garantismo integral) com uma crítica ao que ele chama de GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR.

No entender do professor, a exacerbação do discurso garantista “unilateral” ou monocular, atento “apenas” ao aspecto da proibição do excesso, tem desvirtuado a garantia de uma imunidade às arbitrariedades, concebendo uma equivocada a garantia (potencial) de impunidade.

Afirma, pois, que “tem havido uma disseminação de uma ideia apenas parcial dos ideais garantista (daí nos referirmos a um garantismo hiperbólico monocular) é porque muitas vezes não se tem notado que não estão em voga (reclamando a devida e necessária proteção) exclusivamente os direitos fundamentais, sobretudo os individuais. Se compreendidos sistemicamente e contextualizados à realidade vigente, há se ver que os pilares do garantismo não demandam a aplicação de suas premissas unicamente como forma de afastar os excessos injustificados do Estado à luz da Constituição (proteção do mais fraco). Quer-se dizer que não se deve invocar a aplicação exclusiva do que se tem chamado de garantismo negativo. (…) O dever de garantir a segurança não está em apenas evitar condutas criminosas que atinjam direitos fundamentais de terceiros, mas também (segundo pensamos) na devida apuração (com respeito aos direitos dos investigados ou processados) do ato ilícito e, em sendo o caso, na punição do responsável”[2].

RESUMINDO O TEMA:

A partir da mais difundida classificação de garantismo à luz da (i) proibição do excesso e da (ii) proibição da proteção deficiente, parte da doutrina aponta que o tratamento dado majoritariamente no direito brasileiro por uma linha penalista ao garantismo tem como foco exclusivo e exacerbado o chamado “garantismo negativo”. Desse modo, em contraposição ao garantismo INTEGRAL, passou-se apontar e criticar a ideia do garantismo hiperbólico monocular. Diz-se hiperbólico uma vez que ele estaria sendo aplicado de maneira ampliada, intensa desproporcional e/ou hiperbolizada! Ademais, seria também MONOCULAR já que somente estaria enxergando os direitos fundamentais do réu. Nessa ideia, não há uma análise refratária ao garantismo, mas sim a defesa da sua integralidade, também no viés positivo, visando a resguardar não apenas os direitos fundamentais dos réus e investigados, como também das vítimas.

Importante!

Esse é um tema que deve ser explorado e defendido, sobretudo, em provas de Ministério Público e, talvez, a depender do Tribunal, da magistratura. Contudo, em provas de Defensoria Pública, o cuidado deve ser redobrado. Isso porque há severas resistências (minhas, inclusive) de entender o chamado garantismo positivo como efetivo garantismo! Mas isso será tema de outras postagens futuras! Por ora, espero que vocês tenham entendido o conceito e gostado da abordagem!

Excelente 2017 e vamos em frente! Juntos!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

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[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 2, n. 13, jun. 1999. Também em Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, n. 8, 2004, p. 131-142.

[2] FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideaisRevista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 28, mar. 2009. Disponível em: <https://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html