Impossibilidade de deferimento de adoção unilateral post mortem

quando o processo iniciado foi de adoção conjunta

EBEJI

Olá, alunos! O tema da vez é de Direito da Criança e do Adolescente. Vamos falar de adoção, e de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no final do ano passado, a respeito deste instituto tão importante.

A adoção, segundo Arnold Wald, em Curso de Direito Civil Brasileiro, pag. 183, é “um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente”.

Tal instituto é modalidade de colocação em família substituta (art. 28 da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente), ou seja, é forma de inserção da criança ou adolescente no seio de família que não seja a natural, mas um novo núcleo familiar. Esta modalidade é a mais completa existente em nosso ordenamento, pois ao contrário da guarda e tutela, que se limitam apenas a conceder alguns atributos do poder familiar, ela transforma a criança/adolescente em efetivo membro da família, conferindo-lhe, portanto, proteção muito mais ampla e integral.

Com a nova sistemática constitucional, que consagra o princípio da igualdade no âmbito familiar, em conjunto com o princípio da dignidade humana, o filho adotivo, diferentemente do que constava no sistema anterior, passou a ser tratado de forma absolutamente idêntica ao filho biológico, sendo inadmitidas quaisquer distinções. Vejamos:

Art. 227:

6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Pois bem. Delineado o quadro da adoção de forma genérica e frisado o estado de filho que ela atribui ao adotado, vamos falar de algumas modalidades de adoção que dizem respeito ao tema aqui proposto.

A adoção pode ser unilateral ou bilateral, conjunta. No primeiro caso, a adoção altera apenas uma linha de parentesco do adotando, a saber, materna ou paterna. Ocorre nas hipóteses de adoção de um dos cônjuges ou companheiro do filho do outro e está prevista no art. 41, §1o do ECA. De outro lado, a adoção bilateral altera ambas as linhas de parentesco, materna e paterna, do adotando, atribuindo-se a condição de filho ao adotado a duas pessoas novas, não existentes em seu registro civil de nascimento. Tal forma encontra-se regulada no art. 42, §2o do ECA, e somente é permitida entre cônjuges ou companheiros (conviventes em união estável). Para este tipo, é imprescindível o consentimento de ambos os adotantes, já que se trata de modalidade de adoção conjunta.

A adoção, ainda, pode ser póstuma ou post mortem, que é aquela concedida após o falecimento do adotante, desde que este tenha manifestado inequívoco intento de adotar em vida. É regulada pelo art. 42, §6o do ECA. Assim, com a morte do autor no decorrer do processo, manifestada a vontade, este prosseguirá até o final com o julgamento de mérito. Neste caso, o efeito da sentença constitutiva (porque atribui o estado de filho), retroage à data da morte do autor.

Se, contudo, ajuizado processo de adoção conjunta, um dos cônjuges/conviventes vier a falecer no curso deste, e o sobrevivente desistir do pedido, não poderá ser deferido ao falecido a adoção unilateral post mortem. É dizer, se o falecido ingressou conjuntamente com seu parceiro, com a desistência do sobrevivente, não é possível concretizar-se a adoção para o que a desejava apenas, pois sendo bilateral, é imprescindível o consentimento do outro. Isto ocorre em virtude da irrazoabilidade em impor-se a adoção a uma pessoa que não a queira.

Desta forma, ainda que o falecido não tenha desistido antes de seu óbito, não se pode pressupor que manteria o desejo de adotar, de forma unilateral, após o recuo pelo seu companheiro, pois a única vontade expressa por ele foi a intenção de adotar em conjunto.

Foi nesse sentido o julgado proferido pelo STJ, em sede de Recurso Especial, publicado no informativo nº. 588:

DIREITO CIVIL E DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE IMPOSSIBILIDADE DE AÇÃO DE ADOÇÃO CONJUNTA TRANSMUDAR-SE EM AÇÃO DE ADOÇÃO UNILATERAL POST MORTEM.

Se, no curso da ação de adoção conjunta, um dos cônjuges desistir do pedido e outro vier a falecer sem ter manifestado inequívoca intenção de adotar unilateralmente, não poderá ser deferido ao interessado falecido o pedido de adoção unilateral post mortem. Tratando-se de adoção em conjunto, um cônjuge não pode adotar sem o consentimento do outro. Caso contrário, ferirá normas basilares de direito, tal como a autonomia da vontade, desatendendo, inclusive, ao interesse do adotando (se menor for), já que questões como estabilidade familiar e ambiência saudável estarão seriamente comprometidas, pois não haverá como impor a adoção a uma pessoa que não queira. Daí o porquê de o consentimento ser mútuo. Na hipótese de um casamento, se um dos cônjuges quiser muito adotar e resolver fazê-lo independentemente do consentimento do outro, haverá de requerê-lo como se solteiro fosse. Mesmo assim, não poderia proceder à adoção permanecendo casado e vivendo no mesmo lar, porquanto não pode o Judiciário impor ao cônjuge não concordante que aceite em sua casa alguém sem vínculos biológicos. É certo que, mesmo quando se trata de adoção de pessoa maior, o que pressupõe a dispensa da questão do lar estável, não se dispensa a manifestação conjunta da vontade. Não fosse por isso, a questão ainda passa pela adoção post mortem. Nesse aspecto, a manifestação da vontade apresentar-se-á viciada quando o de cujus houver expressado a intenção de adotar em conjunto, e não isoladamente. Isso é muito sério, pois a adoção tem efeitos profundos na vida de uma pessoa, para além do efeito patrimonial. Não se pode dizer que o falecido preteriria o respeito à opinião e vontade do cônjuge ou companheiro supérstite e a permanência da harmonia no lar, escolhendo adotar. O STJ vem decidindo que a dita filiação socioafetiva não dispensa ato de vontade manifesto do apontado pai/mãe de reconhecer juridicamente a relação de parentesco (REsp 1.328.380-MS, Terceira Turma, DJe 3/11/2014). Assim, sendo a adoção ato voluntário e personalíssimo, exceto se houver manifesta intenção deixada pelo de cujus de adotar, o ato não pode ser constituído. REsp 1.421.409-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18/8/2016, DJe 25/8/2016.

Este tema é bastante significativo, na medida em que excepciona a regra da possibilidade de adoção unilateral e post mortem, o que indica grande probabilidade de cair nas provas dos concursos que abordam a matéria.

Para finalizar, vale destacar que a adoção é instituto regulado tanto pela Lei nº. 8.069/90 (ECA), quanto pelo Código Civil (art. 1618 e seguintes), diferenciando-se quanto ao âmbito de regência, sem que haja conflito. O primeiro aplica-se aos casos de adoção de criança e adolescente, ações processadas e julgadas exclusivamente nas Varas de Infância e Juventude, ao passo em que o segundo rege as adoções de adultos, que tramitam nas Varas de Família.

Bons estudos!