Alunos e leitores do blog da EBEJI,

O Supremo Tribunal Federal publicou, no dia 09 de agosto de 2017, importante decisão proferida na Ação Rescisória nº 1937, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Sem adentrar na matéria de fundo discutida na ação rescisória – extensão a servidor civil do índice de 28,86%, concedido aos militares – o que chamou atenção no acórdão, e no voto do Ministro Relator, diz respeito à Defensoria Pública e possibilidade de a mesma receber honorários advocatícios.

Vejamos o acórdão publicado:

Agravo Regimental em Ação Rescisória. 2. Administrativo. Extensão a servidor civil do índice de 28,86%, concedido aos militares. 3. Juizado Especial Federal. Cabimento de ação rescisória. Preclusão. Competência e disciplina previstas constitucionalmente. Aplicação analógica da Lei 9.099/95. Inviabilidade. Rejeição. 4. Matéria com repercussão geral reconhecida e decidida após o julgamento da decisão rescindenda. Súmula 343 STF. Inaplicabilidade. Inovação em sede recursal. Descabimento. 5. Juros moratórios. Matéria não arguida, em sede de recurso extraordinário, no processo de origem rescindido. Limites do Juízo rescisório. 6. Honorários em favor da Defensoria Pública da União. Mesmo ente público. Condenação. Possibilidade após EC 80/2014. 7. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo a que se nega provimento. 8. Majoração dos honorários advocatícios (art. 85, § 11, do CPC). 9. Agravo interno manifestamente improcedente em votação unânime. Multa do art. 1.021, § 4º, do CPC, no percentual de 5% do valor atualizado da causa.

Da leitura do acórdão acima transcrito, infere-se que o plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade entendeu que no atual estágio do constitucionalismo nacional, após a entrada em vigor das Emendas Constitucionais nº 45/2004, 74/2013 e 80/2014, é possível a condenação da União a pagar verbas sucumbenciais para a Defensoria Pública.

Vejamos como era a redação originária do art. 134 da Constituição Federal e a sua atual redação:

REDAÇÃO ORIGINÁRIA REDAÇÃO ATUAL
“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV).

 

Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”.

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.       (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

 

§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado do parágrafo único pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 74, de 2013)

 

§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.       (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

 

A partir dessas alterações no texto constitucional, a Lei Complementar nº 80/94 também foi modificada, passando a prever o seguinte:

“Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(…) XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores”.

Ou seja, a partir das alterações constitucionais, às Defensorias Públicas foram asseguradas autonomia funcional, administrativa e orçamentária, cabendo à própria Instituição elaborar a sua proposta orçamentária obedecendo aos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

O conceito de autonomia orçamentária, me parece, a chave para entender essa decisão do Supremo Tribunal Federal. Vejamos a explicação do tema trazida pelo professor Kiyoshi Harada:

Autonomia orçamentária não quer dizer exatamente autonomia financeira como muito pensam. Esta última detém a entidade política, dotada do poder de realizar as receitas públicas, originárias, derivadas ou creditícias. Não haveria, por exemplo, a independência político-administrativa do Município não fosse o seu poder impositivo a assegurar sua independência financeira. Mera participação no produto de arrecadação de imposto alheio não traria essa independência financeira. Por isso, quando o art. 99 da Constituição Federal se refere à autonomia administrativa e financeira do Judiciário, na verdade, quis o legislador constituinte referir-se à autonomia administrativa e orçamentária. Conferiu-se ao Judiciário e ao Ministério Público a faculdade de elaborar as propostas orçamentárias, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (art. 99, § 1º e art. 127, § 3º da CF) a serem enviadas ao Executivo, no caso do Judiciário Federal, através dos Presidentes do STF e dos Tribunais Superiores. Após unificadas e incorporadas ao Projeto de Lei Orçamentária Anual, este será encaminhado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, até o final de agosto de cada ano. Autonomia orçamentária significa que determinado órgão, com ou sem personalidade jurídica própria, foi contemplado pela lei orçamentária anual com dotação própria, fixando o montante das despesas autorizadas, no caso do Judiciário e do Ministério Público, por propostas suas. Autonomia orçamentária quer dizer que um determinado órgão constitui-se em uma unidade orçamentária, podendo utilizar-se das verbas com que foi contemplada, mediante observância dos rígidos princípios orçamentários e à medida de disponibilidade financeira do Tesouro.

A Defensoria Pública, a partir do momento que o Poder Constituinte Derivado lhe concedeu autonomia administrativa e orçamentária, não pode mais ser considerada como um órgão da União, estando desvinculada do orçamento geral desde ente político, elaborando a sua proposta de orçamento e possuindo dotação orçamentária própria, tendo liberdade para utilizar os seus recursos dentro do que autoriza a legislação.

Diante disso, e com a função institucional prevista no inciso XXI, do art. 4º da Lei Complementar nº 80/94 – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicoso Supremo Tribunal Federal alterou a sua jurisprudência, passando a entender que a União (ou o Poder Executivo, de todas as esferas federativas) pode ser condenada a pagar honorários sucumbenciais à Defensoria Pública nas demandas patrocinadas por este Instituição.

Além disso, não podemos deixar de tratar do entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. A jurisprudência do STJ é consolidada no sentido de que não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública, nos processos que ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.

Assim é o enunciado da súmula 421, in verbis:

Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.

Primeiro ponto a ser destacado é que esta súmula data de 2010 (03/03/2010), ou seja, o verbete foi editado após a alteração constitucional que atribuiu à Defensoria Pública autonomia funcional, administrativa e orçamentária (EC 45/2004), não levando em consideração a alteração promovida pela Emenda Constitucional 45.

O STJ, até o presente momento, mantém o entendimento cristalizado na sua súmula, conforme se verifica do julgamento do AgInt no REsp 1560642/RS, da relatoria do Minist Benedito Gonçalvez, julgado em 24/04/2017:

ESPECIAL.  INSS.  PAGAMENTO  DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS À DEFENSORIA PÚBLICA  DA  UNIÃO.  CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO  PÚBLICO  INTEGRANTE DA MESMA FAZENDA PÚBLICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 421/STJ.

1. “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela  atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença” (Súmula 421/STJ).

2. Igualmente, são  indevidos honorários advocatícios à Defensoria Pública  quando  ela  atua contra pessoa jurídica de direito público que  integra  a  mesma  Fazenda  Pública.  Precedente:  AgRg no REsp 1.482.102/SP,  Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, Primeira Turma, DJe 22/9/2016.

3. Agravo interno não provido.

Analisando o cenário constitucional em vigor no Brasil, tudo indica que a decisão do Supremo Tribunal Federal, guardião da constituição, deva prevalecer, sendo a interpretação mais adequada do texto constitucional. Deve-se aguardar uma alteração da jurisprudência do STJ, com a provável superação do entendimento trazido na súmula 421.

Aguardemos novas decisões do Tribunal da Cidadania, para que possamos saber qual a linha será adotada nesta Corte.

Para o atual momento é fundamental conhecer a diferença de entendimentos e, sempre que possível, expor essa divergências nas provas.

Trata-se de decisão recentíssima e inédita, que deve ser acompanhada e apreendida por aqueles que estão se preparando para os próximos concursos públicos.

Bons estudos!!!