Olá pessoal, tudo beleza?

Hoje tentarei tratar com vocês sobre um assunto que tenho certeza absoluta será objeto das próximas provas, vez que está por mim qualificado como um dos mais importantes precedentes do ano de 2017! E a importância é ainda maior porque revela uma definição do tema pelo STF, marcando uma virada jurisprudencial também em relação ao STJ (Corte Especial, 2017)! Vamos entender com calma, certo?

Imaginemos que haja prova da materialidade e indícios de autoria de determinado crime comum em relação ao Governador de um Estado. Sabe-se que eventual processamento dele deverá se dar em âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em razão da previsão constitucional da prerrogativa de foro, correto? Vejamos:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: (a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

Isso aqui é fácil e não houve novidades. Contudo, a grande polêmica se dá acerca da necessidade ou não de autorização prévia das respectivas Assembleias Legislativa para o processamento de eventual denúncia em detrimento do Governador! Essa polêmica existe, fundamentalmente, por duas razões: (i) há uma série de Constituições Estaduais com essa previsão, bem como (ii) afirma-se que essa exigência seria uma decorrência lógica da CF/88, em razão da incidência do princípio da simetria!

Deixe-me explicar melhor e contextualizar a situação. Sabemos que há um movimento (não sei se quando vocês estiverem lendo esse texto, essa especulação já terá se tornado concreta) dentro da Procuradoria Geral da República pelo oferecimento de denúncia em face de supostos crimes praticados pelo atual presidente (Michel Temer). O fato é que não basta a formalização de inicial acusatória para que o Presidente da República em exercício responda a um processo criminal, sendo imprescindível a autorização de 2/3 da Câmara Federal para tanto! É o que prevê a Constituição Federal:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;

Beleza, Pedro! Isso eu já estou sabendo! É importante estarmos atento ao fatos que nos circundam, porque o examinador também está ciente da realidade recente e pode cobrar isso em concurso. Mas e em relação aos Governadores? Há previsão semelhante?

Não na Constituição Federal! De acordo com recentíssimo precedente da Corte Especial do STJ (AgRg na APn 836/DF), mesmo que não prevista expressamente na Constituição Estadual, essa regra deve ser observada também para o Chefe do Executivo Estadual, em razão do postulado da Simetria! Para tanto, o Ministro Relator inclusive fez um levantamento de precedentes do Supremo Tribunal Federal nesse mesmo sentido. Vejamos algumas das principais informações extraídas do julgado acima citado:

(i) A necessidade de autorização da Assembleia Legislativa Estadual para o processamento criminal do Governador decorreria, ainda que não previsto expressamente na CE, diante do que  dispõe,  por  simetria,  o  art.  86  da  Constituição Federal.

(ii) Sobre o caso de não prever expressamente a Constituição Estadual, analisando o caso específico da Constituição de Minas Gerais, asseverou o STJ que, em interpretação sistemática da Constituição Federal, cotejando-a com  as  demais  Constituições Estaduais, observa-se o isolamento da Carta  mineira em relação às demais unidades da Federação, que, como a  Carta  Magna,  preveem a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa Estadual.

(iii) A necessidade  de  autorização  do Parlamento para se iniciar processo  penal  contra  Chefe  do  Poder  Executivo  tem  origem no princípio democrático de se garantir a soberania da vontade popular, legitimada nas urnas, uma vez que, eleito pelo povo, exerce a função relevantíssima   de  comandar  a  administração  pública,  em  nível nacional ou estadual.

(iv) Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema, concluindo – não só no que concerne ao dispositivo da Constituição Mineira -,  e  mais de uma vez, pela legalidade  de normas específicas insertas em diversas constituições estaduais,  estabelecendo o controle político prévio de conveniência e   oportunidade   ao  prosseguimento  de  persecução  penal  contra Governador, submetendo-o à deliberação dos representantes da vontade popular.

(v) A efetividade das garantias constitucionais deve ocorrer de forma simétrica,  prevalecendo  a  uniformidade de procedimentos diante da mesma  situação,  qual seja, impedir que determinado governador seja julgado  diretamente  pelo STJ, enquanto outros necessitem de prévia autorização  legislativa  (AgRg na APn 836/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/10/2016, DJe 26/04/2017).

Como anotado acima, aparentemente essa era a posição do Supremo Tribunal Federal, extraída de uma série de casos anteriores, em datas relativamente recentes. Vejamos:

(a) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de considerar legítimas as normas de Constituições Estaduais que subordinam a deflagração formal de um processo acusatório contra o Governador do Paraná a um juízo político da Assembleia Legislativa local. Eventuais episódios de negligência deliberada das Assembleias Legislativas não constituem fundamento idôneo para justificar a mudança dessa jurisprudência, cabendo considerar que a superveniência da EC 35/01, que suprimiu a necessidade de autorização legislativa para processamento de parlamentares, não alterou a situação jurídica dos Governadores. (ADI 4791, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 23-04-2015 PUBLIC 24-04-2015) (nosso o grifo)

(b) Constitucionalidade das normas estaduais que, por simetria, exigem a autorização prévia da assembleia legislativa como condição de procedibilidade para instauração de ação contra governador (art. 51, inc. I, da Constituição da República). (ADI 4792, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 23-04-2015 PUBLIC 24-04-2015).

Beleza, Pedro! Não precisava de tanto mistério! Bastava passar as informações pertinentes e afirmar que tanto o STJ, como também o STF entendem que, em razão do princípio da simetria, deve-se observar a prévia autorização do legislativo estadual para o processamento criminal de Governador do Estado no âmbito do STJ!

Mas é justamente aí que eu queria chegar! TUDO ISSO MUDOU!

No julgamento da ADI 5540/MG (concluído em 03 de maio de 2017 e divulgado no Informativo 863 STF), prevaleceu o entendimento do Relator Ministro Edson Fachin, restando fixada a seguinte tese (ATENÇÃO):

“Não há necessidade de prévia autorização da assembleia legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra governador de Estado, por crime comum, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ato de recebimento ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo”.

Durante o julgamento, vale salientar que o Ministro Barroso (que seguiu o entendimento do Relator) registrou com incredulidade dados que apontam que, desde 2003, o STJ solicitou 52 vezes autorização de assembleias estaduais para julgar governadores. Destes pedidos, 36 não foram respondidos, 15 negados e 1 autorizado. “A autorização prévia serve a propósitos antirrepublicanos”, afirmou na ocasião.

Que reviravolta, hein Pedro? Então, agora basta a apresentação de denúncia e o seu recebimento pelo STJ para o Governador ficar afastado do cargo?

Não, cuidado aqui! Você vai entender que, a partir desse precedente do STF, para que o Governador seja processado criminalmente não mais há de se falar em prévia autorização da Assembleia respectiva! Esse entendimento está SUPERADO! Mas isso não quer dizer que ele será afastado em caso de processamento!

Ao contrário, o próprio Supremo fez questão de consignar que caberá ao Tribunal (STJ) decidir sobre eventuais medidas cautelares cabíveis no caso concreto, inclusive sobre o afastamento! Não há afastamento automático, ok?

Muita novidade? Vamos resumir que fica tranquilo!

(i) De acordo com a última manifestação do STF (maio de 2017) não é necessária autorização da Assembleia para processamento criminal de Governador, não havendo que se aplicar simetria com o caso do Presidente da República.

(ii) O recebimento da denúncia pelo STJ não implica afastamento automático do cargo. Para tanto, é imprescindível que a Corte delibera expressa e motivadamente sobre o tema, bem como sobre quaisquer outras medidas cautelares.

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

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