Olá, alunos! Semana passada falamos de Direito da Criança e do Adolescente no âmbito cível. Hoje vamos abordar tema do mesmo ramo, mas atinente à área infracional, que é aquela que abarca as condutas análogas aos crimes praticadas por crianças e adolescentes.

  Atos infracionais são, portanto, ações previstas em nossa legislação como crime ou contravenção penal quando realizadas por crianças e adolescentes. É o que prevê o Estatuto (Lei 8.069/90), no art. 103:

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Os menores de 18 anos (art. 2o do ECA), então, não cometem crimes ou contravenções, uma vez que são considerados inimputáveis pelo nosso ordenamento jurídico, conforme estabelece a Constituição Federal em seu art. 228. Assim, os atos praticados por eles que sejam análogos às infrações penais são chamados de atos infracionais.

Tanto a criança quanto o adolescente podem ser sujeito ativo destes atos. Isso significa que eles são responsabilizados, mas possuem sistemática peculiar para tanto, regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

A diferença primordial reside na consequência aplicável às crianças e aos adolescentes. As crianças não se submetem à aplicação de nenhuma forma de medida a não ser de proteção, que são aquelas contidas no art. 101, do ECA, conforme dispõe o art. 105 do mesmo diploma. Já os adolescentes são submetidos tanto às medidas de proteção quanto às chamadas medidas socioeducativas, que estão elencadas no art. 112.

Vamos falar de medida socioeducativa, pertinente à temática de hoje. São elas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semi-liberdade; internação em estabelecimento educacional e qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

Essas medidas têm caráter predominantemente educativo, pedagógico, embora possuam também o aspecto sancionador. São, logo, de natureza híbrida, mas considerada a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (art. 6o, ECA), têm por escopo principal a reeducação, a formação e a reinserção do jovem na vida social, sem deixar de lado o intuito inibidor da reincidência. Por oportuno, muito clara a explicação de Wilson Donizeti Liberati[1] a respeito:

A medida socioeducativa é a manifestação do Estado, em resposta ao ato infracional, praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência, desenvolvida com finalidade pedagógica-educativa. Tem caráter impositivo, porque a medida é aplica- da independente da vontade do infrator – com exceção daquelas aplicadas em sede de remissão, que tem finalidade transacional. Além de impositiva, as medidas socioeducativas têm cunho sancionatório, porque, com sua ação ou omissão, o infrator quebrou a regra de convivência dirigida a todos. E, por fim, ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva, na medida em que é uma resposta do Estado à prática do ato infracional praticado.

O art. 112, §1o e o art. 113 do ECA trazem os critérios que devem ser observados na aplicação das medidas socioeducativas, a saber: i) capacidade para cumpri-las; ii) circunstâncias e consequências do fato; iii) gravidade da infração; iv) necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Pois bem. Constatada a prática do ato infracional pelo jovem, após a devida apuração pela autoridade policial, inicia-se a fase de atuação do Ministério Público com atribuição para tanto. Primeiramente, deverá o promotor realizar a oitiva informal do adolescente, nos moldes do art. 179 do ECA, indagando-o acerca dos fatos, do seu envolvimento com a prática de atos infracionais, do cumprimento de medidas anteriormente impostas, de seu histórico familiar e social, de suas relações, atividades profissionais e quaisquer outras informações que entender relevantes. Poderá, ainda, ouvir os pais ou responsáveis e quaisquer outras pessoas envolvidas no fato.

Promovida a oitiva, terá o representante do Ministério Público três caminhos a seguir (art. 180, ECA): arquivamento, remissão ou oferecimento de representação. O arquivamento será promovido se verificado que o fato é inexistente, não está provado, não constitui ato infracional ou que não há comprovação acerca do envolvimento do adolescente em sua prática. O oferecimento da representação é a hipótese subsidiária, que ocorrerá nos casos em que não houver o arquivamento ou a remissão. Significa, portanto, a instauração de procedimento para apuração de ato infracional e aplicação de medida sócio educativa, conforme dispõe o art. 182 do ECA.

Atenção: A ação socioeducativa é sempre de natureza pública incondicionada, de exclusiva atribuição ministerial, independentemente do tipo de ato infracional.

Falemos agora da remissão. A remissão é forma de exclusão do processo quando concedida pelo Ministério Público antes de iniciada a fase judicial, ou seja, antes de oferecida a representação. É chamada, por isso, de remissão pré-processual. Ela deverá ser concedida nos moldes do art. 180, II, c/c art. 126, caput e 127, todos do ECA:

Art. 180. Adotadas as providências a que alude o artigo anterior, o representante do Ministério Público poderá:

II – conceder a remissão;

Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.

[…]

Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.

Ao regulamentar a remissão, o Estatuto permitiu expressamente que ela seja cumulada com a aplicação de alguma medida socioeducativa, à exceção da semiliberdade e internação. Desta forma, poderá o Ministério Público, verificado se tratar de hipótese de concessão de remissão, fazê-lo puramente, sem a aplicação de qualquer medida, ou cumulá-la com a aplicação de medida que entender pertinente ao fato em exame.

Este ato será submetido ao Poder Judiciário, que o homologará e determinará o cumprimento, na forma do art. 181, §1o do ECA. Trata-se, portanto, de ato bilateral complexo, isto é, que só se completa com a homologação pelo juiz.

Se, por seu turno, o magistrado não concorda com a cumulação ou com a medida imposta pelo Ministério Público, não poderá alterá-la ou exclui-la e apenas homologar a remissão. Ou seja, não pode o juiz, discordando da medida cumulada, alterar a proposta de remissão pré-processual formulada pelo MP, já que a iniciativa de propor tal instituto é prerrogativa deste órgão.

Assim, se o juiz discordar da remissão, caberá, unicamente, remeter os autos ao Procurador Geral de Justiça (art. 181, §2o), que decidirá se: a) oferecerá representação; b) designará outro Promotor para apresentar a representação; ou c) ratificará a remissão, hipótese na qual o juiz estará obrigado a homologar.

Neste sentido decidiu o STJ:

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO POR MAGISTRADO DOS TERMOS DE PROPOSTA DE REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL. Se o representante do Ministério Público ofereceu a adolescente remissão pré-processual (art. 126, caput, do ECA) cumulada com medida socioeducativa não privativa de liberdade, o juiz, discordando dessa cumulação, não pode excluir do acordo a aplicação da medida socioeducativa e homologar apenas a remissão. Dispõe o art. 126, caput, da Lei n. 8.069/1990 (ECA) que, antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do MP poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendente às circunstâncias e às consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. Essa remissão pré-processual é, portanto, atribuição legítima do MP, como titular da representação por ato infracional e diverge daquela prevista no art. 126, parágrafo único, do ECA, dispositivo legal que prevê a concessão da remissão pelo juiz, depois de iniciado o procedimento, como forma de suspensão ou de extinção do processo. Ora, o juiz, que não é parte do acordo, não pode oferecer ou alterar a remissão pré-processual, tendo em vista que é prerrogativa do MP, como titular da representação por ato infracional, a iniciativa de propor a remissão pré-processual como forma de exclusão do processo, a qual, por expressa previsão do art. 127 do ECA, já declarado constitucional pelo STF (RE 248.018, Segunda Turma, DJe 19/6/2008), pode ser cumulada com medidas socioeducativas em meio aberto, as quais não pressupõem a apuração de responsabilidade e não prevalecem para fins de antecedentes, possuindo apenas caráter pedagógico. A medida aplicada por força da remissão pré-processual pode ser revista, a qualquer tempo, mediante pedido do adolescente, do seu representante legal ou do MP, mas, discordando o juiz dos termos da remissão submetida meramente à homologação, não pode modificar suas condições para decotar condição proposta sem seguir o rito do art. 181, § 2°, do ECA, o qual determina que, “Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar”. As medidas socioeducativas em meio aberto, portanto, são passíveis de ser impostas ao adolescente em remissão pré-processual e não pode a autoridade judiciária, no ato da homologação, deixar de seguir o rito do art. 181, § 2°, do ECA e excluí-las do acordo por não concordar integralmente com a proposta do MP. Havendo discordância, total ou parcial, da remissão, deve ser observado o rito do art. 181, § 2° do ECA, sob pena de suprimir do órgão ministerial, titular da representação por ato infracional, a atribuição de conceder o perdão administrativo como forma de exclusão do processo, faculdade a ele conferida legitimamente pelo art. 126 do ECA. REsp 1.392.888-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti, julgado em 30/6/2016, DJe 1/8/2016. (Grifei)

O tema merece destaque, portanto, já que embora a remissão seja ato bilateral e complexo, sujeita a homologação judicial, o magistrado não pode interferir na proposta realizada pelo Ministério Público.

Assim, esse assunto é de extrema importância para as carreiras tanto da magistratura quanto Ministério Público e Defensoria e com grandes chances de aparecer nas provas. Fiquem atentos e bons estudos!

[1] LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 9a ed. revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 102.